Mostrar mensagens com a etiqueta sarah-Jane Brandon. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta sarah-Jane Brandon. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 19 de abril de 2017

DER ZWERG, Teatro Nacional de São Carlos, 04/04/2017



Mais um texto de José António Miranda que muito enriquece este espaço: 

DER ZWERG   (Alexander von Zemlinsky)

Ópera em um Acto (1922)

Libreto de Georg C. Klaren, adaptado a partir da novela de Oscar Wilde, The Birthday of the Infanta

Direcção musical: Martin André
Encenação: Nicola Raab

Cenografia: José Capela
Luzes: Rui Monteiro
Roupas: Mariana Sá Nogueira
Fotografias: José Carlos Duarte

O Anão: Peter Bronder
Donna Clara: Sarah-Jane Brandon
Ghita: Dora Rodrigues
Don Estoban: Nuno Pereira
Primeira Criada: Carla Caramujo
Segunda Criada: Filipa van Eck
Terceira Criada: Carolina Figueiredo
Donzelas: Ana Franco, Carmen Matos

Orquestra Sinfónica Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de São Carlos    Dir. Giovanni Andreoli

Produção: Teatro Nacional de São Carlos (2017)


Fotografias de Jorge Carmona / Antena 2 RTP

Der zwerg (O anão) foi apresentada no TNSC como segundo elemento de um programa duplo de que a primeira parte era a muito conhecida Pagliacci de Giacomo Puccini.

Duas pessoas devem ser louvadas antes de mais quando falamos deste espectáculo: a encenadora Nicola Raab e a soprano portuguesa Dora Rodrigues. Vejamos porquê.

Se atentarmos no que consta do trecho introdutório inserido no programa de sala terá sido propósito da direcção artística do teatro fazer deste programa duplo o espectáculo de um só cenógrafo.

Tendo porém o trabalho de encenação sido atribuído a duas pessoas diferentes, facilmente compreendemos como seria muito difícil, senão impossível que, respeitando a intenção anunciada, se conseguisse fazer obra de qualidade.


Com efeito, fazer centrar as ideias de encenação numa proposta cenográfica pode resultar eventualmente bem nos casos, que existem de facto, em que a dupla encenador cenógrafo trabalha habitualmente em conjunto e tem portanto uma cumplicidade e uma metodologia laboral que permitem a fusão fácil das capacidades criativas plásticas, que são tarefa do cenógrafo, com as capacidades criativas conceptuais, próprias do trabalho de encenação.

Pretender que esta seja a regra orientadora de um espectáculo duplo como este sem que se verifiquem aqueles desideratos é no mínimo temerário.

Pois Nicola Raab, a encenadora, logrou a façanha de conseguir que a ópera de Zemlinsky nos fosse apresentada de um modo que, sem utilizar primariamente as características cenográficas da proposta anterior mas sem com ela chocar frontalmente também, permite aceder aos significantes comuns presentes em ambas as obras, que são, muito mais do que a simples roupagem plástica alegadamente unificadora do espectáculo, o seu vínculo definidor.


Para tal a opção por uma cenografia despojadíssima, reduzida a meia dúzia de adereços e à delimitação do espaço através de cortinas que, abrindo ou fechando, ora definem ambientes e locais diversos ora nos mostram ocultando o que o libreto descreve, revelou-se genial.

Porém esta concreta negação do universo plástico da obra anterior com a quase completa ausência de cenários que a caracterizou requeria para resultar plenamente um trabalho muito cuidadoso a nível da luz e dos actores/intérpretes.

E aí a encenadora não terá conseguido as contrapartidas suficientes: seria necessário melhorar muito o desenho da luz e genericamente a interpretação de todos os actores.

Não obstante estes problemas o espectáculo atingiu momentos de grande qualidade formal. Alguns desses momentos merecem assim ser recordados.

É o caso do jogo de posturas proposto para a personagem do anão, brilhante demonstração de um profundo trabalho de actor.


É o caso dos poucos momentos em que a coreografia das três criadas da corte e das donzelas em geral acompanha a música ilustrando-a.

E é o caso, e aqui passamos para o segundo louvor do início deste texto, do desempenho global de Dora Rodrigues, extraordinariamente conseguido sob o ponto de vista dramático e vocalmente o melhor de todos os intérpretes.

