terça-feira, 29 de abril de 2014

ALCINA, Ópera de Zurique, Fevereiro de 2014 / Zürich Opernhaus, February 2014

(review in english below)

Alcina é uma ópera de Georg Friedrich Händel com libretto de Antonio Fanzaglia segundo a ópera L’isola di Alcina de Riccardo Broschi, a partir do poema épico Orlando Furioso de Ludovico Ariosto.


 A feiticeira Alcina transforma homens em animais na sua ilha. Está apaixonada pelo mais recente prisioneiro, Ruggiero. Bradamante, a sua noiva, chega à ilha disfarçada de homem (Ricciardo), acompanhada do seu guardião, Melisso. O feitiço de Alcina faz com que Ruggiero esqueça Bradamante. Morgana, serva de Alcina, apaixona-se por “Ricciardo”, para desespero de Oronte, o seu amado, também servo de Alcina. Oronte, enciumado, convence Ruggiero que Alcina ama “Ricciardo”. Alcina fica dilacerada quando descobre que Ruggiero a traiu e planeia fugir da ilha e, ainda, verifica que a sua varinha mágica perdeu os poderes. Todas as personagens principais revelam as suas verdadeiras identidades, Morgana e Oronte, e Ruggiero e Bradamante juntam-se no amor e destroem o poder e o palácio de Alcina que se afunda no mar. Alcina desaparece e os animais transformados retomam a forma humana.


 A encenação Christof Loy é vistosa mas difícil de entender. Começa com a representação (magnífica) de uma ópera barroca num teatro rococó na parte superior do palco, enquanto na parte inferior se vêem os bastidores e os animais transformados por Alcina. Aparece um cupido muito idoso, uma ideia muito interessante.
A acção avança mais de um século e, na ária mais introspectiva de Alcina do 2º acto, aparece-lhe a sua imagem como idosa (a mesma personagem que faz de cupido). Este acto passa-se numa espécie de residência para doentes psiquiátricos, sem ter sido claro para mim o significado da encenação.
 No último acto vêem-se os escombros do teatro, muito fumo (possivelmente terá ardido) e cai um grande lustre (uma réplica do lustre da ópera de Zurique). A maioria dos participantes está vestida como nos tempos actuais, mas Alcina aparece novamente com um vestido “barroco”, antes de desaparecer.


 O maestro (e flautista) Giovanni Antonioni dirigiu superiormente a excelente Orquestra barroca La Scintilla. A interpretação foi fantástica, tirando o máximo partido da sonoridade própria dos instrumentos da época.




O elenco de solistas foi de primeiríssima água:
 Alcina foi interpretada pelo mezzo italiano Cecilia Bartoli. Confesso que foi ela que me fez ir a Zurique e … não me arrependi. Bartoli é uma daquelas (poucas) cantoras líricas que é muito melhor ao vivo do que em gravações. A expressividade dramática que empresta às personagens é única e aqui, mais uma vez, assim foi. Para além de ouvi-la, vê-la é um assombro. Todas as suas árias (seis no total) foram fantásticas, a voz é única, sempre primorosamente bem colocada e de uma beleza avassaladora. Na ária principal do 2º acto, Ah mio cor, ofereceu-nos uma interpretação divinal, a voz chorava e a interpretação foi comovente. Um privilégio único e raro poder apreciar ao vivo uma das melhores cantoras de sempre.



 Sensacional foi o mezzo sueco Malena Ernman como Ruggiero. Antes do início do espectáculo fomos avisados que não estaria na sua melhor forma devido a uma infecção respiratória. Mas nada transpareceu dessa limitação porque nos ofereceu uma interpretação de excepção. É uma artista completa. Fisicamente parecia um homem, a agilidade em palco foi estonteante, incorporou sem destoar o corpo de bailarinos no 3º acto e até cantou a fazer flexões (!). Para além de todos estes atributos físicos e cénicos, a voz tem um timbre lindíssimo, uma potência invulgar e a coloratura foi imponente. Maravilhosa.



 Bradamante foi o mezzo arménio Varduhi Abrahamyan, uma desconhecida para mim que também esteve em grande, tanto cénica como vocalmente. O timbre é bonito, escuro, o canto cheio e a interpretação sempre bem conseguida.


 O soprano francês Julie Fuchs fez uma Morgana muito boa, de voz agradável e bem audível e, no palco, uma postura sempre convincente. 


 Oronte foi interpretado com qualidade pelo jovem Fabio Trümpy, tenor suíço de voz clara e expressiva.


 Também outro jovem, o baixo americano Erik Anstine, interpretou Melisso com qualidade e poderio vocal interessante e muito agradável.








