(review in English below)
“Das Rheingold” é a primeira ópera do “Der Ring des
Nibelungen”, tendo sido considerada por Richard Wagner como uma Vorabend,
um prólogo aos três dias que compõem o ciclo.
Foi com grande expectativa que me dirigi para a Ópera de
Sófia, num dia de calor intenso. À medida que o público ia chegando,
percebia-se que havia numerosa assistência estrangeira. Alemães, ingleses, uma
grande delegação da Sociedade Wagneriana da Finlândia, tailandeses, sul-africanos,
para além de búlgaros, preenchiam os átrios da Ópera e permitiam perceber o
grande entusiasmo à volta desta produção.
O prólogo do “Das Rheingold” é uma das páginas mais
célebres da tetralogia e um verdadeiro desafio para a orquestra e em especial
para as trompas, que têm de sustentar um longo fluxo musical assente apenas no
mi bemol dos contrabaixos e fagotes, com arpejos ascendentes que se vão
sobrepondo durante uns longuíssimos 48 compassos, simulando o fluir das águas
do Rio Reno.
À parte uns pequenos desacertos
iniciais, a orquestra tocou um excelente prelúdio, num tempo adequado, à medida
que a encenação de Plamen Kartaloff surgia em palco.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
Num ambiente azul escuro, vemos um grande anel num plano
horizontal, ligeiramente inclinado para o lado da plateia, onde são projectadas
imagens que sugerem o movimento das águas. No centro, numa cama elástica, as
Filhas do Reno saltam divertidamente. A imagem cénica é interessante e
representativa da temática geral da encenação.
Alberich surge caracterizado como
um verdadeiro duende das águas, de tons verde acinzentados.
Na cena do roubo do ouro, este é
aspirado por um cone que desce sobre o anel, introduzindo pela primeira vez
esse elemento cénico que tantas facetas irá ter ao longo da tetralogia.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
Na segunda cena continuamos a ver
o anel, no centro do qual se erguem vários cones, simbolizando as torres do
Walhalla, num efeito visual interessante.
Os gigantes Fafner e Fasolt, de
aspecto algo grotesco, chegam sentados numa pequena escavadora e munidos com instrumentos
típicos da construção civil. Mantendo a coerência ao nível dos adereços, o
martelo de Donner é feito com aqueles cones que servem para assinalar as
estradas!
A chegada de Loge é
impressionante: surge suspenso numa prancha de surf voadora, com uma vela
colorida. O efeito é algo kitsch, mas penso que funciona bem e está de
acordo com a singularidade desse deus.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
A terceira cena começa de forma
espectacular, com Wotan e Loge deitados numa cama de hospital que vai rodando,
com impressionantes efeitos de vídeo que simulam a descida às profundezas de
Nibelheim. Nesse mundo subterrâneo continuamos, em pano de fundo, a ver o anel.
Na frente de cena, três estruturas metálicas acolhendo os nibelungos
aprisionados, junto das bigornas. Em baixo, os cones que ante formavam as
torres do Walhalla, estão deitados e as suas bases viradas para a audiência,
como túneis que conduzem às profundezas. A ideia é interessante, sugerindo que
é em Nibelheim que se iniciará a queda do Walhalla e do que ele representa.
As transformações de Alberich em
dragão e em sapo são efectuadas através de projecções de imagens que deambulam
pelo cenário, num efeito muito eficaz.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
Na cena final, ressurgem as
torres do Walhalla.
Freia é colocada pelos gigantes
em cima da escavadora e vai sendo envolvida com anéis dourados, até apenas
restar visível o topo da cabeça. Uma solução eficaz, visualmente conseguida e
que ilustra perfeitamente a acção dramática.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
Durante a conversa de Wotan e
Erda, a tonalidade é azul e a cara desta é projectada nos cones do Walhalla, de
modo espectacular.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
Na parte final, após a morte de
Fasolt às mãos do seu irmão e da intervenção de Donner a convocar a tempestade,
vemos o arco-íris ser projectado nas torres do Walhalla, enquanto os deuses se
dirigem para o mesmo, subindo pelo anel. Isto enquanto se ouve a música
gloriosa de que ilustra a entrada dos deuses no castelo.
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
A ópera termina como começa: com
as Filhas do Reno saltando no interior do anel, mas agora sendo sobrevoadas por
Loge na sua prancha, que as olha com ar irónico.
O “Das Rheingold” não tem uma
estrutura clássica de personagens. Isto porque, embora seja a primeira ópera da
tetralogia, foi a última a ser composta e não estava nos planos iniciais de
Wagner. Só há verdadeiramente três
papéis substanciais e estão todos entregues a personagens masculinos: Wotan,
Alberich e Loge. Todas as demais têm intervenções secundárias e as suas
prestações acabam por ser menos relevantes para o sucesso da récita.
(Alberich)
Alberich foi interpretado pelo
barítono Biser Georgiev com grande eficácia cénica e uma boa prestação
vocal. Foi um excelente Alberich, que conseguiu alternar vocalmente entre o
desgosto amoroso, a histeria autoritária sobre os seus semelhantes e a obsessão
na recuperação do anel. Esteve bem no seu momento mais importante: a maldição
do anel.
