Crítica
de Ali Hassan Ayache no blog de ópera e ballet
Escalar o diretor Fernando
Meirelles (Cidade de Deus e o Jardineiro Fiel entre outras tantas) para a
direção cênica da ópera Os Pescadores de
Pérolas de Bizet trás à XIV
edição do Festival de Ópera do Theatro
da Paz de Belém do Pará grande relevância nacional. O diretor não se fez de
rogado, criou um monte de polêmicas antes da estreia. Especialista na sétima
arte postou um vídeo de divulgação nas redes sociais onde tenor e barítono
cantam no chuveiro, anunciou em entrevistas que como diretor de ópera se sentia
um amador e estagiário.
Diretores de cinema ou teatro comandando espetáculos operísticos nem
sempre é um casamento perfeito, existem casos de sucesso e lambanças
imperdoáveis. No Brasil Ugo Giorgetti fez uma "Norma" razoável no
Theatro São Pedro e Gabriel Vilela fez o pior "Don Carlo" de Verdi de
todos os tempos no Municipal de São Paulo. As falas de Meirelles indicavam que
tudo podia dar errado, felizmente não foi bem assim.
O nobre diretor fez na ópera o que mais entende, filmes. Usou o recurso
em diversos momentos tornando a ópera didática, facilitando a compreensão das
cenas. Sua leitura é correta e muitas vezes criativa. A primeira cena, onde a
projeção mostra o mar e ao fundo descem do teto pescadores de pérolas é de uma
beleza atroz. Seguem-se filmagens e mais filmagens, exagera-se na dose em
diversos momentos.
Quem não comete exageros é sua equipe, os cenários de Cassio Amarante, todo em madeira é funcional. Os figurinos de Veronica Julian estiveram compatíveis com o Ceilão e a luz de Joyce Drummond conversa com as cenas dando um realce extra. A coreografia de Marília Araújo leva coro e solistas a cenas impactantes. A impressão que fica é : Fernando Meirelles ficou mais atento aos vídeos e sua equipe se dedicou às cenas de palco e a produção foi pensada para o cinema onde será exibida no próximo dia 15 em diversas salas do país.
O resultado é visualmente impactante com uma leitura simplista da obra.
Quando diretores dizem que não leem críticas e Meirelles é mais um deles, podem
acreditar amigos que o contrário é a verdade. As minhas todos leem embora nunca
admitam em público.
Miguel Campos Neto é regente da nova
geração que começa a ganhar destaque no cenário nacional. Regeu a Orquestra Sinfônica do Theatro da Paz
com precisão, o volume e a intensidade musical é operístico destacando todas as
melodias de Bizet. Uma boa interpretação da partitura com toda sua intensidade
melódica. Derrapadas acontecem em todas as récitas, seus metais se perderam em
duas passagens no primeiro ato.
Vanildo Monteiro consegue com o Coral
Lírico sonoridade digna dos melhores coros profissionais do Sudeste. Lembrando
que seus coristas são amadores, cantam com intensidade e doação. O equilíbrio
entre os naipes e a harmonia vocal foram a constante na apresentação, além de
cantarem executaram a coreografia de maneira digna. A galera do Coral Lírico
canta com empolgação, como se fosse a última récita de sua vida.
A ousadia é sempre bem vinda e permeia a direção do festival, ano
passado o diretor Mauro Wrona arriscou e inovou ao escalar a novata Gabriela
Rossi para o papel de Desdemona da ópera "Otelo" de Verdi. Esse ano
não foi diferente chamou a jovem Camila
Titinger para o papel de Leila. A moda nos espetáculos operísticos é que o
cantor tenha semelhança física do personagem e Camila Titinger é a encarnação
viva da personagem Leila. A bela jovem não se intimidou em cantar ao lado de
dois veteranos, soltou a voz em agudos brilhantes e líricos. Sua voz tem uma
beleza que contrasta com expressividade marcante. Sofreu ao encarar as
complexas coloraturas, a jovialidade do timbre e a marcante presença cênica
compensaram essa falha.
Fernando Portari é veterano e
tarimbado tenor do cenário nacional e internacional, tirou de letra o
personagem Nadir em uma voz que explode em agudos potentes.
Leonardo Neiva foi vocalmente
explosivo, uniu graves volumosos com médios precisos. Os duetos foram o melhor
de sua participação, com Nadir em "Au fond du temple saint" e com
Leila "Je fremis, je chancelle" mostrou bela musicalidade em uma
atuação cênica louvável. O baixo paraense Andrey
Mira fez um Nourabad com voz volumosa e escura, graves explosivos saiam
como dinamite dignos de uma divindade. Pena a voz ter perdido esses atributos
no terceiro ato.
A XIV edição do Festival de Ópera do Theatro da Paz prova a consolidação do mesmo no Estado do Pará e agora como o único e mais importante festival do Norte do país. O que se vê é um teatro sempre lotado e um público ávido e interessado por ópera. Soubemos que a edição do ano que vem homenageará Carlos Gomes, que venham suas melhores óperas. Ganhará o público paraense e o Estado do Pará.
Ali Hassan Ayache viajou à Belém do Pará a convite da direção do XIV
Festival de Ópera do Theatro da Paz.
O tenor Fernando Portari foi recentemente ouvido em Portugal a encarnar o Werther, de Massenet, pelo qual foi bastante celebrado. Penso que tem uma voz perfeitamente adequada ao Nadir.
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