Vou ser muito breve na minha opinião em relação ao Parsifal
de hoje.
Resumindo, acho os pontos altos foram, sem dúvida, o
terceiro acto, a prestação de Evgeny Nikitin e a direção de Gatti.
A encenação, não sendo espectacular ou inovadora, consegue, através
das projeções de fundo, transportar-nos em cada momento para um mundo de
tranquilidade simplista, no primeiro e terceiro actos, apesar de tudo o que se
vive em emoções. Outros pormenores como a associação do sangue ao pecado,
dominando o segundo acto e aparecendo fugazmente no primeiro, o sentido de
transport a obra para um presente basicamente apenas pela utilização de vestes
da actualidade, não são novidade e não impressionam.
Só quero falar de emoção hoje. E acho que não me vou
conseguir exprimir em relação ao que sinto porque não vos posso demonstrar a
minha concepção das personagens e da obra. Precisava de recorrer a exemplos
vocais de cantores que me marcaram nos diversos papéis e dar a minha visão
interpretativa de alguns deles. Todos nós temos ideas sobre como uma ópera que
veneramos deve ser e eu, de todas as que adoro, talvez do Parsifal tenha essa
ideia mais coesa e consistente.
Sinceramente, não consigo compreender Jonas Kaufmann. Não o
compreendi em NY quando o vi em Siegmund em 2 récitas ao vivo em 2011 (e onde
esteve claramente assimétrico em termos interpretativos) e não o consegui
compreender hoje neste Parsifal. Foi capaz de nos oferecer um terceiro acto
magnífico, onde conseguiu claramente modular a sua voz à interpretação e sair
do registo que predominou no segundo acto. Neste, foi evidente a projeção
massiva da voz e ausência, embora parecesse tentá-lo talvez em 10% dos
momentos, do correcto sentimento para aquilo que estava a cantar. Foi demasiado
seco e não me convenceu na sua epifania de tolo para iluminado. Não estou a
discutir a capacidade de Kaufmann cantar, não estou a discutir o seu timbre,
estou sim a procurar evidenciar o que a mim me apaixona na ópera e que é a
emoção. E essa emoção parte, na plenitude, da capacidade de não só cantar todas
as notas mas sim saber quando descer desse nível e valorizar a emoção correcta
em cada momento, mesmo que isso implique cantar com menos potência. Só assim se pode dizer que um cantor é uma boa
personagem e, sendo assim, não alcançando essa plenitude, não posso dizer que
Kaufmann é, neste momento, um excelente Parsifal.
Wagner
não é só cantar alto e em bom som.
O exemplo de hoje, talvez mais evidente desta
qualidade é o de Evgeny Nikitin, com o seu excelente Klingsor, no sentido que
referi.
René Pape esteve fantástico mas também se superou no terceiro acto a um
nível estrelarmente emotivo, deixando como momentos mais marcantes do primeiro
acto a passagem do cisne e a troca de olhares com Kaufmann durante a cerimónia,
e muito menos marcante na sua narração da história do Graal.
Katarina Dalayman
fez uma Kundry de muito bom nível.
Peter Mattei, para quem interpreta o papel
de Amfortas pela primeira vez na carreira nesta produção, deixou-me a desejar
que se envolva ainda mais neste papel. No seu monólogo do primeiro acto sempre
em crescendo neste sentido de emoção vocal, embora não na perfeição, talvez em
parte por culpa da posição obrigatória pelo encenador. Mas também porque é
preciso ter uma grande identificação com este papel. Penso que não deve haver
muitos cantores que saibam o que Amfortas sente e sejam capazes de o viver em
palco. No fundo, um Homem de fé, que é posto à prova por Deus com Kundry e que
falha, que na fraqueza humana cede, que se arrepende, mas em que a culpa o persegue
infligindo uma dor completa: a dor física da ferida pela lança e a dor
espiritual das quais não se consegue livrar pela morte porque a força do Graal
o mantém vivo, não achando ser digno de a oferecer a terceiros que o obrigam a oferecer
essa mesma força.