 Uma Alcina estratosférica na Zürich Opernhaus.

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ALCINA , Zurich Opera House , February 2014

Alcina is an opera by Georg Friedrich Händel with libretto by Antonio Fanzaglia according to the opera L' isola di Alcina by Riccardo Broschi, after the epic poem Orlando Furioso by Ludovico Ariosto .

The witch Alcina turns men into animals on her island. She is in love with her latest prisoner Ruggiero. Bradamante, her bride, arrives in disguised as a man (Ricciardo), accompanied by her guardian, Melisso. Alcina´s spell causes Ruggiero to forget Bradamante . Morgana, Alcina’s servant, falls in love for "Ricciardo" , to the despair of Oronte, his beloved, also servant of Alcina. Oronte, jealous, convinces Ruggiero that Alcina loves "Ricciardo" . Alcina is torn when she discovers that Ruggiero betrayed  her and plans to flee the island, and also discovers that her wand lost its powers. All the main characters reveal their true identities, Morgana and Oronte, and Ruggiero and Bradamante join in love and destroy the power and the palace of Alcina that sinks in the sea. Alcina disappears and the animals resume their human form.

Christof Loy 's staging is fine but hard to understand. It begins with the representation (magnificent) of a rococo baroque opera in a theater at the top of the stage , while at the bottom the backstage is seen, where the animals transformed by Alcina lay. A very old cupid appears, a very interesting idea.
The action progresses over a century, and during the more introspective Alcina’s aria in 2nd act, her image as an old woman appears (it is the same player that plays the cupid). . This act takes place in a sort of residence for psychiatric patients, without being clear to me the meaning of the act.
In the last act we see the ruins of the theater, a lot of smoke (possibly it burned ) and a large chandelier (a replica of the chandelier of the Zurich opera) drops. Most participants are dressed as in present times, but Alcina appears again with a "Baroque" dress before disappearing.

Conductor (and flautist) Giovanni Antonioni superiorly directed the great Baroque Orchestra La Scintilla. The performance was fantastic, taking full advantage of the sonority of baroque instruments.

The soloists were of the highest quality:
Alcina was interpreted by Italian mezzo Cecilia Bartoli. I confess that it was she who made ​​me go to Zurich ... and I did not regre . Bartoli is one of those (few) opera singers who is much better live than on recordings. The dramatic expressiveness that she plays is unique and here, again, it was so. In addition to hearing her, seeing her on stage is a wonder. All her arias (six in total) were fantastic, the voice is unique, always exquisitely well pitched and of an overwhelming beauty. In the main the 2nd act aria, Ah mio color, she offered us a divine interpretation, her voice and interpretation were touching. It is a unique and rare privilege to see and hear one of the best opera singers of all times.

Sensational was Swedish mezzo Malena Ernman as Ruggiero. Before the start of the performance we were told that she would not be at her best due to a respiratory infection But this limitation was not apparent because she offered an exceptional performance. She is a complete artist. Physically looked like a man, her agility on stage was stunning. In the 3rd act she joined the group of professional dancers and she even sang doing pushups (!) . Apart from all these physical and staging attributes, her voice has a beautiful tone, an unusual power and impressive coloratura. Wonderful.


Bradamante was Armenian mezzo Varduhi Abrahamyan, an unknown singer to me who was also great both on stage and vocally. Her tone is beautiful abd dark, and the performance onstage was always excellent.

French soprano Julie Fuchs was a very good Morgana, with a nice and very audible voice and onstage always a nice performance.

Oronte was interpreted by the young Swiss tenor Fabio Trümpy. He has a bright and expressive voice .

Also another young singer, American bass Erik Anstine, played Melisso with an interesting and very nice vocal power.

A stratospheric Alcina in Zürich Opernhaus.

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quarta-feira, 23 de abril de 2014

JULIA LEZHNEVA na Fundação Gulbenkian — 22 de Abril de 2014

(Review in English)


O jovem soprano russo de 24 anos, Julia Lezhneva, apresentou-se na Fundação Calouste Gulbenkian acompanhada pelo maestro finlandês Aapo Hakkinen que dirigiu a Orquestra Barroca de Helsínquia.


