Kátìa Kabanová é uma ópera com música e libretto de Leoš Janáčec que relata a história de uma mulher infeliz no seu casamento com Tichon, um marido negligente. Vive oprimida pela sogra, Kabanicha, uma viúva possessiva e arrogante. Durante a ausência de Tichon, em viagem, envolve-se com Boris, uma paixão anterior, reprimida. Quando o marido regressa, Kátia confessa que o traiu e, à pergunta de Kabanicha, revela o nome do amante. Foge no meio de uma tempestade e lamenta a confissão. Boris encontra-a e diz-lhe que foi expulso e vai partir para a Sibéria mas não a pode levar consigo. A impossibilidade de viver o amor proibido leva-a ao suicídio, lançando-se ao Volga. Tichon culpa a mãe pelo sucedido mas ela mantém uma atitude indiferente.
A ópera de Janáčec está impregnada de trechos musicais de assinalável beleza e grande intensidade dramática. A encenação, moderna e simples, de David Alden, foi eficaz sem deslumbrar. O palco esteve bastante vazio, mas não fomos colocados face a perplexidades incompreensíveis ou disparates inqualificáveis, como vinha acontecendo no São Carlos nos últimos tempos.
(Fotografias da mesma produção na English National Opera)
Julia Jones assinou, para mim, a melhor direcção musical que lhe ouvi no São Carlos e a Orquestra Sinfónica Portuguesa esteve à altura da exigência da obra, proporcionando-nos uma grande interpretação da partitura.
Ausrine Stundyte, soprano lituano, foi uma Kátia Kabanova de qualidade. Se esteve bem no primeiro acto, melhorou no segundo e foi excelente no terceiro. Cenicamente irrepreensível, interpretou com dramatismo assinalável a personagem. A voz, não sendo bonita, é robusta, potente e, apesar de tender para a estridência nos agudos, esteve sempre segura. Quando a ouvi na Dona Branca achei o timbre algo rude, mas hoje tal não foi tão evidente. Esteve muito bem.
Tichon foi interpretado pelo tenor alemão Hans Georg Priese. O papel não é grande mas deu boa conta dele. A voz é bem audível e o timbre agradável. A presença em palco também foi digna de registo positivo.
Boris foi interpretado pelo tenor alemão Arnold Bezuyen. Voz forte mas sem cor nem agudos interessantes, nem a capacidade dramática necessária à personagem.
Dagmar Pečkova, meio-soprano checo, foi uma Kabanicha muito aquém das minhas expectativas. Já ouvira anteriormente esta cantora na Gulbenkian, em recital e, na altura, deixou-me deveras impressionado pela qualidade da sua interpretação. Hoje foi diferente, não esteve à altura da personagem e foi uma sombra do que ouvira no passado. Mantém um timbre interessante mas a voz foi pequena, sem potência e, não raras vezes, completamente abafada pela orquestra.
Os restantes intérpretes estiveram globalmente bem. Salientaria a boa interpretação do baixo islandês Magnus Baldvinsson no papel do comerciante Dikoi. O tenor islandês Finnur Bjarnason que interpretou o papel de Kudriach foi muito aplaudido no final mas não entendi a razão dessa distinção dado que a voz era bonita mas pequena e, frequentemente, inaudível.
O público continua zangado com o São Carlos, pois ainda estavam muitos lugares vagos. E não é por desinteresse pela ópera. Se assim fosse, as emissões do Met Live na Gulbenkian, apesar de em “ecran”, não esgotariam todas. O São Carlos tem um passado glorioso que ainda está na memória de muitos e, mesmo mais recentemente, na era Pinamonti, houve grandes espectáculos no nosso único teatro nacional de ópera. É essa qualidade que todos esperam voltar a obter.
O espectáculo de hoje não envergonhou ninguém.
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