(review in English below)
Numa produção da
Opera North, a Madama Butterfly de G. Puccini abriu a temporada de ópera
do Teatro Nacional de São Carlos.
A encenação de Maxine Braham é minimalista, feia,
escura, mas fiel, acabando por cumprir. A pouca cor que tem é, sobretudo, à
custa do guarda-roupa e, mesmo este, não é deslumbrante.
Dirigiu o maestro
italiano Domenico Longo. Não esteve
à altura da rica partitura musical que a obra encerra. Algum descontrolo orquestral mas,
sobretudo, não conseguiu fazer sobressair os cantores. Os solistas ouviam-se
sobre a orquestra porque tinham vozes potentes, mas o maestro nada fez para as
valorizar. Foi pena.
Cio-Cio-San foi
interpretada pela soprano sul coreana Hye-Youn
Lee. Fez uma Butterfly credível, embora um pouco estática, com a grande
mais valia de ser uma cantora oriental, perfeitamente adaptada à personagem.
Tem uma voz bem audível, sobretudo no registo agudo, por vezes até
resvalando para a estridência, mas cantou bem. No registo mais grave
ocasionalmente não se ouvia, mas o maestro também não ajudou. Teve uma
interpretação em crescendo, com um primeiro acto aceitável, melhorando depois e
terminando muito bem.
O tenor espanhol Antonio Gandia foi um Pinkerton com boa
presença cénica mas, vocalmente, irregular. No registo agudo esteve muito bem,
mas ouviu-se mal nos registos médio e grave. No belíssimo dueto de amor que
encerra o primeiro acto foi frouxo e sem qualquer chama amorosa. Infelizmente
não foi o único, porque a cantora também não ajudou, sem conseguir transmitir
uma réstia de doçura. A orquestra esteve sempre empastelada, muito por culpa do
maestro. Tudo conjugado, um dos momentos mais belos da ópera conseguiu ser
transformado no que, para mim, foi o pior momento do espectáculo.
Excelente foi,
mais uma vez, o barítono Luís Rodrigues
como Sharpless. Tem uma voz muito bonita, impecavelmente afinada e claramente audível. Esteve sempre ao mais alto nível e em cena também foi irrepreensível. Indiscutivelmente, o melhor cantor da
noite.
Cátia Moreso também nos ofereceu uma interpretação de enorme
qualidade. A voz foi poderosa, bem colocada e com um registo grave
marcante. Em cena foi a melhor, transbordando as diferentes emoções, sempre
adequadas aos momentos interpretados (e que tanta falta fizeram aos dois
solistas principais).
Nos papéis secundários Marco Alves dos Santos foi um príncipe Yamadori muito correcto e Carolina Figueiredo uma elegante Kate
Pinkerton. Contudo, acho que a má direcção da orquestra e o pouco empenho do
maestro em fazer sobressair os cantores fizeram com que mal se tenham ouvido Mário João Alves como Goro, Mário Redondo como Bonzo e João Oliveira como comissário imperial.
Também foi infeliz a escolha da criança para filho da Butterfly que, com um
comportamento impecável em palco, não era loira, como a situação exigia.
No cômputo geral,
um bom espectáculo.
***
Madama
Butterfly, Teatro de São Carlos, Lisbon, October 2015
In a
production of Opera North, G. Puccini's
opera Madama Butterfly opened the
season of the São Carlos National Theatre in Lisbon.
The staging
of Maxine Braham is minimalist,
ugly, dark, but according to what is expected and it works. The little color available
is, above all, at the expense of the dresses and even these are not dazzling.
Italian
maestro Domenico Longo directed. He
failed to match the rich musical score of the opera. The orchestra was
uncontrolled frequently but, above all, fhe ailed to bring out the singers. The
soloists were heard over the orchestra because they had powerful voices, but
the maestro did nothing to value the voices. It was a pity.
Cio-Cio-San
was interpreted by the South Korean soprano Hye-Youn Lee. She was a credible Butterfly, although somewhat
static, with the great added value of being an oriental singer, perfectly
adapted to the character. She has a very audible voice, particularly in the
high register, sometimes even slipping into the stridency, but she sang well.
In the low register occasionally she was not heard, but the maestro did not
help. She had an interpretation on the rise, with a first acceptable act but
improving after and finishing very well.
