(Fotografia: FCG)
Assisti ao concerto do passado dia 3 de Março de 2016, na
Fundação Calouste Gulbenkian.
O programa foi preenchido, na
primeira parte, pelo Prelúdio (e não abertura, como refere o programa) do
Lohengrin e pelos Wesendonck Lieder, em versão orquestral. Na segunda parte
tocou-se a 3ª Sinfonia de Anton Bruckner.
(Fotografia: FCG)
A Orquestra Gulbenkian foi
dirigida pelo maestro finlandês Jukka-Pekka Saraste e contou com a
interpretação da mezzo-soprano Waltraud Meier nos Wesendonck Lieder.
O Prelúdio da ópera Lohengrin é
uma peça de grande delicadeza, cujo sucesso depende da capacidade do maestro de
traduzir o carácter etéreo e quase intangível que constitui a essência do mundo
divino que a música visa representar. O início, no registo sobre-agudo dos
violinos, divididos em oito partes, necessita de uma perfeita articulação e de
um ambiente de sublimidade que, manifestamente, não foi criado por Saraste. O
tempo foi muito brusco, os naipes dos violinos tiveram dificuldade na
articulação e a “beleza azul-prateada”, descrita por Thomas Mann, não se
sentiu. O crescendo até ao culminar do tema do Graal, com as entradas
sucessivas dos diversos naipes instrumentais, foi demasiado impetuosa na minha
opinião, perdendo-se a atmosfera adequada à idealização de Wagner, que
pretendia representar a descida dos anjos do céu em direcção às regiões
sagradas de Montsalvat para confiar o Graal ao cuidado dos puros. O crescendo
orquestral desembocou num fortíssimo muito poderoso, em que toda a orquestra
ribombou de forma tremenda (marca constante deste concerto), para depois fazer
o caminho inverso, de volta às harmonias iniciais.
(Mathilde Wesendock)
Para cantar os Wesendonck Lieder
tivemos a presença da grande diva wagneriana Waltraud Meier (Würzburg,
09-01-1956), que eu nunca tinha tido oportunidade de ouvir ao vivo.
Como seria de esperar, a sua voz
já não é – nem pode ser – o que foi nos anos 90, quando estava no seu auge. Em
especial quando o maestro não ajuda e faz troar a orquestra, abafando-a
completamente, como aconteceu em algumas ocasiões. Pareceu-me notar um certo
nasalamento do timbre e o fôlego já não permite um legato perfeito. Contudo, a
marca da grande artista está toda
lá, na elegância do fraseio e na inteligência do canto.
A sua interpretação do lied “Im
Treibhaus” foi verdadeiramente tocante, o melhor momento da sua actuação.
Os lieder “Der Engel” e “Stehe still!” teriam igualmente sido
perfeitos se Jukka-Pekka Saraste tivesse adoptado tempos menos rápidos, que me
parecem pouco adequados a deixar a música respirar e a poesia a vir ao de cima.
Com “Träume” encerrou-se o ciclo de forma belíssima.
Embora Waltraud
Meier seja uma intérprete vocal de excepção, ela atinge o seu zénite na
representação teatral, como atestam as gravações em dvd disponíveis. Não sendo
os Wesendock Lieder, porventura, o seu repertório mais significativo, foram,
todavia, um excelente palco para demonstrar como os seus dotes artísticos
permanecem intocados.
Para além disso, demonstrou
grande simpatia com os membros do público que a procuraram para trocar umas
palavras e pedir autógrafos, como pude testemunhar.
A segunda parte do concerto foi
integralmente preenchida com a 3ª Sinfonia, em ré menor, de Anton Bruckner, na
versão de 1877, edição Leopold Nowak.
Escrita inicialmente em 1873
(Bruckner terminou-a a 31 de Dezembro), a Sinfonia n.º 3 foi dedicada a Wagner.
Mas, curiosamente, não directamente por escolha de Brucker, mas por escolha do
próprio Wagner, a quem o mestre de Sankt Florian a apresentou em Setembro de
1873 (antes de estar concluída a orquestração do Finale) juntamente com a 2ª
Sinfonia. Todavia, ao que rezam as crónicas, depois de Wagner ter escolhido a
3ª Sinfonia, ambos beberam tanta cerveja que, ao chegar a casa, Bruckner já não
tinha a certeza de qual havia sido escolhida pelo seu mestre mais admirado.
Escreveu-lhe então a perguntar se era aquela cujo tema inicial era tocado pela
trompete, ao que Wagner terá respondido «Sim, sim! Melhores cumprimentos!»,
passando desde então a referir-se àquele como “Bruckner, o trompete».
Anedotas à parte, a 3ª Sinfonia marca o início das
sinfonias da maturidade de Bruckner e, como se tornou hábito, foi sujeita a uma
infindável série de revisões, nem todas da lavra do próprio compositor. As duas
principais revisões foram a de 1877 e a de 1888/89, com a colaboração de Franz
Schalk.
Neste concerto foi tocada a
versão de 1877, com a coda do Scherzo, publicada por Nowak em 1981.
Jukka-Pekka Saraste, que dirigiu
de memória, privilegiou tempos relativamente rápidos (pela minha contagem, a
interpretação durou 56:31, dividida da seguinte forma: I – 19:30; II – 15:00;
II – 7:34; IV – 14:27. Como referências comparativas que tenho posso indicar as
gravações de Haitink/VPO 61:29; Sinopoli/Dresden 59:11; Solti/CSO 59:33) e, ao
nível da estrutura interpretativa, a sua leitura foi marcada por grandes
contrastes dinâmicos, um marcado sentido de progressão e uma sensação de
urgência que às vezes roçava o enfático. Embora a orquestra tenha tocado sempre
com uma elevada pressão sonora, os típicos e abruptos silêncios brucknerianos
foram executados na perfeição.
O início do primeiro andamento não teve o carácter “misterioso” que a partitura pede, precisamente pela urgência adoptada pelo maestro finlandês. Contudo, a partir daí, as grandes massas sonoras foram sempre bem esculpidas, para terminar numa coda galvanizadora.
O segundo andamento foi muito
equilibrado, cheio de belos momentos e com uma excelente execução.
O Scherzo foi, para mim, o melhor
momento da Sinfonia, ao qual o estilo musculado de Jukka-Pekka Saraste se
adequou perfeitamente. Extremamente vigoroso no seu tema principal, o maestro
finlandês tocou-o com uma energia contagiante. Na secção central, do trio, a
abordagem foi notavelmente robusta, evidenciando o carácter rústico do ländler.
Era visível o prazer que tocar estas páginas estava a dar aos músicos da
orquestra e que se reflectia dos seus sorrisos cúmplices com o maestro.
O final foi tocado de forma
grandiosa, culminando toda a experiência bruckneriana que, seguramente, não
deixou indiferente nenhum espectador do auditório, como se pôde atestar pelos
longos aplausos proporcionados a todos os músicos.
Em suma, um concerto muito
gratificante e que permanecerá na memória.