Crítica de Ali Hassan Ayache no Blog de Ópera e Ballet.
É notável e impressionante que Issac Karabchevsky, um dos maiores regentes brasileiros, comemore 80 carnavais na ativa. Impressionante, problemático e arriscado ele reger o complexo e monumental ciclo de canções "Gurre Lieder" de Shöenberg pela primeira vez no Brasil. Mais impressionante ainda é que as comemorações dos 80 anos do regente parecem infinitas, nem me lembro quando começaram e parecem estar longe do fim. Jogada de marketing esperta, lembra a eterna turnê de despedida do tenor Luciano Pavarotti.
Tudo é gigantesco no ciclo de
canções "Gurre Lieder", a obra exige monumental esforço para sua
execução: Três coros, uma orquestra digna de Richard Wagner, cinco solistas, um
narrador e um regente que consiga equilibrar tudo isso. A estrutura proporcionada
pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo na apresentação do dia 17 de
Setembro esteve à altura da peça. Quem não esteve no mesmo nível foi
Karabchevsky, sua regência é de uma imprecisão atroz. Limitou-se a ficar
estático e repetindo os mesmos gestos. Esqueceu que na sua direita existe o
naipe dos violoncelos e na sua esquerda estão os violinos. O preço pago por
essa regência pífia foi a musicalidade, esta sem delicadeza e refinação. Os
solistas foram encobertos dezenas de vezes pelo elevado volume sonoro. Elevar
os painéis da Sala São Paulo fazendo-a uma catedral teve um efeito visual
incrível como veremos abaixo, a sonoridade foi sacrificada, o som reverberou
por todos os lados. A execução da obra foi salva devido a grande capacidade dos
músicos da casa e dos chefes de naipe que acertaram nas entradas.
A influência de Richard Wagner
na composição é perceptível, sua estética nesse ciclo não é do rompimento que
viria mais tarde com o dodecafonismo. Sua escrita orquestral é influenciada
pelos compositores românticos alemães e tem sua raiz na transição entre dois
períodos históricos. Os motivos musicais se repetem expressando a narração do
poema, grandiosidade orquestral é unida a seções de música camerística.
A obra é baseada nos poemas de
Jens Peter Jacobsen (1847-85) e relata o amor explosivo do rei Waldemar pela
amante Tove, esqueceram de combinar com a rainha que não gostou nada da
brincadeira e mandou assassiná-la cruelmente. O apaixonado rei não quer que sua
amada seja enterrada e conversa com ela através de elementos da natureza. O que
parece ser um dramalhão mexicano acaba se tornando uma obra complexa, com
música rica em interlúdios e temas brilhantes. Dizem que as lendas são reflexo
da vida e deve ser mesmo, nos corredores da OSESP se conta que uma violinista
bonitona teve um caso com um regente casado. Ainda bem que o final da história
foi diferente, cada um seguiu sua vida.
Os solistas estrangeiros
justificaram sua vinda ao Brasil, cantaram de forma magnífica. O narrador,
sabe-se lá por que, ficou no camarote número nove pertencente ao diretor da
casa Arthur Nestrovski, bem do ladinho dele para que todos o vissem.
Finda a primeira e segunda
parte vem o intervalo, estranhamente um terço do público não volta para
assistir ao final. Perderam o melhor da festa, um soco no estômago que
surpreendeendente. A OSESP conseguiu isso apenas com o efeito da luz. Os
painéis do teto foram erguidos de um lado da Sala São Paulo mostrando um
belíssimo vitral, a luz em determinado momento fica na escuridão total e vai
aos poucos ganhando força e cores nas colunas. O vitral ganha luminosidade que
representa o sol quando essa passagem é citada na obra. Criatividade elevada à
enésima potência em uma obra que tinha tudo para ser estática e tradicional.
Ali Hassan Ayache
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