Spanish
tenor Antonio Gandia was a Pinkerton
with good scenic presence but vocally inconstant. In the upper register he was
very good, but he was badly heard in medium and low registers. In the beautiful
love duet that closes the first act he was loose and without transmitting any
flame of love. Unfortunately he was not the only one, because the female singer
did not help, unable to transmit a glimmer of sweetness. The orchestra has
always been floopy, largely conductor's fault. All combined, one of the most
beautiful moments of the opera was transformed into what, for me, was the worst
moment of the performance.
Baritone Luis Rodrigues was, once again, excellent
as Sharpless. He has a beautiful, always in tune and clearly audible voice. On
stage he was also faultless and was undoubtedly the best singer of the night.
Cátia Moreso also offered us an interpretation of great
quality. The voice was powerful, always well tuned and with a striking low
register. On stage she was the best performer, overflowing the different
emotions always appropriate to the scenes (and that did lack the two main
soloists).
In
supporting roles Marco Alves dos Santos
was a very correct and Prince Yamadori and Carolina
Figueiredo an elegant Kate Pinkerton. However, I think the bad direction of
the orchestra and the absence of maestro's commitment to bring out the singers
have made barely heard Mário João Alves
as Goro, Mário Redondo as Bonzo and João Oliveira as imperial commissioner.
It was also innapropriate the child's choice for the son of Butterfly, that had
an impeccable behavior on stage, but was not blonde, as the situation demanded.
Overall, a
good performance.
***
Vi o espectáculo no dia 24.
ResponderEliminarTendo em conta as baixas expectativas permitidas pelos recentes antecedentes do TNSC este espectáculo até consegue não ser totalmente desagradável.
Mas esta relativa satisfação decorre sobretudo da verificação de que as vozes de alguns dos principais intervenientes foram em geral melhores do que alguns exemplos ultimamente apresentados no São Carlos.
Porém o espectáculo no seu todo não ultrapassou o sofrível. Para tal contribuíram antes de mais a encenação e a cenografia, e depois o estado em que se encontram a orquestra e o coro do nosso teatro de ópera.
De facto, embora Tim Albery seja de facto o encenador da versão original desta produção (apresentada em 2012 em Leeds), o crédito da encenação é atribuído no programa de sala a uma sua colaboradora habitual, que é coreógrafa.
Ficamos assim sem perceber que parte do espectáculo se deve a cada um dos profissionais, e mais grave ainda, sem saber se a versão que nos foi servida é apenas uma reposição do original ou se constitui, pelo contrário, uma nova versão adaptada.
Como é evidente esta dúvida não esclarecida permite todas as interpretações. E a imagem que aparentemente surge como mais provável depois de ver o espectáculo é que nos tenha sido servido para nos matar a fome um prato de chefe, previamente descongelado e depois aquecido por um dos seus ajudantes.
Não há dúvida que os cenários escolhidos permitiriam uma abordagem convencional da tragédia, perfeitamente compatível com a opção do encenador de nos apresentar sem segundas leituras a literal versão inicial em dois actos da ópera pucciniana.
Porém as opções cromáticas da cenografia e a mais do que indigente iluminação conferem ao conjunto um aspecto de acentuada monotonia com a qual as expressões de admiração pela beleza do local que os libretistas distribuíram pelo texto contrastam pesadamente.
Para complicar um pouco mais este quadro o maestro limitou-se a assegurar (embora bem) o respeito pela partitura e a integração de todos os actores no espectáculo (solistas, coro e orquestra), sem mais do que isso conseguir.
E portanto o resultado sonoro foi claramente revelador do estado deplorável em que se encontra a orquestra, independentemente do nível de desempenho conseguido individualmente por cada um dos seus componentes.
A belíssima música de Puccini surgiu assim pesada, sem qualquer subtileza, num suceder de momentos colados mais ou menos toscamente, com os sopros e as percussões em roda livre e as cordas muitas vezes dificilmente audíveis.
Cátia Moreso foi claramente a melhor intérprete da noite, tanto vocalmente como sob o ponto de vista dramático. Luís Rodrigues pareceu cansado, mostrando uma voz com um vibrato por vezes excessivo e frequentemente incapaz de se sobrepor à orquestra.
A soprano Hye-Youn Lee, com uma voz um pouco áspera nos agudos, e o tenor Antonio Gandia, tiveram desempenhos aceitáveis.