O programa foi inteiramente dedicado ao compositor alemão do período barroco Georg Friedrich Handel (1685-1759). Ouviram-se interpretações de La ressureizione HWV 47: Sonata, La ressureizione HWV 47: Disserratevi, o porte d’Averno!, Concerto Grosso em Si bemol maior, HWV 313, Salve Regina HWV 341, Marcha em Ré maior HWV 416, Sonata em Fá HWV 302b, Rodrigo HWV 5: Passacaille, Agrippina HWV 6: Prélude, Il trionfo del Telpo e del Disinganno HWV 46a: Un pensiero nemico di pace, Agrippina HWV 6: Ouverture, Agrippina HWV 6: Pensieri, voi mi tormentate, Il triofo del Tempo e del Disiganno HWV 46a: Come nembo che fugge col vento.


Julia Lezhneva foi, indubitavelmente, a estrela cintilante da noite. A sua qualidade já foi diversas vezes premiada e, apesar da sua tenra idade, mostra uma enorme maturidade vocal. A sua tessitura é ampla, o que lhe permite estar confortável no registo grave, médio e agudo. Tem uns agudos cristalinos e envolventes. O timbre é extremamente agradável, melodioso e vivo. O legato perfeito. E as interpretações sentidas, verificando-se que sente com paixão aquilo que canta. Talvez por isso tenha dito: «Estou profundamente apaixonada por esta música. Através dela percebe-se que os compositores realmente amavam o que faziam.» Podiam destacar-se todas as suas interpretações, mas, para mim, as mais marcantes foram Salve Regina e Pensieri, voi mi tormentate. Fabulosas!


As interpretações da Orquestra Barroca de Helsínquia dirigida pelo seu director artístico Aapo Hakkinen foi de muito elevada qualidade. Sonoridade barroca irrepreensível, óptima noção de tempo e excelente coordenação entre os naipes. Estiveram, igualmente, perfeitos no acompanhamento da estrela da noite Lezhneva. De destacar Jasu Moisio no oboé: que sensibilidade musical!


As interpretações — soprano e orquestra —, juntamente com o reportório escolhido, fizeram-me lembrar o concerto magnífico que Joyce DiDonato nos ofereceu quando apresentou o seu álbum Drama Queens. Fiquei com a ideia de que Julia Lezhneva já não tem o estatuto de Drama Princess, mas sim de Drama Queen!

Como encore ouviu-se Handel novamente. A interpretação de  Lascia la spina cogli la rosa da ópera Rinaldo foi cintilante.

Fica um vídeo do You Tube.


Que concerto memorável!

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(Review in English)

The young Russian soprano of 24 years old, Julia Lezhneva, presented at the Calouste Gulbenkian Foundation accompanied by Finnish conductor Aapo Hakkinen who directed the Helsinki Baroque Orchestra.

The program was entirely devoted to the German Baroque composer Georg Friedrich Handel (1685-1759). There were performances of La ressureizione HWV 47: Sonata, La ressureizione HWV 47: Disserratevi, o porte d’Averno!, Concerto Grosso em Si bemol maior, HWV 313, Salve Regina HWV 341, Marcha em Ré maior HWV 416, Sonata em Fá HWV 302b, Rodrigo HWV 5: Passacaille, Agrippina HWV 6: Prélude, Il trionfo del Telpo e del Disinganno HWV 46a: Un pensiero nemico di pace, Agrippina HWV 6: Ouverture, Agrippina HWV 6: Pensieri, voi mi tormentate, Il triofo del Tempo e del Disiganno HWV 46a: Come nembo che fugge col vento.

Julia Lezhneva was undoubtedly the shining star of the night. Her quality has been awarded several times and, despite her young age, she shows a huge vocal maturity. Her tessitura is wide, allowing her to be comfortable in low, medium and high registers. She has a crystalline and engaging treble. The tone is extremely pleasant, melodious and alive. The legato is perfect. And her interpretations are felt and warm, verifying that she feels passionately what she is singing. Maybe that's why she said: «I'm deeply in love with this music. Through it you realize that the composers really loved what they were doing.» I could stand out in all her interpretations, but for me, the most striking were Salve Regina and Pensieri, voi mi tormentate. Fabulous!

Interpretations of Helsinki Baroque Orchestra led by its artistic director Aapo Hakkinen was of very high quality. Impeccable baroque sound, great sense of tempo and excellent coordination between the instruments. Were also perfect accompanying the star of the night Lezhneva. Of note in the Oboe Jasu Moisio: what musical sensibility!

Interpretations - soprano and orchestra - along with repertoire chosen, reminded me of the magnificent concert that Joyce DiDonato gave us when she presented her album Drama Queens. I got the idea that Julia Lezhneva no longer has the status of Drama Princess, but of Drama Queen!

As encore we heard Handel. The interpretation of the Lascia la spina cogli la rosa of Rinaldo opera was scintillating.

