sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Missa em si menor, Johann Sebastian Bach – Fundação Calouste Gulbenkian – 4 Outubro 2012


(review in english below)

A Temporada 2012-2013 da Fundação Calouste Gulbenkian iniciou-se ontem com a Missa em si menor de Johann Sebastian Bach.


Não sei se com alguma intenção específica mas parece-me a melhor escolha para iniciar esta temporada. Digo isto porque Bach compôs a obra no final da vida, mais concretamente no ano anterior à sua morte, e nela existem passagens previamente compostas em anos anteriores, não necessariamente conferindo uma síntese da sua vida de composição mas, de certo modo, a poder ser, no mais básico pensamento, assim considerada. No ano em que a Orquestra Gulbenkian comemora a bonita idade de 50 anos, por que não iniciar a Temporada com uma obra de síntese de vida? E por que não esta, de Johann Sebastian Bach, que faleceu no ano de 50 do século XVIII? Curioso, não?

O Concerto de ontem fez-me viajar de volta à altura do meu 2º ano de Faculdade, onde a agora velhinha gravação de Frans Bruggen da Philips preenchia grande parte dos dias dos primeiros meses de estudo. É engraçado como as memórias conseguem ser reavivadas através de sons, de odores, de visões... Não é esse o maior tesouro que levamos da Vida quando esta termina, ou muda de estado como eu acredito, com  a morte? As Memórias... os Sentimentos...

John Nelson conduziu a adaptada Orquestra Gulbenkian de forma exímia. O espírito barroco esteve presente com uma simplicidade incrível. O Coro, estratosférico, continua a impressionar-me pela alegria com que faz música e pela coesão emocional de grupo. Para estes músicos, vê-se que fazer música é um prazer imenso! E o prazer que, no seu conjunto, nos trazem quando nos oferecem também o silêncio sepulcral, síncrono, no final de cada número cantado. Deleite não só na música mas também em algo que a integra e que a exalta: o silêncio quando termina; uma espécie de contrariedade que não o é – prazer no silêncio porque houve música antes e não tristeza no silêncio porque esta terminou.

Christine Rice, invariavelmente, sobressaiu entre os solistas ao interpretar celestialmente a provavelmente mais emblemática passagem da obra: o Agnus Dei. Johanette Zomer esteve muito bem, assim como Werner Gura. Apenas me desgostou o timbre ou, não sei se assim se pode chamar, a reverberação da voz do baixo Nathan Berg. O “Et in Spiritum Sanctum”, o grande momento do baixo na obra, não deixou de soar algo rude.

Excelente início de Temporada!






Mass in B minor, Johann Sebastian Bach - Calouste Gulbenkian Foundation – October 4, 2012

The 2012-2013 Season of the Calouste Gulbenkian began yesterday with the Mass in B minor by Johann Sebastian Bach.



I do not know if with any specific intention but it seems to me the best choice to start this season. I say this because Bach composed the work at the end of his life, specifically in the year before his death, and there are passages in it composed in previous years, not necessarily giving an overview of his compositor life but, somehow, it can be , in the most basic thinking, thus considered. In the year that the Gulbenkian Orchestra celebrates the beautiful age of 50, why not start the season with a work of synthesis of life? And why not this one, by Johann Sebastian Bach, who died in the year 50 of the eighteenth century? Curious, no?

The yesterday concert made me travel back to the time of my 2nd year of college, where the now old recording of Frans Bruggen (Philips label) filled most days of the first months of study. It's funny how memories can be revived through sounds, smells, sights ... Is not that the greatest treasure we carry from Life when it ends, or changes state as I believe, with death? Memories ... Feelings ...

John Nelson conducted the adapted Gulbenkian Orchestra superbly. The Baroque spirit was present with amazing simplicity. The Choir, stratospheric, continues to impress me with the joy in making music and the emotional group cohesion. For these musicians, it is seen that making music is a great pleasure! And the pleasure they bring us togheter when also offer the sepulchral silence, synchronous, at the end of each number sung. Delight not only in music but also in something that enhances and integrates it: silence when it finishes, a kind of annoyance that is not - pleasure in silence because there was music before and not sadness in silence because the music ended.