(Wotan)
Woten ficou a cargo do experiente
Nikolay Petrov. Para além da excelente caracterização visual e boa
presença cénica, demonstrou uma voz profunda e sonora, com a autoridade
necessária a este papel. Os graves foram sempre imponentes e sonoros e
demonstrou boa projecção vocal.
(Loge)
Loge foi o tenor Daniel
Ostretsov. Foi uma das melhores interpretações da noite, mostrando uma
bonita voz de tenor lírico, fresca e clara. As subtilezas e ambiguidades do
deus do fogo foram muito bem conseguidas. Fiquei muito satisfeito por ouvir
este papel cantado por um tenor lírico e não por um «tenor de caracter».
(Fricka)
A mezzo-soprano Rumyana
Petrova encarnou Fricka. O seu timbre é metálico e bastante penetrante,
apresentando um vibrato curto e rápido, bem como uma boa projecção vocal. Teve
uma boa presença física e cénica.
(Freia)
Freia foi interpretada pela
soprano Silvana Pruvcheva, que cumpriu com eficácia o seu papel,
conseguindo traduzir a delicadeza da sacrificada deusa.
(Erda)
Erda ficou a cargo de Blagovesta
Mekki-Tsvetkova. A sua intervenção no “Das Rheingold” é muito curta, mas
permitiu demonstrar um bom registo grave.
(Fafner and Fasolt)
Os gigantes Fafner e Fasolt
foram interpretados pelos baixos Dirk Aleschus e Alexander Nosikoff.
Tive pena que o cantor que encarnou Fasolt não tivesse antes cantado a parte de
Fafner, pois gostei mais da sua voz, que era escura e profunda. A voz de Dirk
Aleschus é tipicamente eslava, de timbre mais anasalado e menos
interessante.
(Froh)
(Donner)
(Mime)
Donner foi interpretado pelo
barítono Svetozar Rangelov e Froh pelo tenor Hrisimir Damyanov,
ambos de forma adequada. Mime foi nesta ópera o tenor Plamen Papazikov
e, embora tenha tido uma intervenção curta, causou boa impressão.
(Rheintöchter)
As Rheintöchter Woglinde,
Wellgunde e Floßhilde foram interpretadas por Milena Gurova, Silvia
Teneva e Elena Marinova. Para além de boas prestações vocais,
tiveram notáveis desempenhos acrobáticos!
O “Das Rheingold” é uma
ópera com uma estrutura narrativa algo fragmentada, havendo sempre o risco da
acção se apagar perante a discussão, caso não seja imprimida alguma propulsão e
alguma dinâmica à música.
A direcção de Erich Wächter
foi sempre discreta e sóbria, privilegiando uma boa simbiose da orquestra com
as vozes dos cantores. Em alguns momentos achei que podia ter sido mais
enérgica e penso que, no final, faltou algum fôlego e alguma massa sonora
durante a entrada dos deuses no Walhalla.
Em suma, foi um serão
bastante agradável e um bom início para o Anel de Sófia.
*
Das Rheingold – The Rhinegold – Sofia, 4th July 2015
“Das Rheingold” is the first opera of “Der Ring
des Nibelungen” and was considered by Richard Wagner as a Vorabend, a
prologue to the three days that form the cycle.
It was with great anticipation that I went to
the Sofia Opera, on a very hot day. As the audience was coming, one could see
that there were numerous foreign assistance. Germans, English, a large
delegation of the Finnish Wagner Society, Thai, South Africans, as well as
Bulgarians, all filled the halls of the Opera and allowed to realize the great
enthusiasm around this production.
The prologue of “Das Rheingold” is one of the
most celebrated pages of tetralogy and a real challenge for the orchestra,
especially for the french horns, which have to sustain a long musical flow in E
flat of double-basses and bassoons, with ascending arpeggios for about 48 bars,
simulating the flow of the Rhine waters.
Apart from small initial mistakes, the
orchestra played a great prelude, in an adequate tempo, as the staging of
Plamen Kartaloff appeared on stage.
In a dark blue scenario, we see a large ring on
a horizontal plane, tilted slightly to the side of the audience, on which are
projected images that suggest the movement of water. In the center of it, in a
trampoline, the Rhinemaidens jump playfully. The scenic image is interesting
and representative of the general theme of the staging.
Alberich emerges characterized as a real water
elf in gray-green tones.
In steal of the rheingold scene, the gold is
aspirated by a cone that descends on the ring, introducing for the first time
this scenic element that will have many facets along the tetralogy.
In the second scene we continue to see the
ring. In its center stand several cones, symbolizing the towers of Walhalla, in
an interesting visual effect.
The giants Fafner and Fasolt looked somewhat
grotesque. They have arrived sitting in a small bulldozer and provided with
typical building tools. Maintaining consistency, Donner’s hammer was done with
those cones that serve to mark the roads!
