(Review in English below)
A ópera em 4 actos Il Trovatore de Guiseppe Verdi foi estreada em 1853 em
Roma. O libretista Salvadore Cammarano
baseou-se na peça de Antonio García
Gutiérrez El trovador. Contudo, a
sua morte prematura em 1852, obrigou Verdi a convidar Bardare,
poeta napolitano, para uma revisão do texto.
Trata-se de uma das mais
conhecidas e representadas óperas de Verdi e é, sem dúvida, um marco do
reportório italiano. Pessoalmente, não a considero das mais interessantes se
atender apenas ao texto. Mas musicalmente é sublime. Poderão ler uma sinopse
aqui.
Não se trata de uma nova produção,
mas sim da reposição da clássica, sóbria e eficaz encenação de Sir David McVicar que situa a acção na
Guerra Peninsular (1808-1814) contra as forças napoleónicas.
A Orquestra do Metropolitan foi dirigida pelo maestro italiano Marco Armiliato que já nos habitou a
interpretações vívidas e enérgicas. Assim foi mais uma vez, adoptando um ritmo
rápido e alegre ou pesado e dramático quando a partitura o exigiu.
O Coro do Metropolitan teve uma óptima prestação nomeadamente nas
passagens mais conhecidas como, por exemplo, o Coro dos Ciganos.
Anna
Netrebko foi Leonora. E foi
magnífica. Não há muitas palavras para descrever a excelência da voz e das suas
interpretações sem mácula. O privilégio é de todos nós que podemos acompanhar a
carreira brilhante desta montanha mágica do canto.
Dolora
Zajick foi uma Azucena
perfeita, aliás como já nos habitou há muitos anos. Voz poderosa, interpretação
sentida e negra. Encarnou magnificamente a personagem.
Yonghoon
Lee foi um Manrico fraco. Não
gosto do timbre da sua voz, que é amorfo e sem vida, nem da capacidade de interpretação.
Abusou do falsete para minimizar a sua dificuldade para atingir os agudos vivos
e pujantes que a obra exige. Apesar de tudo, melhorou depois do Di quela pira. Mas, tendo em conta que
cantava Netrebko, esta merecia melhor acompanhante.
Dmitri
Hvorostovsky foi um Conte de
Luna estupendo. Depois de recuperado de uma doença, apresentou-se numa forma
invejável. É um dos melhores barítonos verdianos da actualidade e, mais uma
vez, o demonstrou. E essa sua qualidade foi acolhida com um entusiasmo pouco
comum pelo simpático público nova-iorquino.
Stefan
Kocán foi Ferrando. Voz grave,
profunda e quente, teve uma muito boa performance.
Maria
Zifchak foi uma Inês de boa
qualidade. O mesmo se pode dizer dos restantes intervenientes: Edward Albert (velho cigano), David Lowe (mensageiro) e Raúl Melo (Ruiz).
Foi, pois, mais uma tarde de ópera extraordinária
e para reter na memória.
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(Review in English)
The opera in four
acts Il
Trovatore of Giuseppe Verdi was
premiered in 1853 in Rome. Salvadore
Cammarano based his libretto on the play by Antonio García Gutiérrez El
trovador. However, his untimely death in 1852, forced Verdi to invite
Bardare, Neapolitan poet, for a revision of the text.
Il Trovatore is
one of the most known and represented Verdi's operas and is undoubtedly a
landmark of the Italian lyric repertoire. I personally do not consider this
opera the most interesting if we attend only the text. But musically it is
sublime. You can read a synopsis here.
It is not a new
production, but rather the replacement of classical, sober and effective
staging of Sir David McVicar which
places the action in the Peninsular War (1808-1814) against the Napoleonic
forces.
The Metropolitan Orchestra was led by
Italian conductor Marco Armiliato who
already dwelt in the vivid and forceful interpretations. So it was again,
adopting a fast and happy, or heavy and dramatic pace when the score required.
The Metropolitan Choir had a great
performance especially in the most famous passages like, for example, the
Chorus of Gypsies.
Anna Netrebko was Leonora. She is
magnificent. There are no words to describe the excellence of her voice and her
interpretations. The privilege belongs to us all that can follow the brilliant
career of this magical mountain of lyrical singing.
Dolora Zajick was a perfect Azucena, in
fact she is the best Azucena of the last many years. Powerful voice, dark
interpretation, she magnificently embodied the character.
Yonghoon Lee was a weak Manrico. I do not
like the tone of his voice, which is amorphous and lifeless, or his
playability. He abused of falsetto to minimize his difficulty to achieve the
living and thriving acute that the work requires. After all, he improved a bit after
Di quela pira. But Netrebko was singing,
so she deserved a better companion.
Dmitri Hvorostovsky was a stupendous Conte di
Luna. After recovering from an illness, he presented himself in a prime shape. He
is one of the best Verdi baritone voices of our times, and again he
demonstrated it. He was warmfully greeted with an unusual enthusiasm by the
friendly Met audience.
Stefan Kocan was Ferrando. Deep voice, dark
and warm, he had a very good performance.
Maria Zifchak was an Ines of good quality.
The same is true for the other minor roles: Edward Albert (old Gypsy), David
Lowe (messenger) and Raúl Melo
(Ruiz).
So it was another
extraordinary afternoon of opera that will be retained in our memory.
Também tive a oportunidade de assistir à transmissão deste “Il Trovatore” na FCG e que marcou de forma excelente o início da temporada.
ResponderEliminarConcordo com a sua apreciação em quase todos os pontos.
A grande figura da noite foi, de facto, Anna Netrebko, que esteve excelente, quer no plano vocal, quer no plano dramático. A sua voz está cada vez mais quente e envolvente, com um corpo perfeitamente adequado a este tipo de papéis (a continuar assim, não faltarão muitos anos para cantar a Floria Tosca). Contudo, esse encorpamento da voz não trouxe dificuldades perceptíveis no registo mais agudo e mesmo na agilidade vocal. Embora, na minha opinião, a colloratura nunca tenha sido o seu forte, continua a mostrar uma boa desenvoltura vocal nas passagens que o exigem, como a cabaletta da ária “Tacea la notte placida”.
Não seria tão severo para o Manrico de Yonghoon Lee. É certo que o timbre tem pouco brilho e a emissão pareceu-me sempre forçada. Também não me pareceu que o registo grave fosse particularmente sólido, especialmente para um tenor que foi apresentado como intérprete ideal de papéis dramáticos. Mas acho que não teve falhas relevantes e revelou algum envolvimento dramático.
Já Dolora Zajick foi, para mim, a pior da noite e uma grande decepção. Acho que acusa já de modo muito evidente dificuldades vocais que vai tentando compensar com histrionismo e disfarçar com a sua enorme experiência. A ária “Stride la vampa” começou de forma quase irreconhecível, mesmo no plano rítmico e foi sempre cantada em esforço, como se fosse uma passagem de uma ópera verista.
Dmitri Hvorostovsky foi muito justamente celebrado. Eu tinha imensa curiosidade para ver a sua forma vocal, depois da terrível doença que lhe foi diagnosticada e dos tratamentos a que se submeteu. Felizmente que a voz parece incólume e a entrega dramática mais acentuada ainda. Cantou com enorme emoção e sem alguns toques de “fanfarronice” que, por vezes, exibia.
Gostei também muito do Ferrando de Stefan Kocan, com a sua voz profunda e escura.
Início auspicioso, pois, para a temporada de transmissões do Met.
João Pedro Baptista