This is a video from You Tube.
http://www.youtube.com/watch?v=c4DpYgG3FyM


What a memorable concert!

sábado, 19 de abril de 2014

FALSTAFF, Theatro Municipal de São Paulo, Abril de 2014




FALSTAFF PUNK NO TMSP. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE DO BLOG DE ÓPERA E BALLET.
  
   Os comentários do público conhecedor de ópera sobre Falstaff de Verdi que estreou no Theatro Municipal de São Paulo no último dia 12 de Abril eram um só, Ambrogio Maestri. O burburinho do teatro estava todo em volta dele, desde as escadarias até os camarins todos falavam nas qualidades vocais do barítono italiano. Muitos lembravam que ele interpretara esse mesmo título no Metropolitan Opera House de Nova Yorque em Dezembro de 2013, ópera transmitida nos cinemas nacionais.

   Uma senhora emperequetada comentou com ar de sabedoria às amigas (no teatro as pessoas adoram mostrar intelectualidade), que não perderia por nada desse mundo a única ópera cômica de Verdi. Pensei com meus botões e lhe informei que Falstaff é a segunda ópera cômica de Verdi, a primeira, Um Giorno di Regno, escrita na juventude do compositor não fez sucesso algum e é quase desconhecida do público. Parece que a madame não gostou muito da argumentação, fez cara de poucos amigos e saiu da roda rapidinho. Quando entrou no teatro essa senhora ficou assustada, sua maquiagem quase derreteu devido a tamanho rubor, foi apresentada a punks se embebedando no palco, sem entender muito que se passava ela se acomodou em seu lugar e tirou as fotos de praxe.

     Ambrogio Maestri é a encarnação viva de Falstaff, especialista no papel título tendo cantado ele mais de duzentas vezes pelo mundo afora. Maestri não decepcionou os fãs. O corpanzil adequado ao personagem munido de uma voz de timbre equilibrado e de invulgar beleza, projeção impecável que enche o teatro sem o menor esforço, graves consistentes e uma interpretação cênica convincente fazem dele ser o Falstaff quase perfeito. Maestri tem todas as qualidades necessárias a um excelente Falstaff e a utiliza de maneira primorosa, consegue unir comicidade cênica e voz de maneira certeira. Os longos aplausos do público paulistano (vinte minutos segundo alguns) foram mais que merecidos.



 Ambrogio Maestri, foto Sergio Castro, Internet

    Outro que sempre mostra qualidades vocais é Rodrigo Esteves, o jovem barítono fez um Ford portentoso, defendeu suas passagens com voz de graves quentes e uma solidez técnica impressionante. Cativou o público com uma bela interpretação do personagem. Virginia Tola exibiu bons agudos e encarnou com boas qualidades cênicas Alice Ford. Destaco que todos os demais solistas se apresentaram de maneira condizente e em alto nível.

   A montagem se mostrou confusa e complexa. O universo imaginado pelo diretor Davide Livermore é a Inglaterra onde desfilam punks bêbados e seres estranhos. Homens verdes participam da ação e não acrescentam nada, em outro momento eles estão de preto e só atrapalham. Os cenários misturam Londres com o Teatro Municipal de São Paulo em mais uma ideia sem nexo. Tudo estático e sem o menor desenvolvimento cênico. Os figurinos seguem a mesma filosofia e abusam do xadrez britânico, tudo de um mau gosto tremendo. A luz simples, arroz com feijão acrescenta pouco. A ação se salva pelas grandes interpretações dos solistas e pelo dinâmico libreto de Arrigo Boito. A fábrica de cultura alardeada pela direção está virando a fábrica do motejo.

   A Orquestra Sinfônica Municipal regida por John Neschling se perdeu em algumas passagens no primeiro ato, a música não casava com o canto. A partir do segundo ato as coisas melhoraram e as belas melodias verdianas apareceram com clareza. O Coro Lírico Municipal de São Paulo mostrou equilíbrio nas vozes, nele desfilam vozes talentosas, muitos deles com nível de solista.
  

   Cena de Falstaff, Foto Internet.
  
   John Neschling anda alardeando pelas redes sociais que o Municipal estava lotado na récita de estreia, não estava caro amigo. Diversos lugares vazios no balcão simples e na galeria provam o contrário, ou será que para John esses setores não fazem parte do teatro? Era só perguntar quantas pessoas entraram no teatro e comparar com a capacidade total e você veria a diferença. Outra promessa não cumprida é os novos uniformes, desenhados por um famoso estilista (colete que parece de motoboy, camisetas polo e de malha com estampas, na feira da madrugada no Brás tem aos montes) não deram o ar da graça. O que se viu foram funcionários vestidos com o pretinho básico. E para piorar as coisas os problemas após a troca da empresa que vende os ingressos continuam: Muitos em duplicidade, uma página da internet confusa que sequer confirma a compra, enormes filas para a retirada e ingressos que não passam pelos leitores do código de barra são problemas comuns.


