domingo, 14 de outubro de 2018

I PURITANI, Liceu, Barcelona, Outubro / October 2018




 (review in English below)

Texto de camo_opera

I Puritani (de Vicenzo Bellini) de muito boa qualidade. A sala engalanou-se para a estreia, tendo dado direito a tapete vermelho, cobertura mediática da imprensa, presença pesada da Generalitat e bolo com copo de espumante ao intervalo. Um ambiente de glamour a contrastar com um público com uns tiques dispensáveis que contarei em seguida.

A acção desenvolve-se ora em 1973 no período crítico do conflito das Irlandas, ora 300 anos antes no conflito civil inglês. São as legendas que nos situam nestes períodos. Terminam a dizer que o amor entre os amantes foi separado por três séculos. Tal acontece a partir da referência do libreto em que Arturo diz a Elvira que foram só três meses de ausência ao que esta contesta que foram três séculos de horror. Este pormenor torna-se patente no momento do reencontro dos amantes. Mas para que tal fosse compreendido, Elvira aparece - antes da abertura orquestral - vestida à século XX para, segundos depois, surgir à século XVII. É aqui que, por duas vezes, alguém gritou “mais do mesmo”. Não sem uma veemente resposta berrada “cala-te!!!”, o que gerou um bruah enorme na sala, entre sinais de reprovação ou riso ansioso.

A acção desenrola-se depois entre os dois séculos, mudando o vestuário e os décors. Ominipresente é uma Elvira que quase nunca sai do palco, mas que é um duplo da cantora, como se nos lembrasse desse intervalo enorme entre os dois períodos. Não destoa, não perturba, e faz a acção mover-se de forma fluida e sem pontos incompreensíveis. No fim, ao invés de Arturo ser salvo, é degolado, perante uma já recuperada Elvira ainda desconhecedora da perenidade fatal da sua desgraça e da impossibilidade do seu amor por alguém de outra estirpe política.



Apesar do interesse, a encenação de Annilese Miskimmon reposta por Deborah Cohen foi apupada como nunca ouvi num teatro, numa reacção que - e confesso a minha limitação - não consigo entender. Eu achei a encenação interessante e capaz, embora sem rasgo de genialidade. Mas não creio que seja condição ser genial.

Depois do tal período sem orquestra, mas muito gritado, berrado e interventivo, Christopher Franklin mexeu a batuta e começou a fazer soar a Orquestra do Liceu de forma acertada, dramática e lírica, com um respeito assinalável pelos cantores a quem assinalou sempre as entradas.

O Coro também correspondeu de forma positiva, apresentando um nível qualitativo elevado para a estreia da temporada.

Houve dois cantores transcendentes: Pretty Yende como Elvira. E Javier Camarena como Arturo. Diria que estamos perante os melhores cantores de bel canto da actualidade. Yende teve uma presença jovial e a sua voz leve e jovem a que associa uma técnica soberba e uma emoção intensa foi um deleite para os ouvidos. Nem uma nota menos conseguida: agudos cristalinos, pianissimi perfeitos. O fraseado é muito elegante, o sotaque é bom e a capacidade de dizer as palavras assinalável, ainda para mais numa cantora ainda em ascensão. 



E teve uma excelente química em palco com um Camarena no topo da carreira. Que voz! Que portensosos agudos. Ainda tenho os tímpanos a vibrar. Mas não vive só deles. O fraseado, o lirismo e a emotividade estão todos lá. Fizeram ambos um duo maravilhoso e foram agraciados com palmas e bravos entusiásticos que por pouco não os obrigava a repetir o dueto do último acto. Uma maravilha!



Já os restantes - o contraste era uma inevitabilidade - não foram tão bons, mas nenhum esteve mal. O Giorgio de Marko Mimica foi um pouco irregular na emissão, mas esteve sempre audível. Tem um timbre bonito, não muito escuro ou grave, mas adequado ao papel que desempenhou bem. 