Christine Rice invariably stood out among the soloists by celestially performing probably the most emblematic passage of the work: the Agnus Dei. Johanette Zomer was very good as well as Werner Gura. Only the pitch or, I do not know if we may call it, the reverberation of the bass voice of Nathan Berg disgusted me. The "Et in Spiritum Sanctum," the highest bass moment in the work, sounded harsh.

Excellent beginning of season!



8 comentários:

  1. Caro wagner_fanatic,

    Também estive ontem na Gulbenkian e concordo que o início da temporada foi excelente. Sala com vista para o jardim, intérpretes em versão mais reduzida, barroca, mas orquestra em grande, coro ainda maior e Christine Rice gigante!

    Quase me apeteceria dizer que subscrevia o seu comentário, mas falta-me o engenho para escrever um texto tão bonito. Obrigado por proporcionar este deleite aos leitores do blogue.

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  2. É com algum pesar que trago uma nota de tom discordante.

    Tentarei ser sucinto. Aguardei este concerto com a maior expectativa. John Nelson é, para mim, um maestro de referência. Tenho algumas razões ponderosas para isso. A Missa Solemnis que John Nelson dirigiu no Grande Auditório da Gulbenkian, a 18 de Fevereiro de 2010, foi um dos concertos da minha vida, uma revelação absoluta daquela que para mim é, e já era, indubitavelmente, a maior das Missas. O DVD resultante dessa prestação é, ex-aequo com o de Christian Thielemann, o melhor disponível actualmente da obra em questão. Igualmente, o filme de Olivier Simonnet da Mass in b minor, dirigida por John Nelson em Notre-Dame, em 2007, é o campeão absoluto entre todas as versões audiovisuais disponíveis. Na mesma linha, a Semele de John Nelson, com Kathleen Battle, é talvez a melhor gravação de Händel que ouvi até hoje. Por último, vivi alguns anos em NYC, e os dois Giulio Cesare a que assisti no MET, em Abril de 1999, estão entre as minhas melhores récitas de sempre.. E muito mais coisas, mas estas são as mais relevantes.

    Posto isto, o que se passou ontem?

    A direcção musical esteve a milhas do que esperava e, inexplicavelmente, a anos-luz da própria versão de John Nelson em DVD. Em primeiro lugar e destacado, no que respeita aos tempos. No geral, a prestação foi de uma lentidão exasperante. Para se ter uma ideia, o concerto começou às 21:10 e acabou às 23:25. Descontado o intervalo e a entrada dos músicos, a récita em si mesma aproximou-se das duas horas, ie, 120 minutos. A versão de John Nelson em DVD tem, ao todo, com a introduçao, 109 minutos. A de Gardiner em CD, por exemplo, tem 106. Os números não mentem. As últimas récitas a que assisti ao vivo, ambas de Suzuki, em Londres e Baden-Baden, foram mais rápidas do que isso. É evidente que isto afectou toda a prestação.

    O segundo grande problema é a orquestra. A Orquestra Gulbenkian não tem quaquer vocação ou instinto para esta música. Repito, qualquer. O Barroco não faz parte do seu repertório nuclear ou natural e a deficiência é inultrapassável. Na última Mass in b minor a que assiti no Grande Auditório, antes desta, dirigida por Michel Corboz, saí no intervalo, tão mau estava a ser. John Nelson conseguiu fazer muito, muito melhor. Mas não exemplar. E se arrancou à Orquestra um soberbo Beethoven, na Missa Solemnis, porquê o relativo fracasso em Bach? A resposta é óbvia. E assim tivemos, uma orquestra arrastada, pouco coesa, abafada, sem brilho, sem vivacidade, institucional, pesada. Vamos ver o que Paul McCreesh, um soberbo maestro de Barroco e 'Musica Antiga' consegue fazer relativamente a esta situação, enquanto Director Musical. Um simples maestro convidado, com tempo limitado de ensaio, não tem hipótese - por muito brilhante que seja. Por último, no que à orquestra toca, não posso deixar de atribuir uma menção honrosa negativa ao concertmaster, que esteve especialmente mal a noite inteira.

    O Coro Gulbenkian foi globalmente magistral, irrepreensível. Nas partes corais. Mas as partes vocais a solo que incumbiram a membros individuais do Coro foram, na sua maior parte, muito deficientemente executadas porque as vozes escolhidas eram muito fracas, por vezes inaudíveis. Estes foram aliás alguns dos momentos mais frustrantes da récita. Frequentemente, lembrei-me da prestação de Job Arantes Tomé, no Tannhäuser.