Confuso? Assim é a vida... E a ópera é isso... A vida de
cada um de nós, projectada em palco.
Caro wagner_fanatic,
ResponderEliminarTambém assisti hoje a esta transmissão.
A amplificação vocal continua a perturbar-me muito porque distorce e não permite apreciar a verdadeira sonoridade dos cantores. Mas não há alternativa, bem sei.
Para mim os solistas foram todos de elevada qualidade mas destacaria Evgeny Nikitin, René Pape e Jonas Kaufmann.
A encenação foi interessante, mas não gostei do 2º acto. A ideia do "sangue", como está apresentada, não é particularmente feliz. E como deverá ter sido desconfortável para os cantores terem estado molhados, em vão, durante todo o acto. Este é mais um exemplo do que alguns qualificam como "eurotrash".
Mas, ... nada confuso, pelo menos no meu caso!
Tanto disparate e tanta pretensão... E tão surdos, benza-os Deus. Nem sei porque ainda passo por aqui. Valha-nos o facto de que, como basicamente se comentam um ao outro, não influenciam ninguém. Enxerguem-se.
ResponderEliminarCaro Anónimo,
EliminarÉ muito raro termos comentários destrutivos e mal educados, mas aqui nos deixa um. Lamentamos que seja ao abrigo do anonimato.
Procuramos comentar o que vemos e ouvimos, como foi o caso deste Parsifal, que foi visto por 3 dos autores do blogue. E, se quiser ler com cuidado, verificará que "não nos comentamos uns aos outros" mas referimos as nossas opiniões.
Assistimos, anualmente e ao vivo, a mais de uma representação do Parsifal (e de muitas outras óperas), o que nos permite ter referências de comparação.
Mas, mesmo que assim não fosse, no blogue "Fanáticos da Ópera" a opinião é livre. Se discorda dela, seria interessante indicar em que aspectos e porquê, e não se limitar à crítica gratuita e inconsequente.
E, por favor, se o incomoda tanto passar pelo blogue, não venha cá! Ninguém o obriga e, se não vier, escusa de se incomodar e de se interrogar por que razão o faz!
Caro Anónimo,
EliminarAcho que está enganado. Os membros deste blog não se comentam só uns aos outros.
Comentamo-lo a si também...
É sempre um prazer ter uma opninião sua, vazia e ainda mais pretensiosa que a minha.
Muito obrigado.
Amigos,
ResponderEliminarHoje foi a segunda vez que assisti uma récita inteira de Parsifal. A outra tinha sido uma apresentação do DVD de uma produção anterior do Met, se não me engano com Siegfried Jerusalem no papel principal e Waltraud Meier no papel de Kundry.
Na época, com uns 20 e pouco anos, a música me impressionou, mas o argumento da ópera em si, nem tanto. Acho que certas coisas você precisa ter uma certa idade para entender, pois dessa vez aproveitei muito mais o que vi.
A lição de Parsifal, pelo menos para mim, é que, mais importante do que saber o caminho certo é trilhá-lo. Não imagine que você não vai cometer erros, porque você é humano e eles vão acontecer, mas não deixe que os mesmos o esmoreçam.
Fugir para uma vida contemplativa (como Gurnemanz) pode lhe trazer sabedoria e lhe evitar as tentações da vida mundana, mas sua vida não será totalmente plena. Não há grande mérito em não pecar se você não se expoe a tentação (como Gurnemanz) ou se a tenta impedir na marra (como Klingsor, ao se mutilar).
Tambem não adianta agir com coragem mas, ao falhar, se acovardar e não encarar as consequencias dos seus erros (como Amfortas). É preciso seguir em frente.
Parsifal perambula por toda a vida e acaba encontrando a sabedoria atravez do equilibrio. Ele age, ele erra, mas não desiste e por isso no final triunfa. É assim que todos temos que agir.
Sobre a apresentação, tambem achei dispensável aquele sangue todo. E o mundo de Klingsor era para ser um lugar bonito, é um mundo de ilusões. Ficou com cara de boite sado-maso, foi realmente um ícone do Eurotrash!
