Mais um texto de José António Miranda que muito enriquece este espaço:
DER ZWERG (Alexander
von Zemlinsky)
Ópera em um Acto (1922)
Libreto de Georg C. Klaren,
adaptado a partir da novela de Oscar Wilde, The Birthday of the Infanta
Direcção musical: Martin
André
Encenação: Nicola Raab
Cenografia: José Capela
Luzes: Rui Monteiro
Roupas: Mariana Sá Nogueira
Fotografias: José Carlos
Duarte
O Anão: Peter Bronder
Donna Clara: Sarah-Jane
Brandon
Ghita: Dora Rodrigues
Don Estoban: Nuno Pereira
Primeira Criada: Carla Caramujo
Segunda Criada: Filipa van
Eck
Terceira Criada: Carolina
Figueiredo
Donzelas: Ana Franco,
Carmen Matos
Orquestra Sinfónica
Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de
São Carlos Dir. Giovanni Andreoli
Produção: Teatro Nacional
de São Carlos (2017)
Fotografias de Jorge Carmona / Antena 2 RTP
Der zwerg (O anão) foi
apresentada no TNSC como segundo elemento de um programa duplo de que a
primeira parte era a muito conhecida Pagliacci de Giacomo Puccini.
Duas pessoas devem ser
louvadas antes de mais quando falamos deste espectáculo: a encenadora Nicola
Raab e a soprano portuguesa Dora Rodrigues. Vejamos porquê.
Se atentarmos no que consta
do trecho introdutório inserido no programa de sala terá sido propósito da
direcção artística do teatro fazer deste programa duplo o espectáculo de um só
cenógrafo.
Tendo porém o trabalho de
encenação sido atribuído a duas pessoas diferentes, facilmente compreendemos
como seria muito difícil, senão impossível que, respeitando a intenção
anunciada, se conseguisse fazer obra de qualidade.
Com efeito, fazer centrar
as ideias de encenação numa proposta cenográfica pode resultar eventualmente
bem nos casos, que existem de facto, em que a dupla encenador cenógrafo
trabalha habitualmente em conjunto e tem portanto uma cumplicidade e uma
metodologia laboral que permitem a fusão fácil das capacidades criativas
plásticas, que são tarefa do cenógrafo, com as capacidades criativas
conceptuais, próprias do trabalho de encenação.
Pretender que esta seja a
regra orientadora de um espectáculo duplo como este sem que se verifiquem
aqueles desideratos é no mínimo temerário.
Pois Nicola Raab, a
encenadora, logrou a façanha de conseguir que a ópera de Zemlinsky nos fosse
apresentada de um modo que, sem utilizar primariamente as características
cenográficas da proposta anterior mas sem com ela chocar frontalmente também,
permite aceder aos significantes comuns presentes em ambas as obras, que são,
muito mais do que a simples roupagem plástica alegadamente unificadora do
espectáculo, o seu vínculo definidor.
Para tal a opção por uma cenografia
despojadíssima, reduzida a meia dúzia de adereços e à delimitação do espaço
através de cortinas que, abrindo ou fechando, ora definem ambientes e locais
diversos ora nos mostram ocultando o que o libreto descreve, revelou-se genial.
Porém esta concreta negação
do universo plástico da obra anterior com a quase completa ausência de cenários
que a caracterizou requeria para resultar plenamente um trabalho muito
cuidadoso a nível da luz e dos actores/intérpretes.
E aí a encenadora não terá
conseguido as contrapartidas suficientes: seria necessário melhorar muito o
desenho da luz e genericamente a interpretação de todos os actores.
Não obstante estes
problemas o espectáculo atingiu momentos de grande qualidade formal. Alguns
desses momentos merecem assim ser recordados.
É o caso do jogo de
posturas proposto para a personagem do anão, brilhante demonstração de um
profundo trabalho de actor.
É o caso dos poucos
momentos em que a coreografia das três criadas da corte e das donzelas em geral
acompanha a música ilustrando-a.
E é o caso, e aqui passamos
para o segundo louvor do início deste texto, do desempenho global de Dora
Rodrigues, extraordinariamente conseguido sob o ponto de vista dramático e
vocalmente o melhor de todos os intérpretes.
Mas o trabalho exemplar
desta soprano portuguesa, que conseguiu no final conjugar qualidade formal com
grande sentido dramático e uma apurada sensibilidade não foi infelizmente
generalizado em palco. A figura da princesa, personagem de recorte ambíguo, não
teve aqui qualquer profundidade.
Mas foi sobretudo a nível
da coreografia, ou seja do investimento do espaço pelos intérpretes, que mais
faltou ao espectáculo o complemento expressivo requerido pela magnífica música
de Zemlinsky.
O lirismo e a poesia que se
libertam da escrita musical não ficam demonstrados plasticamente por se
espalharem pétalas de flores pelo palco ou se declamar poesia.
Essa demonstração deveria
ser permanente, como num bailado, e não apenas limitada aos poucos momentos
referidos acima.
Der zwerg revela muitas
semelhanças com Iolanta de Tchaikovsky pela temática, e com Ariadne auf Naxos
de Straus pela música: esta é sobretudo de inspiração straussiana, com momentos
de modernismo a recordar Stravinsky.
Infelizmente para nós
Martin André conseguiu uma total ausência de subtileza na direcção, cilindrando
literalmente a delicadíssima teia emocional que a partitura expressa. Portanto
a orquestra tocou sempre forte ou fortíssimo, com claro prejuízo quase sempre
para a audibilidade das vozes.
Paralelamente o coro
feminino esteve horrível, deixado completamente à solta, num histerismo a roçar
por vezes o histriónico, abafando tudo e todos como um rolo compressor musical.
Orquestra e coro deram
assim involuntário testemunho do estado a que se encontra reduzido o principal
teatro lírico nacional. Que pena!
JAM
12/04/2017