Mas o trabalho exemplar desta soprano portuguesa, que conseguiu no final conjugar qualidade formal com grande sentido dramático e uma apurada sensibilidade não foi infelizmente generalizado em palco. A figura da princesa, personagem de recorte ambíguo, não teve aqui qualquer profundidade.

Mas foi sobretudo a nível da coreografia, ou seja do investimento do espaço pelos intérpretes, que mais faltou ao espectáculo o complemento expressivo requerido pela magnífica música de Zemlinsky.

O lirismo e a poesia que se libertam da escrita musical não ficam demonstrados plasticamente por se espalharem pétalas de flores pelo palco ou se declamar poesia.
Essa demonstração deveria ser permanente, como num bailado, e não apenas limitada aos poucos momentos referidos acima.


Der zwerg revela muitas semelhanças com Iolanta de Tchaikovsky pela temática, e com Ariadne auf Naxos de Straus pela música: esta é sobretudo de inspiração straussiana, com momentos de modernismo a recordar Stravinsky.

Infelizmente para nós Martin André conseguiu uma total ausência de subtileza na direcção, cilindrando literalmente a delicadíssima teia emocional que a partitura expressa. Portanto a orquestra tocou sempre forte ou fortíssimo, com claro prejuízo quase sempre para a audibilidade das vozes.

Paralelamente o coro feminino esteve horrível, deixado completamente à solta, num histerismo a roçar por vezes o histriónico, abafando tudo e todos como um rolo compressor musical.

Orquestra e coro deram assim involuntário testemunho do estado a que se encontra reduzido o principal teatro lírico nacional. Que pena!

JAM       12/04/2017

sexta-feira, 7 de abril de 2017

DER ZWERG, Teatro de São Carlos, Abril de 2017



Foi a primeira vez que vi ao vivo a ópera Der Zwerg (o Anão) de Zemlinski com libreto de Georg Klaren. A Orquestra Sinfónica Portuguesa e o Coro do Teatro de São Carlos foram superiormente dirigidos por Martin André. A música é de grande intensidade dramática, fazendo lembrar o Strauss mais pesado.

A encenação de Nicola Raab (Cenografia de José Capela, Figurinos de Mariana Sá Nogueira, Desenho de Luz de Rui Monteiro) é pobre, havendo uma cortina, um sofá, uns degraus e pouco mais. Mas, ainda assim, resultou num espectáculo interessante.



A história, inspirada num conto de Oscar Wilde, é considerada autobiográfica porque espelha a sua profunda dor pela rejeição de Alma Schindler (que viria a casar com Mahler).
A infanta Clara festeja os seus 18 anos e o mordomo (Don Estoban), Ghita e mais 3 criadas apresentam-lhe as prendas de aniversário. Um sultão envia um anão como presente que, contudo, nunca viu a sua figura física. Apaixona-se pela princesa que lhe dá uma rosa branca. Destapa acidentalmente um grande espelho (na encenação resultou bem) que revela a sua deformidade. Tenta um beijo da princesa mas esta repele-o e chama-lhe monstro. Ghita chama-o meigamente à razão mas o desgosto é brutal e morre desfolhando a rosa que recebeu, enquanto a princesa volta para o baile. Na encenação desaparece por trás do espelho, o que não foi uma má opção. Também achei interessante o facto de se levantar quando falava com a princesa (apareceu em palco de joelhos, simulando um anão), permitindo outras interpretações à sua condição, não limitadas ao aspecto físico.
O programa de sala é muito interessante!

O Anão foi interpretado pelo tenor Peter Bronder. É um papel grande, está quase sempre em palco. Gostei muito, a voz sempre bem colocada e afinada, notando-se a experiência do cantor em ultrapassar sabiamente dificuldades.



A Donna Clara da soprano  Sarah-Jane Brandon foi também agradável. Cantora de voz com um timbre não particularmente belo mas boa projecção e boa postura em palco.



A Ghita da soprano Dora Rodrigues foi estridente no início, mas melhorou substancialmente e ofereceu-nos uma impressionante interpretação no final.



O Don Estoban do baixo Nuno Pereira esteve quase sempre afogado pela orquestra e, frequentemente, não se ouvia.



As 3 criadas Carla Caramujo, Filipa van Eck e Carolina Figueiredo tiveram papéis muito pequenos.