Já o primeiro e terceiro ato foram deslumbrantes. As roupas modernas e o cenário vazio deram um tom atemporal a obra. Não é nada original, mas eu gostei. Gostei tambem do prólogo, onde vemos os cavaleiros renunciando aos bens materiais e as mulheres para se dedicar aquela vida monástica.
Gostei de todos os cantores, não achei que ninguem estava mal, mas o Rene Pape (Gurnemanz) e o Amfortas foram fantásticos. É a primeira vez que assisto o Kaufmmann, mas o terceiro ato dele foi muito bom tambem.
Mas o melhor da noite foi saber que o Levine volta ano que vem. Vou me esforçar para ir a Nova Iorque para ver Falstaff. Temos que aproveitar porque pode ser a última chance de ver esse mito regendo, coisa que ainda não tive chance.
Um abraço daqui do Rio para todos os companheiros do blog!
Eduardo
Excelente análise do sentido do Parsifal e do ensinamento desta ópera. Muito obrigado por partilhar neste blog.
Eliminar"The meaning of life!"
ResponderEliminarOpera and reality.
Springtime greetings from Gent,Willy
Acredito que toda obra dessa importância não tem apenas uma forma de ser concebida. Muitas vezes uma grande produção pode trazer distrações assim como as concepções atualmente desastradas ("eurotrash") podem prejudicar a fluidez da ópera, e por mais que músicos e cantores se esforcem a desgraça é irreversível. Felizmente essa produção relativamente ousada conseguiu enriquecer o lado humano das personagens. Talvez aquele lado místico pudesse ser ressaltado, mas a música (que música!) de certa forma preenche essa lacuna. Ao contrário das óperas italianas ou mozartianas minha atenção aos detalhes vocais é perturbada pela capacidade extraordinária de Wagner manipular emoções tão caras a mim, todos os cantores de alguma forma diminuíram meu senso crítico...talvez esse é o elogio que faço a eles.
ResponderEliminarEncontrei Parsifal de ser confuso, mas quando eu estudava a filosofia de Nietzsche, encontrei as diferenças entre Wagner e Nietzsche fascinante.
ResponderEliminarCaros fanáticos
ResponderEliminarNão tenho tido tempo nenhum para aqui vir, com imensa pena minha.
Mas ontem estive lá, e vi, e gostei muito.
Descontando todos os aspetos menos conseguidos, e que ficaram bem claros no vosso apontamento, eu realmente fiquei rendida ao festival sagrado, nesta versão pós apocalíptica, como já foi chamada.
Mas, mais uma vez, partilho o vosso artigo.
Saudações a Wagner, sempre, e continuação de boas audições!
Elsa Mendes
Caros Fanáticos,
ResponderEliminarTambém assisti à transmissão do Parsifal e faço um balanço bastante positivo.
Concordo, no geral, com a apreciação dos cantores que faz, embora, por um lado, não tenha achado o Kaufmann tão “emocionalmente pouco envolvido” no 2º acto, como escreveu. Concordo que a sua prestação – e não só aqui, embora o meu conhecimento dele seja puramente discográfico – não é particularmente envolvida, mas, num cômputo geral, fiquei com a sensação de que encontrou um bom ponto de equilíbrio entre a perfeição canora e o “encarnar” da personagem. Mas esta é, mais do que um juízo objectivo, uma impressão puramente subjectiva e que, eventualmente, poderia ser diferente caso pudesse ver e ouvir mais vezes esta performance.
Gostei particularmente do Peter Mattei. Não me apercebi de defeitos de vocalização e achei que transmitiu de modo convincente o drama de Amfortas (particularmente no 1º acto), que tão bem descreveu. Aliás, concordando inteiramente com a sua caracterização do personagem, mais duvidoso fico com a possibilidade de tal drama ser traduzido em palco em toda a sua extensão (quem é o cantor que, na sua opinião, melhor o consegue fazer?).
