O REALISMO MÁGICO DE "FLORENCIA EN EL AMAZONAS". CRÍTICA DE
ALI HASSAN AYACHE NO BLOG DE ÓPERA & BALLET.
Quando o assunto é ópera moderna, novinha e com menos de 50 anos sempre
torço o nariz. Os compositores que se enquadram nessa linha geralmente adotam a
barulheira como tema principal. A busca de desconhecidas óperas tem sido uma
característica do Festival Amazonas de Ópera, na sua XXI edição apresenta um
título interessante. Mais que mera curiosidade "Florencia en el Amazonas" é uma ópera de notável qualidade em
diversos aspectos: enredo fantástico, música com belas melodias e montagem
moderna.
Estreou em 1996 e contém elementos do realismo mágico ao estilo Gabriel
Garcia Marques, seu libreto em espanhol é de uma de suas alunas, Marcela
Fuentes-Berain. Conta a história de uma famosa e misteriosa soprano, Florencia
Grimaldi, que viaja da Colômbia pelo Rio Amazonas a fim de se apresentar no
teatro da capital amazonense e encontrar seu grande amor. Dizem ter cancelado
uma apresentação no Scala de Milão para cantar no Teatro Amazonas.
Surpreendentemente o compositor mexicano Daniel Cátan não segue os modismos e faz uma composição de rara
beleza musical. Sua linha melódica é de uma beleza ímpar, a música acompanha a
ação com passagens orquestrais densas unidas a trechos minimalistas que
interagem e dão forma definida as cenas. Raramente um compositor do século XX
consegue linhas melódicas tão incisivas e adequadas ao libreto. Casamento
perfeito entre música e texto. Um Debussy moderno com seu minimalismo
empolgante.
Tamanha qualidade musical só pode existir se a orquestra estiver a
altura da partitura. A Orquestra Amazonas Filarmônica regida por Luiz Fernando
Malheiro apresentou musicalidade exuberante com sons descritivos únicos e
sonoridade no volume compatível com a sala. Extraiu toda a beleza musical da
partitura.
A produção é originária da Colômbia com partes feitas no Brasil. Os
cenários de Julián Hoyos evocam um barco e conforme o andar das cenas vão
alterando seu formato. A projeção no fundo mostra o Rio Amazonas no primeiro
ato e muda com o desenrolar das cenas.
A simplicidade se une a dinâmica nessa montagem que explora todas as
dimensões do palco. História bem contada onde o público desconhece o libreto
não precisa de direção mirabolante, em "Florencia en el Amazonas" o
diretor de cena Pedro Salazar consegue ser sucinta, ágil e explicar sem
complicar. Os figurinos de Olga Maslova são adequados ao libreto, mais acerto
da montagem.
A protagonista é interpretada por Daniella
Carvalho, soprano de canto elegante que enfrenta na entrada e na sua última
participação árias de difícil interpretação. Conseguiu dar brilho a personagem
com voz de timbre harmonioso, pela complexidade da partitura é perdoável
algumas derrapadas nos agudos. Imprimiu credibilidade e intensidade com técnica
vocal de excelência e exuberante atuação cênica.
Quem se destaca é a cantora amazonense Dhijana Nobre, a jovem tem um colorido vocal encantador onde agudos
brilhantes se unem a um timbre delicado. Como Rosalba consegue se mostrar
pronta para voos maiores, quem deu a chance ao soprano fez uma excelente
descoberta.
Eric Herrero deu vida a
Arcadio, tenor com voz potente e timbre adequado. Projeção vocal que enche o
teatro e atuação cênica condizente mostra consistência nas apresentações do
cantor. Mere Oliveira é
mezzo-soprano com timbre escuro e voz potente. Mais uma vez se apresentou em
excelente nível, deu vida a personagem Paula com grandes atributos vocais e
cênicos. Pena que o público paulista a veja raras vezes.
O Alvaro de Inácio de Nonno
entregou graves quentes e portentosos e o baixo-barítono Homero Perez fez um Riolobo a altura do personagem. O elenco se
mostra equilibrado em todas as vozes, a escalação acertada prova mais uma vez
que é possível fazer óperas de qualidade com vozes nacionais presentes nos
papéis principais.
É duro dizer isso, mas a verdade é implacável. O XXI Festival Amazonas
de Ópera faz em pouco mais de um mês, são cinco óperas, o que teatros de São
Paulo e Rio de Janeiro não fazem em um ano e com verbas infinitamente
menores.
Ali Hassan Ayache viajou a Manaus a convite do XXI Festival Amazonas de
Ópera.
Deve ter sido um bom espectáculo. Quem me dera também ter estado nessa distante cidade de Manaus!
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