quinta-feira, 24 de setembro de 2015

DAS RHEINGOLD – O Ouro do Reno – Sófia, 4 de Julho de 2015


(review in English below)

“Das Rheingold” é a primeira ópera do “Der Ring des Nibelungen”, tendo sido considerada por Richard Wagner como uma Vorabend, um prólogo aos três dias que compõem o ciclo.
Foi com grande expectativa que me dirigi para a Ópera de Sófia, num dia de calor intenso. À medida que o público ia chegando, percebia-se que havia numerosa assistência estrangeira. Alemães, ingleses, uma grande delegação da Sociedade Wagneriana da Finlândia, tailandeses, sul-africanos, para além de búlgaros, preenchiam os átrios da Ópera e permitiam perceber o grande entusiasmo à volta desta produção.
           
O prólogo do “Das Rheingold” é uma das páginas mais célebres da tetralogia e um verdadeiro desafio para a orquestra e em especial para as trompas, que têm de sustentar um longo fluxo musical assente apenas no mi bemol dos contrabaixos e fagotes, com arpejos ascendentes que se vão sobrepondo durante uns longuíssimos 48 compassos, simulando o fluir das águas do Rio Reno.
À parte uns pequenos desacertos iniciais, a orquestra tocou um excelente prelúdio, num tempo adequado, à medida que a encenação de Plamen Kartaloff surgia em palco.

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

Num ambiente azul escuro, vemos um grande anel num plano horizontal, ligeiramente inclinado para o lado da plateia, onde são projectadas imagens que sugerem o movimento das águas. No centro, numa cama elástica, as Filhas do Reno saltam divertidamente. A imagem cénica é interessante e representativa da temática geral da encenação.
Alberich surge caracterizado como um verdadeiro duende das águas, de tons verde acinzentados.
Na cena do roubo do ouro, este é aspirado por um cone que desce sobre o anel, introduzindo pela primeira vez esse elemento cénico que tantas facetas irá ter ao longo da tetralogia.
          
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

Na segunda cena continuamos a ver o anel, no centro do qual se erguem vários cones, simbolizando as torres do Walhalla, num efeito visual interessante.
Os gigantes Fafner e Fasolt, de aspecto algo grotesco, chegam sentados numa pequena escavadora e munidos com instrumentos típicos da construção civil. Mantendo a coerência ao nível dos adereços, o martelo de Donner é feito com aqueles cones que servem para assinalar as estradas!
A chegada de Loge é impressionante: surge suspenso numa prancha de surf voadora, com uma vela colorida. O efeito é algo kitsch, mas penso que funciona bem e está de acordo com a singularidade desse deus.

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

A terceira cena começa de forma espectacular, com Wotan e Loge deitados numa cama de hospital que vai rodando, com impressionantes efeitos de vídeo que simulam a descida às profundezas de Nibelheim. Nesse mundo subterrâneo continuamos, em pano de fundo, a ver o anel. Na frente de cena, três estruturas metálicas acolhendo os nibelungos aprisionados, junto das bigornas. Em baixo, os cones que ante formavam as torres do Walhalla, estão deitados e as suas bases viradas para a audiência, como túneis que conduzem às profundezas. A ideia é interessante, sugerindo que é em Nibelheim que se iniciará a queda do Walhalla e do que ele representa.
As transformações de Alberich em dragão e em sapo são efectuadas através de projecções de imagens que deambulam pelo cenário, num efeito muito eficaz.

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)
          
(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

Na cena final, ressurgem as torres do Walhalla.
Freia é colocada pelos gigantes em cima da escavadora e vai sendo envolvida com anéis dourados, até apenas restar visível o topo da cabeça. Uma solução eficaz, visualmente conseguida e que ilustra perfeitamente a acção dramática.

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

Durante a conversa de Wotan e Erda, a tonalidade é azul e a cara desta é projectada nos cones do Walhalla, de modo espectacular.

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

Na parte final, após a morte de Fasolt às mãos do seu irmão e da intervenção de Donner a convocar a tempestade, vemos o arco-íris ser projectado nas torres do Walhalla, enquanto os deuses se dirigem para o mesmo, subindo pelo anel. Isto enquanto se ouve a música gloriosa de que ilustra a entrada dos deuses no castelo.

(Foto do site da Ópera de Sófia / Photo by Sofia Opera House site)

A ópera termina como começa: com as Filhas do Reno saltando no interior do anel, mas agora sendo sobrevoadas por Loge na sua prancha, que as olha com ar irónico.

O “Das Rheingold” não tem uma estrutura clássica de personagens. Isto porque, embora seja a primeira ópera da tetralogia, foi a última a ser composta e não estava nos planos iniciais de Wagner.  Só há verdadeiramente três papéis substanciais e estão todos entregues a personagens masculinos: Wotan, Alberich e Loge. Todas as demais têm intervenções secundárias e as suas prestações acabam por ser menos relevantes para o sucesso da récita.