Quanto à produção, achei interessante. O meu escasso conhecimento da videografia do Parsifal (nunca tive o privilégio de ouvir ao vivo; talvez daqui a uns 5 ou 6 anos, quando a bilheteira de Bayreuth me voltar a sorrir) não me permite tecer grandes juízos sobre a sua originalidade. Mas achei interessante a ideia do sangue no 2º acto. Não sei se faz parte da ideia do encenador, mas o que de imediato me ocorreu é que todo o 2º acto se passa como que dentro da própria ferida de Amfortas, o drama está dentro dele.
Seja como for, apreciei bastante a sua crítica e dou os parabéns aos autores do blog, em que participo pela primeira vez, e que, seguramente, continuarei a seguir atentamente.
J. Baptista
Caro J. Baptista,
ResponderEliminarEm primeiro lugar deixe-me agradecer a sua participação neste comentário e no nosso blog que também é seu e de todos os que o visitam.
Se for rever a minha crítica, eu não achei o segundo acto do Kaufmann bom. Onde o achei mais emocionalmente envolvido em termos globais foi no terceiro acto.
Dos "Parsifal" a que já assisti e dos que já vi em DVD, na minha opinião, a prestação de Thomas Hampson no Festival de Baden-Baden (disponível em DVD) é talvez a melhor, embora com uma postura de "louco". Adorava ainda poder ver Hampson ao vivo neste papel. Ao vivo, talvez o mais próximo do que idealizo tenha sido Thomas Johannes Mayer, o qual tive a oportunidade de ver em Berlim neste Janeiro.
Gostei da sua visão do segundo acto - dentro da ferida de Amfortas. Realmente as encenações menos evidentes permitem-nos interpretações variadas e com sentido.
Continuação de boa música e boa ópera!
Dentro da ferida de Amfortas, no 2º acto, foi algo que não me havia ocorrido, mas é uma interpretação muito interessante.
EliminarComo escrevi acima, não gostei do 2º acto. Mesmo nesta interessante perspectiva que nos coloca, a cena da sedução, com todas aquelas personagens "flores" a ver (qual voyeurismo...), é, no mínimo, bizarra, para além de, suspeito, muito desconfortável para os cantores.
Obrigado pelo seu comentário.
Caro Wagner-fanatic,
EliminarObrigado pela sua resposta e agradeço as suas simpáticas palavras sobre a participação no blog. É muito gratificante verificar que existe quem comungue desta paixão pela ópera e pela música clássica em geral e que aproveite para partilhar os seus conhecimentos e opiniões na net.
Dei-me agora conta de que me exprimi mal: eu percebi que o Wagner_fanatic não tinha apreciado a prestação do Kaufmann no 2º acto; o que eu pretendi dizer foi que eu é que não achei o Kaufmann pouco envolvido no segundo acto. Talvez a dupla negativa e a omissão do “eu” no início da frase a tenham deixado pouco clara; é o que dá escrever a correr e não rever...
Agradeço as referências videográficas, que não deixarei de investigar e não posso deixar de invejar (no bom sentido!) as récitas a que teve a oportunidade de assistir!
Cumprimentos melómanos,
J. Baptista
Caro Fanático_Um,
EliminarA ideia de o 2º acto se passar no interior da ferida de Amfortas pareceu-me fazer sentido, dado o papel que a Kundry teve nesse processo e aquele que assume perante Parsifal. Mas, como disse anteriormente, não foi fruto de nenhuma construção ou elaboração intelectual minha a posteriori, mas tão só uma ideia que me surgiu durante o próprio acto e que, no momento, me pareceu fazer sentido. Não quero com isto dizer que seja a melhor maneira de interpretar a encenação – e, como também disse, ignoro se corresponde à intenção do encenador – ou sequer que seja coerente com todos os elementos que nela surgem, como o das flores, que refere.
Mas, voltando um pouco atrás e subscrevendo a crítica elogiosa feita à prestação de Nikitin, resta apenas esperar que as manas Wagner reconsiderem a sua posição de afastar do Festival um cantor desta categoria, por algo que parece pouco mais ser do que criancices.
Cumprimentos,
J. Baptista