****

terça-feira, 11 de outubro de 2016

CARMEN de George Bizet — Teatro Nacional de São Carlos, 8.10.2016

(Review in English below)

Carmen, a obra maestra de Bizet, dispensa apresentações. A sua popularidade entre todos os públicos é reflexo da qualidade do drama baseado na novela de Proper Merimée

Carmen é das óperas mais representadas em todo o mundo e é-o pela música soberba, a vivacidade e sequência cénica, o realismo da história… a personalidade de Carmen. Mas elogiar a obra torna-se irrelevante. E nem vale a pena contar a história, pois toda a gente sabe que a cigana perversamente sedutora é morta passionalmente pelo seu amante cego de ciúme, Don José.


A encenação que nos foi proposta é a muito aclamada de Calixto Bieito. O primeiro acto começa com um cigano com aspecto muito “manhoso” a dizer em espanhol que o amor é mais perigoso do que a morte. Ao centro, um mastro para içar a bandeira espanhola. Ao canto, uma cabine telefónica suja, cheia de anúncios de prostituição. Surge depois o coro dos militares vestidos de forma contemporânea. Um, de cuecas, corre em círculos até cair desfalecido, tal a dureza do provável castigo. Michaela é assediada por militares ameaçadores e atléticos. As cigarreiras aparecem de bata enquanto assediam os militares. Carmen está na cabine telefónica vestida com camisa de noite preta debaixo de uma bata aberta. Provoca os militares, nomeadamente Zuniga (aqui um cantor morbidamente obeso) que, sendo sempre agressivo, é também muito destratado. No segundo acto, a taberna é transformada num espaço onde entra um conjunto de Mercedes-Benz dos anos 70. A acção decorre de modo convencional. O terceiro acto passa-se no topo de uma montanha onde está um omnipresente e gigante outdoor que representa o touro espanhol típico que está espalhado em todo o território de Espanha. As cartas são lançadas no capot de um dos 5 carros em palco. No último acto, a acção desenrola-se numa praça despida em que Carmen, visivelmente amedrontada com os ciúmes e ameaças de um descontrolado Don José, morre violentamente degolada.

Trata-se de uma encenação modernizada que segue de forma eficaz o texto e permite o desenrolar da acção de modo fluente e visualmente interessante. Não direi que enche o olho, mas é agradável.


A Orquestra Sinfónica Portuguesa foi dirigida de forma vívida e colorida pelo maestro escocês Rory MacDonald. Mostrou um excelente entrosamento com os músicos, privilegiou o canto e soube criar um ambiente simultaneamente festivo e dramático.

O Coro do Teatro Nacional de São Carlos teve uma boa prestação vocal e cénica, assim como o Coro Juvenil de Lisboa que se apresentou com qualidade e muita energia.


Entre os cantores, o destaque vai indubitavelmente para a excelente Carmen do jovem mezzo-soprano dramático da Lituânia, Justina Gringyte. O mezzo-soprano já ganhou o Young Singer Prize da edição de 2015 do International Opera Awards. Tem uma voz com um timbre muito bonito e uma boa projecção em toda a amplitude da voz, ao que aliou uma sensibilidade interpretativa assinalável, conseguindo colorir com diferentes matizes as densidades do drama. Cenicamente, tem uma óptima figura e uma presença forte, tendo sido sensual e intrigante, mas também decidida e corajosa, apesar da situação limite em que se encontrava. Destacaria a sua Habanera no primeiro acto e a cena final, onde foi muito convincente.


O tenor sul-africano Lukhanyo Moyake foi um Don José aceitável. O jovem tenor foi um Don José dividido entre o dever e a paixão que se foi transformando eficazmente num perigoso homem ciumento, ainda que a sua presença cénica forte tenha sido, aqui e ali, prejudicada pela sua atenção primordial ao canto. A voz é forte e bem audível, mas o timbre é algo áspero e não foi especialmente lírico no fraseado (o sotaque também não ajuda), o que comprometeu a sua intensidade dramática e qualidade global.


Escamilo foi o barítono americano Nicholas Brownlee, recentemente vencedor do prémio  para Zarzuela da edição de 2016 da Operalia. A sua boa expressividade vocal, voz segura e potente associada uma boa presença cénica fez dele um Escamilo de qualidade.


O soprano Sarah-Jane Brandon, vencedora do prémio Kathleen Ferrier de 2009, foi uma Micaela não tão doce ou ingénua como é caracterizada em muitas encenações. A interpretação cénica de Brandon foi eficaz: foi uma Micaela algo sedutora e muito decidida a levar consigo o prometido noivo. A voz é muito bonita, o agudo é fácil e bem projectado, mas acho que lhe faltou alguma doçura. 

