A ópera Giulio
Cesare de Georg Friedrich Handel tem libreto de Nicola Francesco Haym e foi estreada no King’s Theatre em Londres no ano de 1724.
A história remonta ao ano 48 a.C. quando a guerra
civil de Roma leva César em perseguição de Pompeu que, ao chegar a Alexandria,
acaba morto por Ptolomeu, adolescente à frente do Egipto e irmão de Cleópatra,
desencadeando um rebuliço geo-político-militar que se tornou um dos episódios
iconográficos da história da decadência da república romana. Poderão lerão uma
sinopse aqui.
A encenação de David McVicar pertence à Glyndebourne Festival Opera. Põe a acção base no período
imperial inglês na Índia do século XIX. O palco está adiantado em relação ao habitual
com cinco colunatas sucessivas. Ao fundo, quatro cilindros giratórios representam
o mar da baía de Alexandria onde aparecem diversas frotas de barcos de diversos
tipos e períodos históricos. Essa transversalidade histórica fica bem patente também
no guarda-roupa muito variado. A encenação permite um acompanhamento muito
eficaz da obra e expõe todo o espectro de emoções desta ópera que é cómica,
trágica, romântica e dramática ao mesmo tempo. A direcção de actores, sempre
muito adequada à música e ao texto, é absolutamente complexa e extremamente
exigente do ponto de vista físico para os cantores, com imensos números
acrobáticos e coreografias.
Giulio Cesare foi o contratenor
David Daniels. O seu papel é
vocalmente muito exigente e o encenador exigiu-lhe, também, uma enorme entrega
física. O contratenor tem uma voz ampla, e encorpada e foi muito regular,
oferecendo uma interpretação vocal de muito bom nível e uma enorme
disponibilidade física.
O mezzo-soprano Patricia Bardon foi Cornélia. Apresentou-se com uma voz quente bem projectada
e cenicamente em muito bom nível, sendo de destacar os seus duetos com Sexto.
Sexto, filho de Pompeu, foi
interpretado pelo mezzo-soprano Alice
Coote. Tem uma voz com um timbre belíssimo, sempre muito afinada e com uma amplitude
muito bem controlada e com agudos perfeitos. Cenicamente esteve muito bem,
tendo sido muito coerente e expressiva ao longo de toda a récita. No meu
entender, foi o melhor e mais consistente cantor da récita.
O soprano francês Natalie Dessay foi Cleópatra. É um
soprano que nos tem habituado a interpretações cénicas de excelência, o que se
verificou hoje. Esteve sublime nesse componente. O papel era extremamente
exigente e o encenador obrigou-a a fazer quase tudo no palco: até a mudar de
roupa! Vocalmente é dotada de uma voz com um timbre muito agradável e, apesar
de uma ou outra falha no ataque a uma ou outra nota aguda, teve uma
interpretação de óptimo nível. Hoje, se havia dúvidas, demonstrou ser imbatível
do ponto de vista cénico: é sobretudo uma actriz de mão cheia com uma voz
enorme!
Ptolomeu foi interpretado pelo contratenor Christophe Dumaux. Dos contratenores em
palco foi aquele de cuja voz mais gostei: tem um agudo muito bonito e bem
sustentado e esteve em muito bom nível vocal. Cenicamente foi, também, uma
revelação: faz tudo até piruetas e acrobacias de nível muito atlético. Ele e
Dessay teriam nota artística elevada em provas de ginástica artística!
O barítono Guido
Loconsolo foi Achilla. Tem uma envergadura física impressionante o que o
ajudou cumprir eficazmente do ponto de vista cénico. A sua voz tem um timbre
convencional, mas esteve técnica e interpretativamente muito bem. Teve, pois,
uma excelente estreia no MET.
O contratenor Rachid Ben Abdeslamm foi Nireno. O seu papel não é muito extenso,
mas é extremamente cómico. Fê-lo na perfeição vocal e cenicamente, tendo sido
mais uma óptima estreia no MET.
Harry
Bicket foi o maestro que dirigiu a Orquestra do Metropolitan e foi também
o intérprete do cravo. O nível foi óptimo com um som de orquestra barroca
assinalável, muito elegante e brilhante. Foi acompanhado, também, por David Chan, o violinista que sob ao
palco para acompanhar Giulio Cesare: além da sua óptima interpretação,
acompanhou de modo sublime Daniels com uma expressividade corporal assinalável.
Assistiu-se, portanto, a um conjunto de
excelentes interpretações vocais e orquestrais secundados por uma encenação de
grande qualidade. Que óptima maneira de acabar a temporada do MET Live in HD!
Também lá estive e concordo com a maior parte da sua crítica.
ResponderEliminarTenho dúvidas sobre a amplidão da voz de Daniels, mas é-me impossível ajuizar apenas por estas transmissões, já que nunca o ouvi ao vivo.