   A grande dúvida que permeia a mente desse escriba é porque os teatros brasileiros não trocam suas produções. Isso já ocorreu no passado de forma tímida, na atualidade impera o isolamento teatral. Exemplos não faltam de óperas feitas em uma cidade e pouco tempo depois uma nova produção estrear em outro local. Tivemos ano passado Falstaff no Theatro São Pedro e esse ano o mesmo título está em cartaz no Municipal de São Paulo. Carmen de Bizet está sendo apresentada no Municipal do Rio e em Maio outra produção estará em São Paulo. Salomé de Strauss está programada para o mesmo Municipal de São Paulo e dizem que outra produção será apresentada no Rio de Janeiro. Será que é difícil os diretores de teatro pensarem na racionalidade econômica e trocarem suas óperas. Infelizmente a lógica do capital público não é racional nesse país. Viva a gastança!

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Ouro do Reno / Das Rheingold - Theatro Municipal de São Paulo




PÃO COM MORTADELA NO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO. ÓPERA "O OURO DO RENO" DE RICHARD WAGNER. CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET.

Depois de umas trezentas polêmicas no Theatro Municipal de São Paulo tivemos a apresentação, em forma de concerto, da ópera O Ouro de Reno de Richard Wagner. A ideia de produzir O Anel do Nibelungo brasileiro começou estranha e uma bagunça completa. A administração anterior optou por começar pela segunda parte da tetralogia (A Valquíria) e depois pulou para a última parte (O Crepúsculo dos Deuses). A atual administração anunciou fazer a primeira parte (O Ouro do Reno) e se "esqueceu" de programar para o ano de 2014 a última parte restante (Siegfried).

Polêmicas a parte (a atual direção parece adorar uma) tivemos no dia 09 de Novembro O Ouro do Reno em forma de concerto. A Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo regida pelo competente e um dos maiores entendidos das óperas de Richard Wagner no Brasil Luiz Fernando Malheiro conseguiu sonoridade razoável. Diversas passagens soaram sem conexão entre os naipes, de modo geral esses pequenos erros foram superados pelas belas harmonias da música wagneriana. Os metais se mostraram o ponto fraco do elo orquestral, seus volumes elevados destoaram das características da música wagneriana.

Os solistas tentaram dar dinâmica a uma ópera feita em concerto, fizeram de tudo para atuar e mostrar os desejos e o caráter de seus personagens. Suas vozes foram beneficiadas por estarem na ponta do palco, isso facilita a projeção. Quase todos estiveram a contento com bom nível vocal: Denise de Freitas (Fricka) mais uma vez desfilou seu talento cênico e vocal, Gabriella Pace (Freia) apresentou agudos brilhantes e um timbre homogêneo que impressiona pela beleza. Destaco a bela voz de Angela Diel (Erda), técnica segura e um timbre quente nos graves fizeram ela mostrar seu talento ao público paulistano e a sempre competente Laura Aimbiré.



Gabriella Pace, foto Internet.

Michel Kupfer trouxe um Wotam com voz possante e graves majestosos. O Donner de Fabrizio Claussen foi mais um que mostrou segurança na voz. O grande destaque fica com o tenor Stefan Margita, como Loge o rapaz arrebentou na interpretação e na voz. Agudos possantes com uma técnica vocal rara fez esse personagem se tornar no mínimo inesquecível. Sávio Sperandio colocou credibilidade nos graves do gigante Fafner, uma voz marcante que impressiona pelo tamanho e volume.

Anunciar ópera com cenários e figurinos e fazê-la em forma de concerto é o mesmo que prometer um belo salmão defumado e oferecer pão com mortadela dormido. Quem não conhece a fundo a tetralogia composta por Richard Wagner fica perdido e só tem o programa (esse de ótima qualidade) para se virar. Pena que não teremos a continuação (Siegfried), nem em forma de concerto e muito menos encenada. O sonho do Anel do Nibelungo brasileiro completo ficará para tempos futuros.


