quinta-feira, 2 de maio de 2013

LA TRAVIATA, Teatro Nacional de São Carlos, 28.04.2013



Assisti à récita de Domingo passado.

A encenação de Francesco Esposito, apesar de razoável, tem alguns pormenores desnecessários: ao invés de Violeta dar uma flor a Alfredo, dá-lhe um colar. Acontece que, ao dar-lho, o colar se desfez e as pérolas rebolaram todas pelo palco perante o olhar “e agora o que é que eu faço?” de Alfredo. O segundo acto passa-se no jardim de uma casa que é um campo de golfe. O desgraçado do Alfredo ia caindo com uma das suas próprias bolas, além de ter sido o golfista mais desajeitado que alguma vez vi... Este campo de golfe, fez com que Giorgio Germont cantasse a sua ária Di provenza com um ruído perturbador de mudança de cena ensurdecedor... Não fosse o campo de golfe, teria sido possível passar da sala dos arredores de Paris para o salão de baile em Paris com a simples retirada do grande espelho que se encontrava ao fundo.
A direcção de actores tornou toda a representação muito estática e a tuberculosa Violeta nem se notou que estava doente: não fosse a frase do médico a dizer que à tísica não lhe restam senão umas horas e nem nos aperceberíamos da gravidade...

Violeta, cantada pelo soprano Daniela Schillaci, apresentou uma voz com dificuldades nos agudos que foram, por vezes, difíceis e, por outras, estridentes. Mas a sua voz é cheia, tem uma boa projecção e fez-se sempre ouvir. Pena que tivesse de cantar tanto tempo deitada, uma vez que lhe prejudicava claramente o canto e a fazia proteger-se mais. Do ponto de vista cénico, interpretou de um modo bem razoável: foi credível, tentou interagir com Alfredo (mas o pobre poeta era mau demais) e tem uma figura adequada ao papel. Não encantou vocalmente, mas esteve num plano razoável e foi melhorando ao longo da récita, dando boa conta do papel sobretudo no 3.º acto.

O tenor Andrés Veramendi foi Alfredo. Será que era um tenor? A sua actuação foi deprimente, absurdamente ridícula e indigna de qualquer palco, por mais modesto que seja. Não tem voz para qualquer papel: nem beleza tímbrica, nem projecção, nem afinação, nem nada. Para a memória ficarão os agudos tremidos e rosnados de língua de fora... Grotesco: só mesmo vendo, mas não aconselho... E a sua actuação como actor? Do pior que se poderia esperar. Não teve a menor química com a Violeta, sua amada, foi estático, é desajeitado... Em suma: Veramendi, o anti-tenor! Davvero!

Giorgio Germont foi o barítono Damián del Castilo. A voz não impressiona ou encanta, mas a sua prestação foi razoável. Afinado, com uma projecção razoável, a sua actuação vocal foi digna. Já a cenicamente foi um pouco estático e em nada o favoreceu o facto de parecer Giorgio o filho de Alfredo e não o contrário.

A interpretação musical de Martin André foi outra desgraça. Nem quero falar dos rugidos que faz ao dirigir e que em muito perturbam os espectadores mais distraídos... Falo dos desencontros múltiplos com os cantores, dos arrufos para terminar em grande... da falta de coordenação entre os naipes... até mesmo da desafinação ou do horror que foi, a título de exemplo, o início do terceiro acto...

Os pobres portugueses João Merino e Luís Rodrigues, cantores com excelente voz e bela presença, estiveram em óptimo nível. Custa a crer o porquê de lhes ficarem reservados papéis menores, além da despromoção a que são votados depois de excelentes prestações, como no Così fan Tutte do ano passado. Imagino o que terá pensado Luís Rodrigues sobre a figura que faria como Giorgio Germont... Os restantes portugueses, nos seus reservados papéis de pouco relevo, cumpriram e muito bem.

Para espectáculos de qualidade tão duvidosa, não se compreende como o TNSC continua a ser tão provinciano... Os estrangeiros só valem a pena se forem bons e melhores do que os de cá. Não há dinheiro para nada, logo não devia haver dinheiro para Veramendis...

