terça-feira, 31 de março de 2015

LA CENERENTOLA – Teatro São Carlos, Lisboa, Março 2015



La Cenerentola, opera de G Rossini com libreto de Jacopo Ferretti baseado no conto Cendrillon de Charles Perrault foi diversas vezes comentada neste blogue.

A encenação apresentada no Teatro de São Carlos, de Paul Curran, é simples mas bastante aceitável. Apesar de conter poucos elementos cénicos, a mudança frequente dos painéis que suportam os cenários dá-lhe um dinamismo interessante. Aqui e acolá há algumas opções mais discutíveis mas, na generalidade, vê-se bem.



Rossini não é para qualquer orquestra nem para quaisquer cantores e isso foi bem evidente nesta produção.

O maestro Pedro Neves dirigiu a Orquestra Sinfónica Portuguesa que teve vários desacertos, sobretudo nos metais, e nunca conseguiu ser “rossiniana”.



  A Angelina foi interpretada pelo soprano Chiara Amarù. Cantou com dignidade, por vezes ouvia-se mal, sobretudo quando a orquestra soava mais alto mas, na última (e principal) aria, esteve bem. A coloratura nem sempre foi fantástica mas a cantora  tem uma voz agradável e bem audível. Em cena foi aceitável.



Jorge Franco, tenor espanhol, foi um Don Ramiro de voz pequena mas afinada, que se defendeu ao longo de toda a récita. O papel é exigente e o cantor cumpriu-o sem deslumbrar. Cenicamente esteve razoavelmente bem, é um jovem alto e muito magro mas pouco dinâmico nas movimentações em palco.



O baixo Domenico Balzani foi um Dandini muito correcto. Tem uma voz encorpada e sempre audível sobre a orquestra. Em cena foi um dos melhores.



José Fardilha, barítono português que poucas vezes se ouve por cá foi, de longe, o melhor interprete da noite. Fez um Don Magnifico magnífico! A voz é grande, bem timbrada e bonita. O cantor ofereceu-nos também uma interpretação cénica perfeita, ao nível do melhor que se pode ver e ouvir.



As duas filhas dilectas de Don Magnífico, Clorinda (Carla Caramujo) e Tisbe (Cátia Moreso) representaram bem as personagens mas, vocalmente, estiveram em competição para a categoria de “quem grita mais alto”.



O Alindoro do baixo Luca Dall’Amico foi competente, sem impressionar.



No cômputo global, foi uma récita agradável.









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sexta-feira, 27 de março de 2015

LA BOHÈME, Wiener Staatsoper, Outubro de 2014 / October 2014

(review in english below)

Assisti a mais uma representação de La Bohème de G Puccini, desta vez na Ópera Estatal de Viena.

Foi a produção de F. Zeffirelli, velhinha e convencional, mas sempre muito rica e agradável. Já várias vezes escrevi sobre ela. 
A Orquestra da Ópera de Viena foi dirigida pelo maestro israelita Dan Ettinger.
Os cantores foram muito homogéneos e a récita foi, por isso também, de excelente qualidade.

O tenor ucraniano Dmytro Popov fez um Rodolfo muito acima da média. Tem uma bela voz, projecta-a com grande eficácia, os agudos saem fluidos, aparentemente sem esforço e o timbre é muito agradável. Um cantor a seguir.


 Krassimira Stoyanova, soprano búlgaro, confirmou os seus créditos de extraordinária cantora lírica. À sua Mimì só faltou a juventude, mas a actuações cénica e, sobretudo, vocal foram irrepreensíveis. Uma voz como raramente se ouve.





Marcello foi cantado pelo  baritono italiano Alessio Arduini. Foi mais uma revelação para mim, que o não conhecia. A voz é jovem, afinada e sempre bem colocada. A boa figura do cantou ajudou também.


A mezzo moldava Valentina Nafornita, outra desconhecida para mim, esteve também em grande forma, oferecendo-nos uma Musetta com boa presença cénica e voz marcante.



Nos papéis secundários os cantores foram igualmente uniformes na elevada qualidade, Adam Plachetka como Schaunard, Jongmin Park como Colline e Alfred Sramek como Benoit / Alcindor.




Uma excelente Bohème na Wiener Staatsoper!






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La Bohème, Wiener Staatsoper, October 2014

I saw once more La Bohème by G Puccini, this time at the Vienna State Opera.

It was the old and conventional production by F. Zeffirelli, which is always a very rich and pleasant show. I have often written about it.

The Orchestra of the Vienna State Opera was directed by Israeli conductor Dan Ettinger. The singers were very homogeneous and the performance was therefore of excellent quality.

Ukrainian tenor Dmytro Popov was a Rodolfo above the average. He has a beautiful voice, projected with great effectiveness, the top notes were always tuned, seemingly effortless and the timbre is very nice. A singer to follow.