Os restantes cantores cumpriram bem nos seus papéis, quer vocal, quer cenicamente. Destacaria a voz potente e imponente e pesada figura do baixo Kneel Watson que nos deu um Zuniga com quem dificilmente se empatiza. 

Foi, pois, uma récita agradável, numa Carmen que apostou em promessas do canto lírico e numa encenação eficaz e globalmente bem aceite na cena internacional.

_______________
(Review in English)

Carmen, Bizet's masterpiece, needs no introduction. Its popularity among all type of public is the reflex of the quality of the drama based on the novel by Proper Merimée.

Carmen is one of the most worldwidle represented operas because of it’s superb music, vivacity and scenic sequences, the realism of the story… and, of course, Carmen's personality. But praise the masterpiece becomes irrelevant. It’s algo not worth telling the plot, because everyone knows that the wickedly seductive gypsy is passionately murdered by his blinded by jealousy lover, Don José.

The staging that has been proposed is the Calixto Bieito’s much acclaimed mise en scene. The first act begins with a gypsy with very "sly" aspect saying in Spanish that love is more dangerous than death. At the center, a mast to hoist the Spanish flag. At the corner, a dirty phone booth, full of prostitution ads. The chorus is dressed on contemporary military clothes. One among them is continuously running in circles (un)dressed in panties. He runs until falling faint by the hardness of the most likely punishment. Michaela is harassed by threatening and athletic military. The cigarette women appear on white smock frock while besieging the military. Carmen is in the phone booth dressed in black nightshirt under an open smock frock. She is constantly provoking the military, including Zuniga (here a morbidly obese singer) who is always aggressive with everybody, while also very mistreated. In the second act, the tavern is transformed into a space where it enters a set of '70s Mercedes-Benz. The action takes place in a conventional manner. The third act is set in the top of a mountain where a omnipresent giant billboard represents a typical Spanish bull commonly spread across the whole of Spain territory. The cards are laid on the capot of one of the 5 cars on stage. In the last act, the action takes place in a naked square. Carmen, visibly frightened by a jealous and uncontrolled Don José, dies with her throat cut.

It is a modernized staging that follows effectively the libreto and allows the action flowing in visually and dramatically interesting way.

The Portuguese Symphony Orchestra was vividly directed by the Scottish conductor Rory Macdonald. He showed an excellent rapport with the musicians and manage the score in order to create both a festive and dramatic environment.

The São Carlos National Theatre Choir had a good vocal and scenic performance, as well as the Youth Choir of Lisbon who presented with quality and a lot of energy.

Among the singers, the highlight will undoubtedly to the Carmen by the young dramatic mezzo-soprano from Lithuania, Justina Gringyte. The mezzo-soprano has won the Young Singer Prize of the 2015 edition of the International Opera Awards. She has a beautiful voice and good projection for the full range of her potent voice. That qualities are allied with a remarkable interpretative sensitivity, colouring the drama density spectrum with different nuances. Scenically, she has a gorgeous and a strong presence being as sensual as intriguing, but also determined and courageous, despite the extreme situation she was in. I should highlight her Habanera in the first act and the final scene, which was very convincing.

The South African tenor Lukhanyo Moyake was an acceptable Don José. The young tenor was a Don José torn between duty and passion that was effectively transformed into a dangerous jealous man, though his strong stage presence has been, here and there, hindered by his primary attention to the singing technique. The voice is strong and always audible, but the tone is something harsh and was not particularly lyrical in phrasing (the french accent is not the best, too), which committed her dramatic intensity and overall quality.

Escamilo was the American baritone Nicholas Brownlee, recently winner of the Operalia 2016 edition prize for Zarzuela. His good vocal expressiveness, secure and powerful voice associated with a good stage presence made him a great Escamilo.

The soprano Sarah-Jane Brandon, winner of the 2009 Kathleen Ferrier award, was a Micaela not as sweet or naive as she is featured in many stagings. The scenic interpretation of Brandon was effective: she was a Micaela somehow seductive and resolved to rescue her promised fiancé. Her voice terrifically beautiful, easily managed, but I think that lacked some sweetness in her interpretation.

The remaining singers did well their roles, whether vocal or scenically. Highlight to the powerful and imposing voice and heavy figure of Kneel Watson that gave us a Zuniga with whom we hardly empathise.


It was therefore a pleasant opera afternoon, a Carmen who bet in promising opera singers and in an effective and globally well acclaimed stage.