(Alberich)

Alberich foi interpretado pelo barítono Biser Georgiev com grande eficácia cénica e uma boa prestação vocal. Foi um excelente Alberich, que conseguiu alternar vocalmente entre o desgosto amoroso, a histeria autoritária sobre os seus semelhantes e a obsessão na recuperação do anel. Esteve bem no seu momento mais importante: a maldição do anel.

(Wotan)

Woten ficou a cargo do experiente Nikolay Petrov. Para além da excelente caracterização visual e boa presença cénica, demonstrou uma voz profunda e sonora, com a autoridade necessária a este papel. Os graves foram sempre imponentes e sonoros e demonstrou boa projecção vocal.

(Loge)

Loge foi o tenor Daniel Ostretsov. Foi uma das melhores interpretações da noite, mostrando uma bonita voz de tenor lírico, fresca e clara. As subtilezas e ambiguidades do deus do fogo foram muito bem conseguidas. Fiquei muito satisfeito por ouvir este papel cantado por um tenor lírico e não por um «tenor de caracter».

(Fricka)

A mezzo-soprano Rumyana Petrova encarnou Fricka. O seu timbre é metálico e bastante penetrante, apresentando um vibrato curto e rápido, bem como uma boa projecção vocal. Teve uma boa presença física e cénica.

(Freia)

Freia foi interpretada pela soprano Silvana Pruvcheva, que cumpriu com eficácia o seu papel, conseguindo traduzir a delicadeza da sacrificada deusa.

(Erda)

Erda ficou a cargo de Blagovesta Mekki-Tsvetkova. A sua intervenção no “Das Rheingold” é muito curta, mas permitiu demonstrar um bom registo grave.

(Fafner and Fasolt)

Os gigantes Fafner e Fasolt foram interpretados pelos baixos Dirk Aleschus e Alexander Nosikoff. Tive pena que o cantor que encarnou Fasolt não tivesse antes cantado a parte de Fafner, pois gostei mais da sua voz, que era escura e profunda. A voz de Dirk Aleschus é tipicamente eslava, de timbre mais anasalado e menos interessante.

(Froh) 

(Donner)

(Mime)

Donner foi interpretado pelo barítono Svetozar Rangelov e Froh pelo tenor Hrisimir Damyanov, ambos de forma adequada. Mime foi nesta ópera o tenor Plamen Papazikov e, embora tenha tido uma intervenção curta, causou boa impressão.

(Rheintöchter)

As Rheintöchter Woglinde, Wellgunde e Floßhilde foram interpretadas por Milena Gurova, Silvia Teneva e Elena Marinova. Para além de boas prestações vocais, tiveram notáveis desempenhos acrobáticos!

O “Das Rheingold” é uma ópera com uma estrutura narrativa algo fragmentada, havendo sempre o risco da acção se apagar perante a discussão, caso não seja imprimida alguma propulsão e alguma dinâmica à música.
A direcção de Erich Wächter foi sempre discreta e sóbria, privilegiando uma boa simbiose da orquestra com as vozes dos cantores. Em alguns momentos achei que podia ter sido mais enérgica e penso que, no final, faltou algum fôlego e alguma massa sonora durante a entrada dos deuses no Walhalla.

Em suma, foi um serão bastante agradável e um bom início para o Anel de Sófia.


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Das Rheingold – The Rhinegold – Sofia, 4th July 2015

 “Das Rheingold” is the first opera of “Der Ring des Nibelungen” and was considered by Richard Wagner as a Vorabend, a prologue to the three days that form the cycle.
It was with great anticipation that I went to the Sofia Opera, on a very hot day. As the audience was coming, one could see that there were numerous foreign assistance. Germans, English, a large delegation of the Finnish Wagner Society, Thai, South Africans, as well as Bulgarians, all filled the halls of the Opera and allowed to realize the great enthusiasm around this production.

The prologue of “Das Rheingold” is one of the most celebrated pages of tetralogy and a real challenge for the orchestra, especially for the french horns, which have to sustain a long musical flow in E flat of double-basses and bassoons, with ascending arpeggios for about 48 bars, simulating the flow of the Rhine waters.
Apart from small initial mistakes, the orchestra played a great prelude, in an adequate tempo, as the staging of Plamen Kartaloff appeared on stage.
In a dark blue scenario, we see a large ring on a horizontal plane, tilted slightly to the side of the audience, on which are projected images that suggest the movement of water. In the center of it, in a trampoline, the Rhinemaidens jump playfully. The scenic image is interesting and representative of the general theme of the staging.
Alberich emerges characterized as a real water elf in gray-green tones.
In steal of the rheingold scene, the gold is aspirated by a cone that descends on the ring, introducing for the first time this scenic element that will have many facets along the tetralogy.