Krassimira Stoyanova, Bulgarian soprano, confirmed her claims of extraordinary opera singer. To her Mimì only lacked the youth, but the staging performance and especially the vocal performance were faultless. She has a voice as rarely heard.

Marcello was sung by Italian baritone Alessio Arduini. He was another revelation to me, as I did not know him. The voice is young, in tune and always well sung. A good figure of the singer helped the his performance too.

Moldovan mezzo Valentina Nafornita, was another unknown singer to me. She was also in top level, offering us a Musetta with good stage presence and distinctive voice.

In supporting roles the singers were also uniform in high quality, Adam Plachetka as Schaunard, Jongmin Park as Colline and Alfred Sramek as Benoit / Alcindor.

An excellent Bohème at the Wiener Staatsoper!

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segunda-feira, 23 de março de 2015

DON GIOVANNI , Teatro Thalia, Lisboa, 07/03/2015

  


Texto de José António Miranda

DON GIOVANNI (Wolfgang Amadeus Mozart), ópera em dois Actos, libreto de Lorenzo Da Ponte.
Direcção musical: Pedro Amaral
Direcção cénica: Jorge Vaz de Carvalho
Roupas: José António Tenente

Don Giovanni: Jorge Martins
Leporello: José Corvelo
Donna Anna: Alexandra Bernardo
Donna Elvira: Catarina Archer
Don Octavio: Carlos Monteiro
Zerlina: Camila Mandillo
Masetto/Il Commendatore: André Henriques

Orquestra Metropolitana de Lisboa
Coro Lisboa Cantat     Dir: Jorge Carvalho Alves
Cravo: Joana Barata

Produção: Ateliê de Ópera da Metropolitana

Uma surpreendente proeza esta, a de conseguir apresentar a ópera de Mozart numa auto-denominada "versão semi-cénica" sem cair na palhaçada de mau gosto em que frequentemente estas apresentações híbridas se transformam.
Pelo contrário, o que vimos no espaço cenográfico do Teatro Thalia (porque em rigor do seu palco à italiana o que resta é o espaço) foi um belíssimo espectáculo que poderia sem problema ser apresentado em qualquer um dos nossos teatros líricos sem envergonhar os seus autores. O mérito é antes de mais de Vaz de Carvalho.




A ausência de cenários, de adereços e de maquinaria cénica ou de trabalho da luz, a orquestra ocupando a quase totalidade da zona central do espaço cénico deixando apenas para os cantores uma estreita faixa junto do proscénio, todos estes factores não transformaram o espectáculo numa versão de concerto de uma ópera.

Graças ao cuidadoso trabalho de actores, através da inteligente utilização dos únicos recursos disponíveis (vocais, corporais e espaciais) antes assistimos àquilo que poderemos denominar como uma ópera apresentada numa opção cénica minimalista, teatro lírico sem dúvida.

A qualidade global do espectáculo foi claramente superior à de apresentações do mesmo tipo recentemente vistas no São Carlos ou no auditório da Fundação Gulbenkian, e isso é também verdade mesmo quando as analisamos sob o ponto de vista estritamente técnico vocal.

Os solistas em cena, na sua maioria participantes no denominado Ateliê de Ópera da Metropolitana (infelizmente por aquelas bandas não se conhece a tradução portuguesa do francês atelier), foram profissionais esforçados até ao limite das suas capacidades e demonstraram em geral um considerável domínio técnico dos seus instrumentos vocais.

Devo realçar em particular a magnífica actuação vocal de Alexandra Bernardo (Donna Anna) e o perfeito desempenho global de José Corvelo (Leporello).

À uniformidade qualitativa dos solistas e coro, também ele muito bem, correspondeu no entanto um desempenho de menor qualidade por parte da orquestra. Provavelmente o facto de ter à sua frente todo o espectáculo terá contribuído para uma menor concentração dos músicos, e a sonoridade global terá sido por isso prejudicada sobretudo a nível da expressividade dinâmica.

Por outro lado, a posição do maestro, com os cantores fora do seu campo de visão na maior parte do tempo, poderá parcialmente explicar alguns desacertos momentâneos, ou mesmo a opção por um tempo algo arrastado que foi patente nalguns momentos.

No entanto, e apesar do cansaço visível em todos como resultante de o início do espectáculo ter sido erradamente programado para uma hora tardia, a minha sensação ao sair da sala na madrugada de domingo era a de ter mais uma vez tido a oportunidade de verificar que, apesar das malfeitorias a que nos últimos tempos tem sistematicamente sido submetida, a cena operática doméstica está viva e plena de valores que importa acarinhar.

Sem esse cuidado, que depende muito menos do que parece dos recursos materiais, mas sobretudo de muito mais inteligência do que a que vemos em acção, teremos inevitavelmente a repetição do tradicional cenário de fuga para o estrangeiro para os novos valores que despontam.

