“Tannhäuser und der
Sängerkrieg auf der Wartburg” é a segunda das óperas de maturidade de
Wagner. Acabada de compor no decurso do inverno de 1844, foi estreada em 19 de
Outubro de 1845, no Königliche Hoftheater de Dresden, com sucesso
moderado.
(Foto: Fanático_Um)
Ao longo dos anos seguintes, a
ópera veio a ser amplamente modificada, com vista à sua estreia em Paris, o que
veio a ocorrer em 13 de Março de 1861. Dado que a representação veio a ter
lugar na Ópera de Paris e não no Théâtre Lyrique, Wagner teve de obedecer ao
cânone francês e incluir um bailado, embora sob a forma de bacanal, para além
de outras modificações no papel de Vénus e na ária de Walther. Paralelamente,
muita da música introduzida de novo, designadamente na segunda parte do
prelúdio, tem um cariz muito contrastante, pois que beneficia já da evolução da
escrita de Wagner que, em 1859, havia terminado de compor o Tristan und
Isolde.
A estreia parisiense foi um
fiasco – embora, ao que parece, provocado por detractores do compositor – o que
comprometeu definitivamente as aspirações de Wagner de vir a triunfar naquele
que era, à data, o principal centro operático da Europa.
Em 1875 Wagner apresenta uma nova
versão, a chamada “versão de Viena”, que assenta essencialmente na “versão de
Paris” (e que normalmente não é autonomizada da “versão de Paris”),
naturalmente que revertida para alemão e com pequenas alterações,
designadamente a reposição do solo de Walther no concurso de canto do 2º acto.
(Castelo de Wartburg, na Turíngia. Foto: Wikipedia)
Não obstante o difícil percurso
que teve, Wagner sempre acarinhou bastante esta ópera, constando que, já às
portas da morte, se terá lamentado de ter ficado a dever um Tannhäuser ao
mundo.
Lamento que bem se compreende,
pois, não obstante esta ópera estar ainda longe do conceito para que caminhará
a obra wagneriana no futuro, sendo ainda óbvias as influências da grand
opéra francesa e o recurso a um modelo de ópera de números, nela
encontramos, todavia, o tratamento de um conjunto de temas que virão a permear
toda a criação wagneriana futura.
Assim, a ideia da arte como
objecto principal de uma ópera, traduzida aqui no concurso de canto (ou melhor,
no combate de canto, como parece mais correcto em face do subtítulo da obra: Sängerkrieg),
virá a ser desenvolvida futuramente no Die Meistersinger von Nürnberg;
A personagem de Elisabeth, mulher que pelo seu sacrifício oferece a redenção a
Tannhäuser, virá a ser novamente explorada no Anel, designadamente na
Brünnhilde, como já fora na Senta do Der fliegende Holländer; a cena do
1º acto, entre Tannhäuser e Vénus, da tentação para o amor profano, é
premonitória do 2º acto do Parsifal e do papel desempenhado por Kundry.
O tema principal da ópera é
normalmente centrado no conflito entre o amor cristão e o amor profano, entre o
amor eros e o amor ágape, entre o amor sublime e o amor carnal.
Todavia, em algumas análises salienta-se igualmente a temática do
questionamento das concepções estéticas enquistadas na sociedade, que Wagner
terá procurado protagonizar, e que encontram eco no desafio que Tannhäuser
lança à sociedade cavaleiresca no concurso de canto, propondo o abandono do
culto do amor cortês, o que conduz à sua proscrição.
(Bacanal. Foto: Metropolitan Opera)
Na transmissão deste
final de Outubro, o Met de Nova Iorque proporcionou-nos a chamada “versão de
Paris” (com as alterações de Viena), pelo que a abertura desembocou
directamente no bacanal, onde o corpo de bailado do Met nos apresentou uma
coreografia representativa das actividades desenvolvidas no Monte de Vénus,
embora não particularmente inspirada ou interessante.
Podemos encontrar uma
sinopse do enredo da ópera aqui.
(Otto Schenk. Foto: Wikipedia)
A encenação apresentada foi
a de Otto Schenk, que conta já com algumas décadas. É uma encenação
“tradicional“, extremamente fiel à literalidade do libretto, que
privilegia a espectacularidade dos cenários e dos figurinos, no que não merece
quaisquer reparos, dada a extrema atenção ao detalhe e a grande beleza estética
de todos os elementos que surgem em palco. Uma versão que, seguramente,
poderíamos ter visto em Bayreuth até à primeira metade do século XX. Opção
perfeitamente legítima, como é óbvio, mas que surge como algo datada e renuncia
à possibilidade de explorar novos significados e novas ideias que a partitura
ou o texto proporcionem ou de apresentar novas propostas interpretativas.