In the second scene we continue to see the ring. In its center stand several cones, symbolizing the towers of Walhalla, in an interesting visual effect.
The giants Fafner and Fasolt looked somewhat grotesque. They have arrived sitting in a small bulldozer and provided with typical building tools. Maintaining consistency, Donner’s hammer was done with those cones that serve to mark the roads!
The arrival of Loge was impressive: he arises suspended on a flying surfboard, with a colorful sail. The effect is somewhat kitsch, but I think it works well and is in line with the uniqueness of this god.

The third scene begins in spectacular way, with Wotan and Loge lying in a rotating hospital bed with stunning video effects that simulate the descent into the depths of Nibelheim. In this underground world the ring continues to be in the background. In front of the scene, three metal structures hold the imprisoned Nibelungs, near the anvils. Below, the cones that formed the towers of Walhalla are lying horizontally with their bases turned to the audience, forming tunnels leading to the depths. The idea is interesting, suggesting that it is in Nibelheim that begins the fall of the Walhalla and of what it represents.
The Alberich’s transformations into a dragon and a toad are made through moving images projected in the scenario, in a very effective effect.

In the final scene, the Walhalla towers are again raised.
Freia is placed on the bulldozer and is surrounded with golden rings, leaving only the head visible. An effective solution, visually achieved and that perfectly illustrates the dramatic action.
During the conversation of Wotan and Erda, the tone is blue and Erda’s face is projected in the cones of Walhalla, spectacularly.
In the final part, after the death of Fasolt at the hands of his brother and Donner’s intervention to summon the storm, we see the rainbow projected on Walhalla towers, while the gods are climb to it upon the ring. All this while listening to the glorious music that illustrates the entry of the gods in the castle.
The opera ends as it begins, with the Rhinemaidens jumping in the center of the ring, but now being overflown by Loge, looking at them with irony.

“Das Rheingold” does not have a classical structure of characters. This is because, although it is the first opera of the tetralogy, it was the last to be composed and was not in the initial plans of Wagner. There are only three truly substantial roles and all belong to male characters: Wotan, Loge and Alberich. All other roles only have minor interventions and their accomplishment turn out to be less relevant to the success of recitation.

Alberich was interpreted by baritone Biser Georgiev to great scenic effect scenic and featured a good vocal performance. It was an excellent Alberich, who vocally managed to switch between love unhappyness, authoritarian hysteria over his fellows and obsession in the ring retrieval. He was very well on its most important moment: the curse of the ring.

Woten was sang by the experienced Nikolay Petrov. In addition to the excellent visual characterization and good stage presence, he demonstrated a deep, sonorous voice with the necessary authority to this role. Low notes were always impressive and showed good vocal projection.

Loge was the tenor Daniel Ostretsov. It was one of the best performances of the night, showing a beautiful lyrical tenor voice, fresh and clear. The subtleties and ambiguities of the Fire God were very well drawn. I was very pleased to hear this role sung by a lyric tenor and not by a “character tenor”.

The mezzo-soprano Rumyana Petrova played Fricka. The timbre of her voice is metallic and fairly penetrating, showing a quick and short vibrato as well as a good vocal projection. Good physical and stage presence also.

Freia was interpreted by the soprano Silvana Pruvcheva. She made a good role, managing to convey the delicacy of that sacrificed goddess.

Blagovesta Mekki-Tsvetkova was in charge of Erda. Her role in “Das Rheingold” is very short, but allowed to show a good low register.

The giants Fafner and Fasolt were interpreted by Dirk Aleschus and Alexander Nosikoff. I wished that the singer who played Fasolt had instead sung the part of Fafner, because he hada dark and deep voice, which I liked more. The voice of Dirk Aleschus is typically Slavic, with a more nasal timbre and less interesting timbre.

Donner interpreted by baritone Svetozar Rangelov and Froh by the tenor Hrisimir Damyanov, both appropriately. In this opera Mime was tenor Plamen Papazikov and although he had a short intervention, he made a good impression.

The Rheinetöchter Woglinde, Wellgunde and Floßhilde were interpreted by Milena Gurova, Silvia Teneva and Elena Marinova. In addition to good vocal performances, they had remarkable acrobatic accomplishments!

“Das Rheingold” is an opera with a fragmened narrative structure and there is always the risk of the action being overshadowed by the discussion, if music lacks propulsion and dynamism.
The direction of Erich Wächter was always discreet and sober, favoring a good symbiosis between the orchestra with the singer’s voices. At times, I thought he could have been more vigorous and I think that, in the end, during the entry of the gods in Valhalla, he lacked some breath and some sound mass.

In short, it was a quite interesting evening and a good start to the Sofia Ring.


2 comentários:

  1. Muito obrigado por este texto tão expressivo e elucidativo. Pelo que se vê nas imagens, deverá ter sido um espectáculo muito interessante. Sendo eu também um grande apreciador de Wagner, tenho pena de não ter sido um dos muitos estrangeiros presentes para viverem este Anel.

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  2. Caro Fanático_Um, obrigado pelas simpáticas palavras.
    Quanto ao Anel de Sófia, quem sabe se não haverá uma nova exibição em 2016?

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