Em uma rede social o Diretor artístico do Teatro Municipal nos informa:" Lançaremos no dia 23 de Novembro as assinaturas para a temporada 2014. Seis títulos na temporada oficial, grandes elencos, brasileiros e estrangeiros, grandes encenadores, igualmente daqui e de fora, interpretes de qualidade à frente de nossa OSM". O Diretor do Teatro ao anunciar a temporada de 2014, com toda a pompa e circunstância, em Julho desse ano relatou a presença de nove títulos, por agora viraram seis? Um passarinho me contou que Cosi fan Tutte de Mozart é uma das canceladas.

terça-feira, 15 de abril de 2014

PAIXÃO SEGUNDO SÃO MATEUS BWV244 / MATTHÄUS PASSION BWV244, Fundação Gulbenkian, Abril / April 2014




Como tem sido (excelente) hábito, a Fundação Gulbenkian ofereceu-nos a possibilidade de desfrutar uma Paixão na semana da Páscoa. Este ano foi, novamente, uma obra prima, a Paixão segundo São Mateus BWV244 de Johan Sebastian Bach.

Dirigiu o Coro Gulbenkian, a Orquestra Gulbenkian e o Coro Infanto-Juvenil da Universidade de Lisboa o conceituado maestro Michel Corboz.


 Foram solistas o soprano francês Sandrine Piau, o contratenor espanhol Carlos Mena, o tenor francês Vincent Lièvre-Picard, o tenor alemão Christoph Genz, o baixo português André Baleiro e o barítono inglês Peter Harvey.




 O início do concerto, no dia a que assisti, foi algo conturbado, com vários desencontros entre os músicos, que poderiam comprometer a qualidade do espectáculo. Mas o competente maestro Corboz rapidamente controlou a situação e ofereceu-nos, mais uma vez, um excelente espectáculo.


 Tanto a prestação dos solistas da orquestra como a dos solistas vocais não foi uniforme. Limitar-me-ei a salientar aqueles que, em minha opinião, se destacaram pela positiva.

Na orquestra foram excelentes Pedro Ribeiro e Nelson Alves nos Oboés de Amor e Marc Ramirez no contrabaixo.

De entre os solistas, os que mais me impressionaram foram Sandrine Piau, Carlos Mena, Peter Harvey e, sobretudo, André Baleiro que foi um Cristo irrepreensível.



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MATTHÄUS PASSION BWV244, Gulbenkian Foundation, April 2014

As has been (excellent!) habit, the Gulbenkian Foundation offered us the possibility to enjoy a Passion in Easter week. This year was again a masterpiece, the Matthäus Passion BWV244 by Johan Sebastian Bach.

Renowned maestro Michel Corboz directed the Gulbenkian Choir, the Gulbenkian Orchestra and the Chorus of Children and Adolescents of the University of Lisbon.

Soloists were French soprano Sandrine Piau, Spanish countertenor Carlos Mena, French tenor Vincent Lièvre-Picard, German tenor Christoph Genz, Portuguese bass André Baleiro, and English baritone Peter Harvey.

The beginning of the concert, the day I attended, was something troubled with various mismatches among musicians, that could have compromised the quality of the performance. But the competent conductor Corboz quickly controlled the situation and offered us, once again, a great performance.

The performance of either of the soloists of the orchestra as the vocal soloists was not uniform. I will highlight those who, in my opinion, stood out positively.

Excellent soloists from the Orchestra included Pedro Ribeiro and Nelson Alves in Oboes and Marc Ramirez on bass.

Among the vocal soloists, those whoo impressed me most were Sandrine Piau, Carlos Mena, Peter Harvey and, especially, André Baleiro that was an excellent Christ.

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sexta-feira, 11 de abril de 2014

LA BOHÈME, MetLive, Fundação Gulbenkian, Abril de 2014

(review in english below)

La Bohème, de G. Puccini foi transmitida em diferido da Metrepolitan Opera. A história de amor entre o poeta Rodolfo e a tuberculosa Mimi está recheada de momentos musicais de grande lirismo e intensidade dramática que fazem desta ópera uma das mais apreciadas do compositor. Já tinha visto esta produção de Zeffirelli no Met, como referi aqui, e conto-me entre os que muito a admiram, apesar de ter sido estreada em 1981. Toda ela é fantástica mas o esplendor do 2º Acto no Café Momus e a eficácia do 3º Acto na Barrière d’Enfer são magníficas.

Dirigiu o maestro Stefano Ranzani. Orquestra e Coro da Metropolitan Opera, como sempre, em grande.

Kristine Opolais foi uma substituta de última hora de Anita Hartig. Havia cantado a Butterfly na véspera, um feito notável, devidamente assinalado por Peter Gelb. A cantora tem uma voz poderosa, bem timbrada, mas a interpretação foi excessivamente dramática, faltando-lhe a simplicidade e ingenuidade características da Mimi, sobretudo nos dois primeiros actos. Muito boa presença em palco.