(James Levine. Foto: Metropolitan Opera)
A direcção musical foi
confiada a James Levine, que nos deu uma leitura correcta, sem grandes
arrebatamentos ou brilhantismos. Todavia, a excelência técnica da orquestra,
capaz de tocar horas seguidas sem uma falha perceptível, constitui, realmente,
uma fonte inesgotável de prazer.
Foi anunciado que a
participação do ainda Director Musical do Met se fez com grande sacrifício
pessoal, o que foi bem visível. Porém, confesso que me fez alguma impressão a
imagem de um James Levine a dirigir a orquestra muitíssimo debilitado
fisicamente.
(Johan Botha. Foto: Metropolitan Opera)
A grande figura da noite
foi, sem dúvida, o tenor Johan Botha, já nosso conhecido da FCG
precisamente neste papel. É talvez o grande Tannhäuser da actualidade e, desta
vez, voltou a mostrá-lo. O timbre é essencialmente lírico – o que é excelente
para o 1º acto, onde se exige flexibilidade vocal, arrebatamento e facilidade
nos agudos – mas combina a energia e robustez necessárias para a “narração de
Roma” do 3º acto, que fez de forma magnífica. Cantor generoso, embora sem
grandes dotes de representação, compôs vocalmente uma personagem credível nos
seus dilemas, variando a vocalidade consoante o estado do personagem.
(Eva-Maria Westbroek. Foto: Metropolitan Opera)
Elisabeth foi cantada pela
soprado holandesa Eva-Maria Westbroek. Confesso que esperava bastante
mais desta magnífica cantora. Logo que entrou em cena para cantar o “Dich,
teure Halle, grüß ich wieder” a voz me pareceu bastante descontrolada, a
acusar um vibrato enorme. Acho que faltou alguma frescura vocal nesse momento
tão importante, embora tenha estado melhor na prece do 3º acto. Em qualquer
caso, a voz é muito bonita, exibe potência vocal e tem uma presença física
perfeita para o papel.
(Michelle DeYoung. Foto: Metropolitan Opera)
Michelle DeYoung
foi uma Vénus bastante mais convincente. A voz é aveludada, quente e bem
timbrada, transmitindo a sedução dessa personagem que é um misto de mulher e de
deusa. Demonstrou um sólido registo grave, mas com assinalável facilidade nos
agudos, o que constitui requisito para abordar este papel com sucesso, cuja
tessitura fica um pouco entre os registos de soprano e de mezzo-soprano. Para
além disso, a sua presença física permitiu-lhe compor uma figura
“botticelliana”, em perfeita consonância com as opções da produção.
(Peter Mattei. Foto: Metropolitan Opera)
Outro dos grandes sucessos
foi o Wolfram von Eschenbach do barítono Peter Mattei. A beleza da voz,
o fraseado elegante, a pureza da emissão e a nobreza do tom foram ideais para
esta personagem, que é a antítese do dividido Tannhäuser. Por várias vezes, ao
ouvi-lo e fechando os olhos, me fez lembrar o grande Dietrich Fischer-Dieskau a
cantar este papel, de que constitui para mim o modelo ideal (e que se pode
ouvir na gravação de 1960, em estúdio, dirigida por Franz Konwitschny ou, na do
ano seguinte, ao vivo em Bayreuth, sob a batuta de Sawallisch).
Gunther Groissböck
foi um bom Landgraf Hermann, com uma voz bonita e nobre, perfeitamente adequada
ao papel e sem demasiada pomposidade.
(Final do Acto III. Foto: Metropolitan Opera)
Brilhante – como
praticamente sempre – foi o coro do Metropolitan, numa ópera em que a sua
intervenção é particularmente importante. Dinâmicas perfeitas nos coros dos peregrinos,
homogeneidade tímbrica e nitidez não prejudicada pela dimensão da massa sonora,
foram as marcas que coroaram uma prestação perfeita.
(Acto II. Foto: Metropolitan Opera)
Em suma – e com excepção da
Elisabeth de Westbroek que não me pareceu nos seus melhores dias – tratou-se
de uma récita de luxo, com um elenco dificilmente superável e que proporcionou
uma experiência operática soberba.
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