5 comentários:

  1. JosÉ manuel Carvalho2 de maio de 2013 às 17:48

    Na generalidade, concordo consigo; a primeira cena do 2ºacto foi, cenicamente, catastrófica, com aquele campo de golfe: o que que que as óperas ganham com este tipo de encenações, que pretendem ser muito originais e criativas? O Germont a dar tacadas de golfe durante o dueto com Violeta? Por amor de Deus! Quanto aos cantores portugueses, tem toda a razão: ficam a ganhar aos pontos em relação aos outros, sobretudo no que respeito diz àquele "tenor"...
    Obrigado pela existência deste blog.

    José Manuel Carvalho

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  2. Terá naturalmente havido algum reparo na encenação desde a estreia deste projecto até à sua conclusão. Já na sua última representação, não houve qualquer colar - antes, sim, uma rosa - nem ruídos estridentes na substituição de cenário ou passagens de cena.

    A voz de Daniela Schillaci, de entre quaisquer sopranos que já actuaram no São Carlos, destaca-se pela sua superior qualidade, que manobrou com magnífica leveza e perícia. O papel que desempenhou, apesar de representado com mais vivacidade nos actos iniciais, incutiu a devida gravidade no acto final, mantendo uma compostura simultaneamente graciosa e ilustrativa no decorrer da sua actuação.

    Concordo com a relativa ineficácia de Veramendi como Alfredo, tendo este fraquejado muito (especialmente durante a sua Aria) e conseguindo, imperdoavelmente, projectar uma bola de golfe na direcção da orquestra, mas as restantes críticas, em particular as dirigidas a Martin André - já popular na Grã-Bretanha por suas excelentes interpretações de Verdi - são inteiramente descabidas.

    As decisões tomadas na encenação, inerentes à modernização da peça, podem ser inclusivamente controversas, ou de necessidade discutível, mas a qualidade dos intervenientes (com a excepção de Andrés Veramendi) é aqui descartada com clara parcialidade pelos artistas nacionais, revelando uma falta de profissionalismo típica desta espécie de blog amador cuja opinião perde, naturalmente, o seu mérito crítico.

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    1. Caro David Santos,
      Ainda bem que, na última récita a que (creio) terá assistido, houve algumas modificações ligeiras na encenação: o pormenor do colar ser substituído pela rosa não é mais do que não comprometer desnecessariamente. Quanto aos ruídos na troca de cena, duvido que tenha melhorado porque, nas récitas a que assisti, isso nunca aconteceu. Mas, é verdade, há ouvidos mais sensíveis do que outros...

      A voz de Schilaci não tem, evidentemente, — e não se trata de uma apreciação meramente de gosto — uma qualidade excepcional. Isso ficou bem patente nas suas prestações: não o digo como prazer, porque gosto de espectáculos de excelência. Felizmente o TNSC já recebeu intérpretes de qualidade superior. Todavia, no que à interpretação cénica diz respeito e como deixei dito, foi eficaz e transmitiu as emoções que são inerentes ao papel de Violeta.

      Veramendi não foi apenas relativamente ineficaz. Foi totalmente ineficaz. A sua técnica é terrível, a voz é feia, a capacidade interpretativa inexistente. Foi um horror e nem o TNSC, nem qualquer palco merece assistir à sua figura ridícula. Ficará na minha memória como uma das maiores desgraças que passaram no nosso teatro. E não se trata apenas da minha opinião. Se for ler ela é secundada por quase todos os que estiveram lá. E só não concorda quem não viu ou ouviu alguma das récitas...

      O facto de Martin André ser "popular" (?!) na Grã-Bretanha pelas suas interpretações de Verdi não fazem com que as evidentes falhas e lacunas da sua direcção se tornem motivos de regozijo. Foi, de facto, um dos elementos mais negativos desta triologia. E as falhas que lhe são apontadas são objectivas: só um ouvinte desatento dirá o contrário. Assim, são bem "cabidas" e não descabidas.