Vittorio Grigolo comparou-se a Pavarotti, mas só mesmo por serem ambos italianos. A voz é decente e segura, embora não muito encorpada. O seu Rodolfo esteve muito aquém do desejável. O que teve a mais cenicamente, faltou-lhe na voz -  emotividade, essencial na personagem. Para mim foi a pior interpretação que vi dele porque não parecia estar a “viver” a personagem.


Susanna Phillips foi, de longe, a melhor solista em palco. Fez uma Musetta excepcional. Voz bela e fresca, grande expressividade, genuinidade e alegria. E uma interpretação cénica insuperável. Fantástica.

Massimo Cavalletti também deixou uma muito boa impressão como Marcello. Donald Maxwell foi um Benoit digno. Já Patrick Carfizzi como Schaunard e Oren Gradus como Colline tiveram interpretações banais.


Uma Bohème que valeu, sobretudo, pela encenação e pela Musetta (Susanna Phillips).

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La Boheme  MetLive, Gulbenkian Foundation, April 2014

La Boheme by G. Puccini was broadcast deferred from the Metrepolitan Opera. The love story between the poet Rodolfo and tuberculosis Mimi is full of musical moments of great lyricism and dramatic intensity that make this one of the most beloved operas by the composer. I had seen this production by Zeffirelli at the Met, as I mentioned here, and I am one of those who really admire it, despite being premiered in 1981. All the production is fantastic but the splendor of the 2nd Act at Café Momus and the effectiveness of the 3rd Act at Barrière d' Enfer are magnificent.

The musical direction was of maestro Stefano Ranzani. The Orchestra and Chorus of the Metropolitan Opera was, as always, great.

Kristine Opolais was a last minute replacement of Anita Hartig. She sung Butterfly the day before, a remarkable achievement, duly noted by Peter Gelb. The singer has a powerful voice annice timbre, but the interpretation was overly dramatic, lacking the simplicity and ingenuity characteristic of Mim , especially in the first two acts . Her stage presence was very good.

Vittorio Grigolo compared himself to Pavarotti, but I think the only point in common is that they are both Italian. The voice is decent and firm, although not very full-bodied. His Rodolfo was far from the desirable. What was excessive scenically, lacked in voice - emotiveness, essential in this character. For me it was the worst performance I've seen  by Grigolo because he seemed not to be "living" Rodolfo.

Susanna Phillips was by far the best soloist on stage. She performed an exceptional Musetta. Fresh and beautiful voice, great expressiveness, authenticity and joy. And with an unsurpassed scenic interpretation. Fantastic.

Massimo Cavalletti also left a very good impression as Marcello. Donald Maxwell was a worthy Benoit. Patrick Carfizzi as Schaunard and Oren Gradus as Colline had trivial interpretations.

A Bohème 
valuable only due to the production and to Musetta ( Susanna Phillips).

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sábado, 5 de abril de 2014

QUARTETT de LUCA FRANCESCONI, Fundação Gulbenkian, 01.04.2014

(Review in English)
(www.facebook.com/fanaticos.opera)

(fotos de www.gulbenkian.pt)

A ópera Quartett do iltaliano Luca Francesconi foi estreada em 2011 no Teatro alla Scalla de Milão. O libreto em inglês é do próprio compositor e baseia-se em Quartett de Heiner Muller que, por sua vez, se inspirou no romance Le liaisons dangereuses de Pierre de Laclos.

O Fanático Um teve oportunidade de assistir à sua estreia em Milão. Poderão ler aqui a sua apreciação. A minha, volvidos 3 anos e visionada na Fundação Gulbenkian, não difere substancialmente.


Poderão ler uma sinopse neste link para o programa de sala. Nele encontrarão textos do encenador Álex Ollé e do compositor Luca Francesconi. Soa-me sempre a pretensiosismo quando os autores têm de nos vir explicar o que fizeram e orientar o nosso entendimento. E  se é claro que esta ópera será considerada por diversos pseudo-intelectuais como uma obra visionária dos tempos modernos, eu, num rasgo de absoluta genialidade francescónica, considero que estamos perante um novo género musical. Preparados?


Ópera hardcore génito-sexual-sacro-herética metafórica. Que acham? A obra está impregnada de imagens, alegorias, metáforas sexuais com ligação anticlerical evidente, mas de um gosto decadente omnipresente.


