(Review in English
below)
O Metropolitan Opera de Nova Iorque trouxe-nos hoje a sua actual
produção de Otello em mais uma
transmissão directa em alta definição na FCG.
A ópera baseada no drama
homónimo de Shakespeare escrito em 1603 foi adaptada de modo sublime pelo
multifacetado libretista Arrigo Boito.
Esta penúltima ópera de Verdi é um marco referencial na sua
carreira e é — pode afirmar-se — uma verdadeira obra-prima: tem um drama
intensíssimo e cuja construção é engenhosa que é acompanhado por uma música a
todos os níveis genial, cuja audição é absolutamente obrigatória.
A récita a que hoje
assistimos é em tudo semelhante à vivida ao vivo pelo Fanático Um há pouco dias
e já aqui comentada. A grande diferença — e bem-vinda — foi o reaparecimento do
tenor Johan Botha, após três récitas de ausência por gripe.
A encenação de Elijah Moshinsky é conhecida, clássica
e segue rigorosamente o drama.
A direcção musical de Semyon Bychkov da Orquestra e Coro do MET foi de qualidade, embora, no meu entender,
não tenha a clareza e intensidade dramática a marcar todos os momentos da obra
de outras interpretações registadas.
Johan Botha foi um Otello cuja potência da voz é enorme e cuja
qualidade técnica é muito elevada. A sua interpretação, todavia, não encanta de
sobremaneira, a começar pela sua fisionomia que o obriga a ser muito estático
e, assim, não lhe permite realizar os rasgos de impulsividade física que
caracterizam o mouro de Veneza. Ainda assim, é de realçar o olhar hipervigil e
a tensão quase delirante que o seu rosto emanava, isso sim muito concordante
com o ciúme patológico (ou Síndrome de Otello) que desgraçadamente o aflige.
Confesso, todavia, que depois de se ouvir Plácido Domingo não há Otello que
sequer se lhe aproxime: Otello (con)funde-se com Domingo!
Falk Struckmann foi um Iago sublime. Dotado de uma voz com um
timbre de invulgar beleza e de uma potência extraordinária, foi um Iago
maléfico, insidioso, afogado em maldade, e que nos ofereceu um Credo
delicioso com o final "È vecchia fola il Ciel" deslumbrante. O melhor da récita!
Renée Fleming foi Desdemona e esteve muito bem. Tem uma enorme
capacidade para os agudos e pianissimi e a sua voz é doce e, ao mesmo tempo,
afirmativa. Ofereceu-nos uma Desdemona segura da sua castidade, decidida e
frágil como se impõe à sua personagem. Esteve impecável no 4.º acto.
Michael Fabiano foi um Cássio de enorme qualidade. É muito
expressivo cenicamente e tem uma voz muito afinada e bonita. Poderá vir a
desempenhar papéis importantes com qualidade assinalável.
Renée Tautum como Emília, Eduardo
Valdes como Roderigo e James Morris
como Ludovico estiveram, nos seus curtos papéis, muito bem.
Foi, assim, uma
excelente récita que, apesar de não ter, no meu entender, um Otello magnífico,
foi de enorme qualidade.
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(Review in
English)
The Metropolitan Opera in New York brought
us today its current production of Otello
in another live transmission in high definition at FCG.
Multifaceted librettist
Arrigo Boito adapted the opera based
on homonymous Shakespeare’s drama written in 1603 sublimely.
This penultimate Verdi’s
opera is a reference point in his career and it is - it may be said - a true
masterpiece: it has a very intense drama whose construction is ingenious and it
is accompanied by a genius music at all levels, whose hearing is absolutely
mandatory.
The recitation
that we see today is in many ways similar to that experienced live by Fanático
Um few days before and already commented here. The major difference - and appreciated
- was the tenor Johan Botha's reappearance after three performances absence because
of a flu.
The staging of Elijah Moshinsky is well known, classic
and strictly follows the drama.
The MET Orchestra
and Choir direction of Semyon Bychkov
was of quality, though, in my opinion, lacks the clarity and dramatic intensity
to mark every moment of the masterpiece compared with other registered interpretations.
Johan Botha was Otello. His voice power
is enormous and his technical quality is very high. His interpretation,
however, not fascinates enormously, beginning with his physiognomy that forces him
to be very static and thus does not let him perform the physical traits of
impulsivity that characterize the Moor of Venice. Still, it worth the hyper vigilant
look almost delirious and tension that emanated from his face, that was very
concordant with pathological jealousy (or Othello’s syndrome) that
unfortunately afflicts him. I confess, however, that after listening to Plácido
Domingo's Otello, anyone not even is close to him: Otello fuses with Domingo!
Falk Struckmann was a sublime Iago. Gifted
with a voice with a tone of unusual beauty and an extraordinary power, Iago was
malicious, insidious, drowned in evil, and he offered us a delicious Creed with a gorgeous final "È vecchia fola il Ciel". He
was the greatest singer tonight!
Renée Fleming was Desdemona and she did
very well. She has a huge capacity for acute and pianissimi and her voice is
sweet and, at the same time, affirmative. She offered us a Desdemona secures of
her chastity, but fragile as her character demands. She was immaculate in fourth
act.
Michael Fabiano was a Cassio of enormous
quality. He is scenically very expressive and his voice is beautiful. He may
play important roles with remarkable quality in the future.
Renée Tautum as Emilia, Eduardo Valdes as Roderigo and James Morris as Ludovico were in their
short roles very well.
It was thus an
excellent recitation that, despite not having, in my view, a magnificent
Otello, was of enormous quality.
Tenho muita pena de não ter tido a oportunidade de assistir a esta transmissão do MetLive, dado que tive a invulgar oportunidade (e sorte) de assistir à ópera, ao vivo, há pouco mais de uma semana. Vi um cantor diferente (e seguramente muito inferior) no papel de Otello, mas tudo o resto terá sido muito semelhante e é sempre interessante confrontar a representação ao vivo com a transmissão em HD. O Iago de Falk Struckmann foi, também para mim, o melhor da récita que, contudo, foi muito boa. A Renée Fleming também muito bem. Obrigado pelo relato e por me fazer reviver um momento de grande prazer operático do meu passado recente.
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