      Ninguém neste blogue foi parcial em relação a artistas nacionais ou não. As críticas foram fundamentadas. Neste blogue limitamo-nos a dizer que não se compreende o facto de não se apostar na qualidade que existe em Portugal: essa qualidade existe, está à vista e é conhecida. E apostar nela não deverá ser apenas por questões financeiras. Para os artistas estrangeiros que cá vêm deverá haver um mérito real que o justifique. Penso que concordará com esta opinião. Aliás, se ler as entradas neste blog de récitas no estrangeiro, encontrará crítica positivas e negativas amiúde.

      Quanto à "falta de profissionalismo típica desta espécie de blog amador": o blog existe devido ao amadorismo daqueles que nele participam por gosto de partilhar a sua paixão por este género musical. Não creio que isso diminua o "mérito crítico". Poderá antes dizer que poderá comprometer, aqui e ali, o rigor técnico. Mas não é esse o objectivo deste blog: se o David é um crítico "de mérito" convido-o a participar com críticas construtivas. Mas, já agora, fique sabendo que este blog, por muito amador que seja, tem mais de 12 mil visitas mensais, pelo que o público revela algum interesse naquilo que publicamos, o que nos deixa muito agradados e felizes, pois estamos a fazer aquilo que nos propusemos aos criar o blog: partilhar a experiência da ópera.

      Muito obrigado por me ter permitido esclarece-lo quanto a alguns aspectos deste blog amador de ópera!

      Saudações

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    2. Caro David Santos,
      Obrigado pelo seu comentário. Respeitamos todas as opiniões, desde que educadas, mesmo as que divergem das nossas, como é o caso.

      Não somos profissionais, sempre o dissemos, mas somos espectadores atentos e com experiência a assistir a espectáculos de ópera na actualidade, em diversos teatros por esse mundo fora (basta consultar o blogue para o confirmar). Pertencemos aquele grande grupo de pessoas que gosta de ópera, paga bilhete para a ver, e gosta de expressar a sua opinião. Pensamos que muitos dos leitores deste blogue estão próximos da nossa postura.

      Mas, desculpar-me-á, parcialidade pelos artistas nacionais??
      Sim, estamos convictos que temos cantores portugueses muito superiores aos estrangeiros que actuaram nestas óperas, que tiveram desempenhos muito aquém do desejável. Já ouvimos anteriormente vários dos cantores portugueses e, seguramente, são capazes de fazer muito melhor, assim lhes seja dada a oportunidade.

      E, para seu conhecimento, não temos qualquer tipo de relação pessoal ou profissional com os cantores portugueses. Somos, "apenas", amantes da lírica, pagamos para ver (repito) e, gostaríamos de ter melhor do que nos é actualmente oferecido. Estamos convictos que, com os artistas nacionais, não seria difícil, assim lhes fosse dada a oportunidade, repito mais uma vez!

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    3. Excelentes Srs,

      Sem me pretender alargar muito num tópico já tão antigo, gostaria de lhes demonstrar o meu apreço pela cuidada resposta ao meu anterior comentário.

      Compreendo plenamente os vossos pontos de vista e admito, inclusivamente, que alguma indignação da minha parte se tenha tornado aparente no último parágrafo que redigi. Garanto-lhes que se terá devido mais a uma percebida frieza no descrever da actuação que, embora inevitável em alguns casos, se torne para mim de difícil leitura quando a linguagem da mesma não é particularmente cuidada.

      Valorizando naturalmente que se trata de um Blog de partilha de opinião pessoal, é-me sempre custoso deparar-me com escolhas de adjectivo como "Grotesco" no descrever de uma encenação que, embora claramente imperfeita, não o terá sido tanto que sinta que o que vi não foi "Ópera", a qual não deixo de apreciar, assim como o trabalho dos participantes que (dotados de maior ou menor qualidade) se esforçam para agradar ao espectador e por isso mesmo muito os respeito.

      Dito isto, não permitam que a rispidez do meu anterior comentário lhes imprima a ideia que não valorizo esta vossa página, que é sem dúvida um raro achado, e de grande interesse.

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