(review in English below)
A ópera Alcina de G.F. Händel esteve em cena no Theater
an der Wien, que não conhecia. A história pode ser lida aqui.
A encenação de Tatjana Gürbaca é muito boa. A acção é
intemporal, embora o guarda roupa seja actual. O palco, redondo, começa apenas
com umas rochas irregulares. Na primeira parte roda frequentemente e, ao longo
da récita vão surgindo vários adereços simples, muito diversificados e de belo
efeito, como flores que surgem do chão e uma enorme árvore (que parece uma
figueira mas os frutos não são figos). Quando Ruggiero canta uma das árias mais
tristes, as folhas vão caindo sucessivamente, noutra componente de belíssimo
efeito. Há também um grande baloiço que surge de cima e é parte
importante da encenação.
Na segunda parte
o palco não roda e chove mais que uma vez. Os protagonistas imaginam os navios
que chegam e saem da ilha. Oronte e Morgana, ao renovarem o seu amor, retiram
os corações e juntam-nos num lenço. A condizer com o mundo fantástico do
enredo, a cena do Oronte é muito cómica porque está a beber ácool e desinfecta
a faca antes de cortar o peito e retirar o coração, que sai com um vaso
sanguíneo longo, que se desprende e cai no chão, mas não deixa de ser apanhado
e colocado junto do coração.
No final, a
conversão dos animais de novo em humanos e o afundamento da ilha são
representados de forma simples mas muito eficaz. Facilmente se percebe a
história, mesmo com legendas só em alemão.
Toda a encenação
é muito simples mas eficaz e de uma enorme beleza plástica.
A orquestra
barroca Concentus Musicus Wien foi
deslumbrante e a direcção musical superior esteve a cargo do maestro Stefan Gottfried. O Arnold Schoenenber Chor foi também
excelente.
Os solistas,
todos de aparência jovem e de óptima figura e agilidade em palco, foram
uniformes na elevada qualidade da interpretação vocal
O soprano Marlis Petersen interpretou a Alcina de
forma irrepreensível. Voz potente, muito bonita, com agudos fantásticos e
extraordinariamente expressiva. Em cena foi brilhante, também muito ajudada
pela encenação.
O Ruggiero do
contratenor David Hansen foi
fabuloso. É quase um soprano masculino pois atinge altíssimas notas agudas com
qualidade irrepreensível que não sei se mais algum dos que actualmente cantam o
conseguirá fazer. O papel é extenso e quer nas áreas mais melancólicas, quer
nas de bravura, foi marcante.
A mezzo Katarina Bradic fez uma Bradamante (e
um Ricciardo) notáveis. Tem uma voz escura, sempre afinada, e revelou uma
coloratura impressionante. Também foi muito expressiva em cena, aliás
característica de todos os solistas.
O Oronte foi
impecavelmente interpretado por Rainer
Trost, a quem a encenadora atribuiu a interpretação cénica mais
diversificada e a única com uma cena cómica, muito bem conseguida.
O (muito) jovem Christian Ziemski, rapaz soprano, foi
um Oberto sem falhas na interpretação vocal, também muito credível na procura e
defesa do pai, transformado em leão.
Florian Köfler foi um Melisso correcto e muito agradável,
mas termino com
mais um enorme elogio à jovem soprano Mirella
Hagen que interpretou a Morgana, irmã de Alcina. Tem uma voz belíssima, bem
audível, límpida e pura em toda a sua extensão, quase angelical, como raramente
se ouve.
Um espectáculo
memorável!
*****
ALCINA,
Theater an der Wien, September 2018
The opera Alcina by G.F. Händel was on stage at the Theater an der Wien, which I did not know. The story can be read
here.
The production
of Tatjana Gürbaca is very good. The
action is timeless, although the dresses are of today. The stage, turning round
frequently, begins only with some irregular rocks. In the first part it is
rotating and, along the performance, various simple, very diversified and
beautiful props appear, like flowers emerging from the ground and a huge tree
(which looks like a fig tree but the fruits are not figs). When Ruggiero sings
one of the saddest arias, the leaves fall successively, in another component of
beautiful effect. There is also a large swing that comes from above and is an
important part of the staging.
In the
second part the stage does not rotate and it rains more than once. The
protagonists imagine the ships that arrive and leave the island. Oronte and
Morgana, in renewing their love, withdraw the hearts from their chests and join
them in a handkerchief. In keeping with the fantasy world of the plot, the
Oronte scene is very comical because he is drinking alcohol and disinfects the
knife before cutting the chest and withdrawing the heart, which comes out with
a long blood vessel, which collapses and falls to the ground, but it does not
stop being caught and placed close to the heart.
In the end,
the conversion of animals back into humans and the sinking of the island are
represented in a simple but very effective way. It was easy to see the story,
even with subtitles in German only.
All the
staging is very simple but effective and of enormous plastic beauty.
The Baroque
orchestra Concentus Musicus Wien was
stunning and the musical direction superior, in charge of the maestro Stefan Gottfried. Arnold Schoenenber Chor was also excellent.
The
soloists, all young-looking and of good physical appearance and agility on
stage, were uniform in the high quality of vocal interpretation
Soprano Marlis Petersen interpreted Alcina in
an irreproachable way. Powerful voice, very beautiful, with fantastic top notes
and extraordinarily expressive. On stage she was brilliant, also very helped by
the production.
Countertenor
David Hansen was fabulous Ruggiero.
He is almost a male soprano because he reaches very high notes with impeccable
quality that I do not know if any of those others who are currently singing
will be able to achieve. The role is extensive, and in both the melancholic and
bravura areas, he was remarkable.
Mezzo Katarina Bradic was a notable
Bradamante (and Ricciardo). She has a dark voice, always in tune, and revealed
an impressive coloratura. She was also very expressive on stage, a
characteristic of all the soloists.
Oronte was
impeccably sung by Rainer Trost,
whom the producer attributed the most (and unique) comic part. His interpretation
was very good.
The (very)
young boy soprano Christian Ziemski
was an Oberto without fail in vocal interpretation, also very credible in the
search and defense of his father, transformed into a lion.
Florian Köfler was a correct and very pleasant Melisso,
but I will
end with another huge compliment to the young soprano Mirella Hagen who interpreted Morgana, sister of Alcina. She has a
beautiful voice, very audible, clear and pure in all its extent, almost
angelic, as one rarely hears.
A memorable
performance!
*****
Que maravilha, Fanático_Um. Quase consigo imaginar... e com alguns dos meus favoritos, Handel e o Concentus Musicus, Marlis Peterson também a tenho ouvido em gravações. Obrigado por tão vivida reportagem, das que me fazem crer que nem tudo está podre no reino dos homens.
ResponderEliminarFoi um espectáculo excelente, Mário. Estive 3 dias em Viena e consegui ver 3 óperas (Viena é uma maravilha em tudo, até nisto, tem 3 teatros de ópera com temporadas anuais quase completas!), mas esta foi a melhor. As outras, La Traviata e Werther, ambas na Staatsoper, também foram muito boas, mas não com aquela centelha mágica que vi nesta.
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