Se até posso considerar interessante a música com instrumentação pequena, com recurso a gravações e a voz e som amplificados e canto por vezes agreste — digo mais, até a segui sem sacrifício e com interesse e acho que as ligações foram bem conseguidas (isto apesar de não ser o meu género) —, o texto é de um mau gosto gritante. E não! Não foi por me sentir desconfortável com o conteúdo: trata-se apenas de ser, de facto, uma forma grotesca de tratar o tema. Parece que a vivência da sexualidade terá de ter sempre uma relação a uma religiosidade balofa e castradora. Parece que a sexualidade não pode ser vivida sem balizas religiosas. Parece que a ideia de sexo e pecado é uma ligação perigosa inquebrável. Parece que Francesconi não se libertou dessa visão. Parece que a quer perpetuar. Em suma, há dois Luca Francesconi: o da música tolerável e o do libreto deplorável.


A Orquestra Gulbenkian dirigida pela especialista em Quartett Susanna Malkki esteve em bom nível.


Os cantores também estiveram em muito bom plano. Allison Cook, mezzo-soprano que fez de Marquesa, teve uma projecção vocal irrepreensível e uma óptima prestação cénica. Também o barítono Robin Adams como Visconde esteve muito bem vocal e cenicamente. Ambos deram voz e corpo a duas personagens densas e complexas com várias metamorfoses difíceis de tornar vivas.


A encenação de Álex Ollé com cenografia de Alfons Flores foi, sem dúvida, o melhor da noite. É extremamente difícil encontrar um guião para encenar este texto, mas Ollé fê-lo de forma sublime, tornando este Quartett um espectáculo visualmente muito impactante e agradável de seguir. Se alguma coisa me faria repetir a visualização desta ópera é a encenação que é genial.


Faz uma utilização de projecções em vídeo extremamente interessante e coerente e projecta a acção num espaço fechado cúbico e em plano elevado, pobre em elementos cénicos e que centra a acção no duo de personagens.


Destaque para a dificuldade técnica em colocá-la a funcionar na Fundação Gulbenkian: veio provar que o novo anfiteatro está capaz de tudo!


No final, saí com a sensação de que tinha assistido a um espectáculo multimedia com música, vídeo e voz de interesse médio, cuja encenação exaltou, e um texto muito discutível, mas que, ao sê-lo, torna esta obra mediática.

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(Review in English)

The Luca Francesconi's opera Quartett was premiered in 2011 at the Teatro alla Scalla (Milan). The English libretto was written by the composer himself and is based on Quartett by Heiner Muller who, in turn, was inspired by the novel Le liaisons dangereuses by Pierre de Laclos.

The Fanatic One had a chance to attend Quartett world premiere in Milan. You may read here his assessment. My opinion does not differ substantially relative to this opera.

You can read a synopsis on this link. In it you will find texts by stage director Álex Ollé and composer Luca Francesconi. It always sounds pretentiousness when the authors have to come in and explain what they did to guide our understanding. And it is clear that this opera is considered by many pseudo-intellectuals as a visionary work of modern times. I, in a fit of absolute francesconic genius, believe we are facing a new musical genre. Ready?

Hardcore genito-sexual-sacro-heretic metaphoric opera. What do you think? The work is imbued with images, allegories, metaphors with sexual anticlerical obvious link, but of an ubiquitous decadent taste.

If I can even find interesting music with little instrumentation, using recordings and voice and sound amplified and singing sometimes harsh - say more, I followed it without sacrifice and with interest and I think the connections were well achieved (despite this kind of music is not my genre) - the text is a blatant bad taste: and no! Not because I feel uncomfortable with the content: it is only because of a grotesque way of treating the subject. In short, there are two Luca Francesconi: the tolerable music composer and the deplorable libretist.

The Gulbenkian Orchestra led by Quartett expert Susanna Malkki was at a good level.

The singers were also in very good plan. Allison Cook, mezzo-soprano who made Marquise, had a faultless vocal projection and scenic optimum performance. Also baritone Robin Adams as Viscount was fine vocal and scenically. Both gave voice and body to two dense and complex characters with various metamorphoses difficult to make living.

The staging of Álex Ollé with scenography by Alfons Flores was undoubtedly the best of the night. It is extremely difficult to stage this text, but Ollé did so in sublime form, making this a visually very impactful and enjoyable to follow. If anything would make me repeat viewing of this opera is the scenario that is genius.

Makes a use of video projections in extremely interesting and coherent way, projecting the action in a large cubic enclosure, scenic and action that focuses on the characters duo.

Emphasis on the technical difficulty to put it to work in the Gulbenkian Foundation: this stage has proved that the new amphitheater is capable of anything!

In the end, I left with the feeling that I had witnessed a multimedia show with music, voice and video of average interest whose staging exalted, and a very debatable text, but at the  end is the text that makes this work mediatic.