    Restam-me os solistas. Christine Rice, como esperava, foi muito boa. O canto aproximou-se em qualidade, intensidade, expressividade, timbre e projecção da interpretação ideal. Mas foi a única. Os restantes solistas foram muito fracos, a roçar o mínimo do aceitável. Vozes pequenas, falta de capacidade interpretativa e os dedos de duas mãos não foram suficientes para contar as vezes em que cantaram desencontrados da orquestra - não obstante a lentidão da mesma.

    Uma boa prestação ao vivo da Missa de Bach tem de nos transportar para um mundo sublime, mágico, etéreo – e, acima de tudo, comovente. Com a excepção das partes corais monumentais, esta viagem ficou muito aquém.

    Um 12 em 20.

    Fanático Anónimo

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    1. Caro Fanático Anónimo,

      Respeito obviamente a sua opinião mas deixe-me perguntar-lhe uma coisa: em que local da sala ouviu a obra? Digo isto porque já tive a oportunidade de passear por vários locais da sala e nem sempre aquilo que ouvi me foi feliz quando ficava mais longe do palco. Curiosamente estive nessa Missa Somenis de Beethoven e não me marcou como esperava. Com o tempo aprendi que quanto mais perto melhor, mais íntimo, mais audível no todo e mais comovente quando assim se disponibiliza. Job Arantes Tomé, no Tannhauser, foi muito menos audível que estes solistas do Coro (comentámos no nosso blog na altura), que não achei que estivessem ao mesmo nível de ausência de potência vocal como o referido cantor.

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  3. Caro wagner_fanatic,

    Ouvi na terceira fila (29) ao centro. É uma das minhas "taras". Nunca me sento, seja onde for, mais do que na quarta, no máximo, quinta fila e tem que ser ao centro. Mais longe do que isso, começo a sentir a perda do espectáculo "ao vivo" e o palco começa a parecer-me mais um ecrã de cinema ou de televisão. E para isso, não vou...

    Claro que o Job Arantes Tomé foi (ainda) menos audível. Mas não podemos esquecer que estava a "lutar" contra uma orquestra wagneriana de 110 ou 120 instrumentistas e um coro monumental. Ontem tínhamos 35 sinfonistas em palco, ou seja, um terço, e um coro com o mesmo numero de membros. O Tomé, se tem cantado ontem, teria parecido um verdadeiro Jon Vickers :-))

    Fico contente que vocês por aqui tenham gostado da récita. Eu tinha bilhete para hoje e preferi ficar em casa a ouvir o Siegfried do Solti :-))

    Um abraço musical, operático de preferência!

    Fanático Anónimo.

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  4. Caro Fanático Anónimo,

    Só agora li esta interessante troca de impressões com o wagner_fanatic. Estive a trabalhar, isolado, com o Siegfried do Solti como companhia :-)!! Ele há coincidências...
    Será que me poderá contactar por email para fanaticoum@gmail.com a partir de um endereço anónimo? (Sei que, acima de tudo, pretende manter o anonimato, como nós). Gostaria de trocar umas impressões consigo fora do blogue.
    Cumprimentos operáticos

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  5. I am totally unfamiliar with this, but I will do some research. Also, I know very little about Bach.

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  6. Leipzig, my second home!!
    Happy week,Willy

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  7. Caro Wagner_fanatic,

    Não tive oportunidade de assistir a esta récita, mas, pelo entusiasmo com que escreveu, deve ter sido muito boa. Só os comentários de um amigo Fanático anónimo me fazem ponderar a hipótese de que tenham sido saudades da sala da FCG :)
    Relativamente aos lugares: já tive, também, experiências díspares. Por exemplo, uma vez ouvi um concerto (já não me lembro qual) em dois lugares distintos. A primeira parte na primeira plateia mas mais para trás e a segunda na 2ª fila. Confesso que a voz dos solistas foi francamente mais audível no lugar mais atrás do que à frente.
    Mas, como não sou um conhecedor, mas apenas um avaliador amador, não me devo alongar junto daqueles que manifestamente sabem de música sob o ponto de vista formal.
    Saudações

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