Apesar de tudo, o espectáculo constitui um sinal de vontade de melhorar que esperamos se confirme ao logo da temporada lírica que com ele agora se inicia.
JAM 25/10/2015
Obrigado pelo seu comentário José António Miranda, sempre muito correcto e acutilante. Assistimos a récitas diferentes, mas acho que ambos vimos e ouvimos os aspectos mais relevantes aqui apontados e, excluindo a opinião sobre Luís Rodrigues, estamos globalmente de acordo.
ResponderEliminarCaríssimo Fanático_Um,
ResponderEliminarantes de mais, permita-me endereçar-lhe as mais entusiásticas saudações.
Sob uma perspectiva, meramente, plástica as imagens através das quais tive a oportunidade de contactar com a presente produção (documentação visual afecta à encenação original) enformam uma proposta, cromaticamente, austera acentuada por uma predominância de materiais de impacto algo utilitário.
Concordo consigo caro amigo Hugo Santos quando refere a austeridade cromática da cenografia. Dando de barato que tal seria a intenção da equipa da produção original, razão de sobra para ter de se dedicar atenção especial à iluminação. Ora o que se viu no palco do São Carlos foi sob esse ponto de vista deplorável. Teria o iluminador Peter Mumford vindo a Lisboa para supervisionar esta produção? Parece-me pouco plausível dados os resultados visíveis.
ResponderEliminarPor outro lado, caro Fanático Um, talvez nem estejamos verdadeiramente tão em desacordo quanto a Luís Rodrigues, que também considero um excelente barítono. Ouvimo-lo em dias diferentes, e uma das características que choca de algum modo na presente produção é o facto de incluir sete espectáculos seguidos, apenas separados uns dos outros por um dia, com um único elenco ! Compreendendo os possíveis motivos para tal opção, importa porém não esquecer que o reverso da medalha tenderá a ser algum cansaço vocal dos protagonistas principais... Não há bela sem senão !
Caríssimo José António,
Eliminarde facto, tal como na Sétima Arte, o nível de uma direcção de fotografia, ainda que no âmbito de parâmetros estéticos algo generalizados, é passível de ser aferido pela qualidade gradativa da mesma, quer em ambiências luminosas como penumbrosas.
Caríssimo Hugo,
ResponderEliminarComeço por lhe enviar um grande abraço!
Concordo com o seu comentário, já vi encenações criando deliberadamente ambiências cinzentas e penumbrosas, como bem refere, mas que são eficazes e, por isso, despertam em nós alguma emoção. Tal não foi, de todo, o caso no São Carlos. Não tenho nada contra a opção minimalista, tenho sim reservas contra a estética muito ineficaz e desinteressante em que a coisa resultou. Nisto estou totalmente de acordo com o José António Miranda, a iluminação foi péssima e o resultado final muito feio e desinteressante.
Por falar em encenação austera da Madama Butterfly, vem a caminho uma que é, talvez, a melhor que alguma vez vi. Bem sei que o colorido do guarda-roupa e de panos são totalmente opostos ao que vimos, mas em palco reinará a austeridade. Contudo, a estética é avassaladora! Refiro-me à transmissão MetLive na Gulbenkian no dia 2 de Abril. Estou muito curioso em ver como vai resultar na transmissão, mas penso se perderá muito do impacto visual da encenação, dado haver uma preocupação obcessiva (e discutível) nestas transmissões em focarem as caras dos cantores, esquecendo quase tudo o que os rodeia. Veremos...
Caríssimo Fanático_Um,
Eliminarservindo-me, novamente, de uma alegoria cinematográfica, reiteraria, de acordo com a acuidade da sua observação, que nem toda a fotografia de pendor mais lúgubre corresponderá, forçosamente, ao emprego de tonalidades "tout court", tal como as supracitadas. No que à produção de Tim Albery se reporta, estou em crer que a exploração de gradientes, no âmbito de uma determinada paleta cromática consentânea com a natureza dramática da obra, constituir-se-ia benéfica.
A notável encenação evocada de Madama Butterfly, da autoria do malogrado Anthony Minghella, sucede na ostensão de uma ambiência, plasticamente, luxuriante sem resvalar para uma vacuidade dramatúrgica.
Saudações a todos!
ResponderEliminarEstou a ver que fiz bem em ficar em casa!!