Já o Riccardo foi representado por Andrei Kymach do elenco secundário (alguma indisposição de última hora de Marius Kwiecien). A voz é algo bassa e pouco emotiva, pelo que foi um Riccardo algo duro e menos lírico. A Enrichetta de Lidia Vinyes-Curtis esteve bem no seu papel menor, assim como Gianfranco Montresor como Valton.



Foi, sem dúvida, uma récita memorável por vários condimentos operáticos e extra operáticos, mas que foi condimentado por duas magníficas especiarias vindas de África e da América.





I PURITANI, Liceu, Barcelona, ​​October 2018

Text by camo_opera

I Puritani (by Vicenzo Bellini) of very good quality. The theater was decorated for the premiere, with red carpet, media coverage of the press, heavy presence of the Generalitat and cake with glass of sparkling wine at the interval. An environment of glamor contrasting with an audience with a few expendable tics that I will tell next.

The action took place in 1973 during the critical period of the Irish conflict, and some 300 years before in the English civil conflict. The legends place us in these periods. They end up saying that love between lovers has been separated by three centuries. This happens from the reference in the libretto in which Arturo tells Elvira that it was only three months of absence to which she replies that it was three centuries of horror. This detail becomes evident at the time of lovers' reunion. But for this to be understood, Elvira appears - before the orchestral opening - dressed in the twentieth century and, later, appears dressed in the seventeenth century. It is here that, twice, someone shouted "more of the same". Not without a vehemently shouting reply "shut up!", Which spawned a huge bruuah in the room, amidst signs of disapproval or anxious laughter.

The action then unfolds between the two centuries, changing the clothing and the décors. Always present is an Elvira who almost never leaves the stage, but who is a double of the singer, as if she reminds to us of this enormous interval between the two periods. She does not distort, does not disturb, and causes the action to move smoothly and without incomprehensible points. In the end, instead of being saved, Arturo is beheaded before an already recovered Elvira still unaware of the fatal perennial of his misfortune and the impossibility of his love for someone of another political nature.

Despite the interest, the staging of Annilese Miskimmon revised by Deborah Cohen was picked up like never before in a theater, in a reaction that - and I confess my limitation - I can not understand. I found the staging interesting and capable, though not genius. But I do not think it's a condition to be good.

After that period without an orchestra, but much shouted and intervening, Christopher Franklin stirred the baton and began to sound the Orchestra of the Liceu in a correct, dramatic and lyrical way, with a remarkable respect by the singers to whom he always marked the entrances.

The Choir also responded positively, presenting a high quality level for the season premiere.

There were two transcendent singers: Pretty Yende as Elvira and Javier Camarena as Arturo. I would say that we are facing the best belcanto singers of the day. Yende had a jovial presence and her light, youthful voice to which she associated a superb technique and intense emotion was a delight to the ears. Not a note less perfect: sharp crystals, perfect pianissimi. The phrasing is very elegant, the accent is good and the ability to say the words remarkable, yet for more in a singer still on the rise. And she had great chemistry on stage with a top-of-the-line Camarena. What voice! What sharp top notes. I still have my ears vibrating. But it does not live on their own. Phrasing, lyricism, and emotion are all there. They made both a wonderful duo and were awarded with enthusiastic applause and bravos that almost made them repeat the duet of the last act. Wonderful!

The others - the contrast was an inevitability - were not so good, but none was bad. Marko Mimica's Giorgio was a little irregular, but he was always audible. he has a beautiful tone, not too dark or low, but suited to the role he played well. Riccardo was performed by Andrei Kymach of the secondary cast (some last indisposition of Marius Kwiecien). The voice is a bit opaque and unemotional, reason why was a Riccardo somehow hard and less lyrical. Lydia Vinyes-Curtis's Enrichetta did well in her minor role, as did Gianfranco Montresor as Valton.

It was undoubtedly a memorable performance for various operatic and extra-operative condiments, but was best tempered by two magnificent spices from Africa and America.

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