E como resultado óbvio de tal fatalidade, a persistência doméstica de um público envelhecido e satisfeito no seu provincianismo, que não consegue renovar-se senão marginalmente.
E de facto, como se compreende senão por grosseira falta de visão, que este espectáculo tenha sido programado para o mesmo dia e hora em que, no Teatro São Luiz era apresentado o excelente trabalho do Estúdio de Ópera da Escola Superior de Música de Lisboa. Haja deus!

José António Miranda    09/03/2015

sábado, 21 de março de 2015

OTELLO, O MOURO DO ESPAÇO. Theatro Municipal de São Paulo, Março 2015


CRÍTICA DE ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA E BALLET



Uma das máximas do futebol diz que camisa não ganha jogo, quando um time entra em campo de salto alto e se achando o máximo acaba perdendo de goleada, vide os 7 X 1 que nossa seleção levou da Alemanha na Copa do Mundo. Outra máxima futebolística é que nem sempre filho de craque herda o talento do pai. Essas duas máximas se aplicam ao diretor cênico Giancarlo del Monaco, filho do grande tenor Mario del Monaco que cantava Otello como poucos e se apresentou diversas vezes no palco do Municipal.

John Neschling exalta os feitos de Giancarlo del Monaco na mais famosa das redes sociais. O diretor tem bons trabalhos em diversos teatros do mundo, mas no Theatro Municipal de São Paulo resolveu fazer experiências e usar velhos clichês da direção teatral. Convidado para dirigir Otello de Verdi, deve ter recebido uma bolada para isso, veio com status de celebridade e fez o mais do mesmo. Sua versão utiliza três rampas no palco que se inclinam, projeção de imagens e transposição temporal, isso não é mais novidade em lugar algum. Sou capaz de lembrar de memória uns dez títulos do Municipal que já fizeram isso.

A opção em transportar o enredo para o futuro cai na armadilha do libreto datado. A história se passa em Chipre no século XV com a primeira cena em um mar revolto e navios afundando. As projeções não mostram nada disso, vemos planetas e constelações durante os quatro longos atos, parece uma infinita viajem pelo espaço. A ideia torna-se repetitiva, cansativa e maçante. Será uma homenagem ao Doutor Spock?


Cena da ópera Otello, foto Internet.

O palco inclinado com três rampas que sobem e descem conforme não dizem nada de interessante. A opção é por personagens frios e sem expressão que cantam muitas vezes deitados, fato esse que prejudica a linha vocal. Os figurinos de Pasquale Grossi são inspirados no filme Matrix, todos de capas pretas e óculos escuros. Somente Desdêmona está de branco pureza, em um figurino que lembra o oriente. Esse deve ser fã do ator Keanu Reeves. O cenário é inexistente e provoca a sensação do nada naquele que não conhece a história, nem imagino o que o cenógrafo William Orlandi veio fazer no Brasil. A luz de Wolfgang von Zoubek realça as cenas e consegue dinâmica e funcionalidade.

A Orquestra Sinfônica Municipal regida por John Neschling manteve nível de excelência na música operística. Interpretação que realça o colorido das notas, tempos corretos e volume ideal foram a tônica da apresentação. Em uma obra de peso sempre ocorrem desencontros entre solistas e orquestra, esses foram pequenos e não atrapalharam. O Coro Lírico Municipal cantou com naipes entrosados, venceu as movimentações estranhas exigidas pela direção e conseguiu uniformidade nas vozes e excelente afinação.

Os três personagens principais estiveram em grande noite: Gregory Kunde canta um dos melhores Otello da atualidade, voz que no dia 15 de Março começou com volume pequeno no primeiro ato e foi crescendo no decorrer da récita. Quente, possante, vibrante e escura com projeção acentuada típica de um grande tenor dramático.

Lana Kos exibiu lirismo e poesia em agudos brilhantes e luminosos com um timbre agradável em um tom angelical. Uma interpretação cênica correta da personagem Desdêmona tendo seu ponto alto na Ave Maria.

Rodrigo Esteves foi prejudicado pela encenação e não pôde exibir todos seus atributos cênicos como fez ano passado em Belém do Pará. Foi atrapalhado por óculos escuros ridículos. Sua voz esteve recheada de emoções dúbias: possante, sólida e com projeção enorme deu ao personagem Iago qualidade melódica marcante em todos os registros tendo no Credo seu ponto alto.

O Theatro Municipal de São Paulo não é a Casa de Orates. Diretores de ópera vem aqui e fazem maluquices, Tosca, Falsataff e Il Trovatore são exemplos disso. Deve haver um limite para a "criatividade e experimentação" e quem tem que impor esse limite é você caro John Neschling. Nem precisava produzir um novo Otello, existe uma excelente produção dirigida por Mauro Wrona no Theatro da Paz de Belém apresentada em 2014. Era só pegar o telefone e conversar com eles, o prefixo da cidade é 091 e se desejares te passo o número.

Ali Hassan Ayache