The arrival of Loge was impressive: he arises suspended
on a flying surfboard, with a colorful sail. The effect is somewhat kitsch,
but I think it works well and is in line with the uniqueness of this god.
The third scene begins in spectacular way, with
Wotan and Loge lying in a rotating hospital bed with stunning video effects
that simulate the descent into the depths of Nibelheim. In this underground
world the ring continues to be in the background. In front of the scene, three
metal structures hold the imprisoned Nibelungs, near the anvils. Below, the
cones that formed the towers of Walhalla are lying horizontally with their
bases turned to the audience, forming tunnels leading to the depths. The idea
is interesting, suggesting that it is in Nibelheim that begins the fall of the
Walhalla and of what it represents.
The Alberich’s transformations into a dragon
and a toad are made through moving images projected in the scenario, in a very
effective effect.
In the final scene, the Walhalla towers are
again raised.
Freia is placed on the bulldozer and is
surrounded with golden rings, leaving only the head visible. An effective
solution, visually achieved and that perfectly illustrates the dramatic action.
During the conversation of Wotan and Erda, the
tone is blue and Erda’s face is projected in the cones of Walhalla,
spectacularly.
In the final part, after the death of Fasolt at
the hands of his brother and Donner’s intervention to summon the storm, we see
the rainbow projected on Walhalla towers, while the gods are climb to it upon
the ring. All this while listening to the glorious music that illustrates the
entry of the gods in the castle.
The opera ends as it begins, with the
Rhinemaidens jumping in the center of the ring, but now being overflown by
Loge, looking at them with irony.
“Das Rheingold” does not have a classical
structure of characters. This is because, although it is the first opera of the
tetralogy, it was the last to be composed and was not in the initial plans of
Wagner. There are only three truly substantial roles and all belong to male
characters: Wotan, Loge and Alberich. All other roles only have minor
interventions and their accomplishment turn out to be less relevant to the
success of recitation.
Alberich was interpreted by baritone Biser
Georgiev to great scenic effect scenic and featured a good vocal performance.
It was an excellent Alberich, who vocally managed to switch between love
unhappyness, authoritarian hysteria over his fellows and obsession in the ring
retrieval. He was very well on its most important moment: the curse of the
ring.
Woten was sang by the experienced Nikolay
Petrov. In addition to the excellent visual characterization and good stage
presence, he demonstrated a deep, sonorous voice with the necessary authority
to this role. Low notes were always impressive and showed good vocal
projection.
Loge was the tenor Daniel Ostretsov. It was one
of the best performances of the night, showing a beautiful lyrical tenor voice,
fresh and clear. The subtleties and ambiguities of the Fire God were very well
drawn. I was very pleased to hear this role sung by a lyric tenor and not by a
“character tenor”.
The mezzo-soprano Rumyana Petrova played
Fricka. The timbre of her voice is metallic and fairly penetrating,
showing a quick and short vibrato as well as a good vocal projection. Good
physical and stage presence also.
Freia was interpreted by the soprano Silvana
Pruvcheva. She made a good role, managing to convey the delicacy of that
sacrificed goddess.
Blagovesta Mekki-Tsvetkova was in charge of
Erda. Her role in “Das Rheingold” is very short, but allowed to show a good low
register.
The giants Fafner and Fasolt were interpreted
by Dirk Aleschus and Alexander Nosikoff. I wished that the singer who played
Fasolt had instead sung the part of Fafner, because he hada dark and deep
voice, which I liked more. The voice of Dirk Aleschus is typically Slavic, with
a more nasal timbre and less interesting timbre.
Donner interpreted by baritone Svetozar
Rangelov and Froh by the tenor Hrisimir Damyanov, both appropriately. In this opera
Mime was tenor Plamen Papazikov and although he had a short intervention, he
made a good impression.
The Rheinetöchter Woglinde, Wellgunde
and Floßhilde were interpreted by Milena Gurova, Silvia Teneva and Elena
Marinova. In addition to good vocal performances, they had remarkable acrobatic
accomplishments!
“Das Rheingold” is an opera with a fragmened
narrative structure and there is always the risk of the action being
overshadowed by the discussion, if music lacks propulsion and dynamism.
The direction of Erich Wächter was always
discreet and sober, favoring a good symbiosis between the orchestra with the
singer’s voices. At times, I thought he could have been more vigorous and I
think that, in the end, during the entry of the gods in Valhalla, he lacked
some breath and some sound mass.
In short, it was a quite
interesting evening and a good start to the Sofia Ring.
Muito obrigado por este texto tão expressivo e elucidativo. Pelo que se vê nas imagens, deverá ter sido um espectáculo muito interessante. Sendo eu também um grande apreciador de Wagner, tenho pena de não ter sido um dos muitos estrangeiros presentes para viverem este Anel.
ResponderEliminarCaro Fanático_Um, obrigado pelas simpáticas palavras.
ResponderEliminarQuanto ao Anel de Sófia, quem sabe se não haverá uma nova exibição em 2016?