quarta-feira, 9 de março de 2016

MANON LESCAUT, Gulbenkian, MetLive, Março de 2016


Com surpresa, constato que não escrevo aqui sobre óperas vistas em transmissão MetLive há um ano! As desculpas serão várias, incluindo outros colegas “de blogue” terem-no feito com melhor qualidade, falta de tempo e de entusiasmo, impossibilidade de assistir a algumas (poucas) transmissões. Contudo, uma das razões importantes será aquela sensação com que sempre fico que a amplificação sonora distorce a realidade das vozes e a excessiva preocupação em focar grandes planos faciais dos cantores compromete a apreciação cénica do espectáculo.


 Manon Lescaut de G. Puccini foi transmitida em Março pela Fundação Gulbenkian.

A encenação de Richard Eyre transportou a acção para a França ocupada durante a 2ª guerra mundial e, apesar de vistosa, não me pareceu consistente. Nos dois primeiros actos houve um excesso de escadas nos cenários (que até mereceram a crítica de Brindley Sherratt). No 3º os prisioneiros entram para o navio no porto de Havre para serem deportados. Para onde? Para a América (com a conivência dos Nazis)? Para um edifício em ruínas, que é o cenário do 4º acto, algures na imaginação de Richard Eyre e dos espectadores.

(Fotografias de Ken Howard - Metropolitan Opera)

O maestro Fabio Luisi ofereceu-nos mais uma excelente direcção musical, com grande intensidade dramática, como a obra o exige.

Em relação aos cantores, foi uma récita aquém do que é habitual. O jovem tenor Zach Borichevsky abriu o espectáculo no papel de Edmundo, numa interpretação banal. Ainda assim, melhor que o barítono Massimo Cavalletti que foi o sargento Lescaut, irmão de Manon, um desempenho sem qualquer interesse, vocal ou cénico.




Pelo contrário, o baixo Brindley Sherratt foi óptimo como Geronte de Ravoir, tesoureiro real e amante de Manon. Muito bem cenicamente, apesar das escadas, e com uma voz bem timbrada e expressiva.



Roberto Alagna entrou tardiamente na produção para substituir Jonas Kaufmann (outro cantor que sofre regularmente de “cancelite”) no papel de Des Grieux. Confesso que, de entre os tenores tidos como mais apreciados da actualidade, Alagna é aquele que menos aprecio. E, mais uma vez, assim foi. Acho que não tem voz para a personagem que requer registos médio e agudo sólidos. Tal não aconteceu e as notas agudas (que até são habitualmente alcançadas com eficácia por Alagna), foram quase sempre em esforço, roçando a estridência. Cenicamente esteve melhor, tanto na parte inicial mais apaixonada como na intensidade dramática do final.



E chegamos à Manon de Kristine Opolais. O papel é complexo e muito exigente, tanto cénica como vocalmente. No primeiro acto é uma jovem ingénua e apaixonada, no segundo uma sedutora, deslumbrada e fútil, no terceiro uma escorraçada em pânico e, no final, uma mulher perdida e moribunda. Exige um soprano de grande versatilidade, capaz de transmitir todos estes sentimentos. Opolais é uma mulher bonita e com um corpo bem adequado à Manon mas não conseguiu encarnar toda a complexidade da personagem. Faltou-lhe amplitude vocal e, no registo mais agudo, cantou em esforço. Nos dois primeiros actos foi pouco convincente, melhorou substancialmente no terceiro e fez um quarto acto absolutamente deslumbrante em intensidade dramática, cénica e vocal. É pena que tenha sido só no final.


***

3 comentários:

  1. Desta vez também eu estive na sala da FCG no dia 5 e não posso deixar de concordar totalmente com a sua opinião, caro Fanático Um.

    Mas deixe-me aproveitar para tentar colmatar o que me parece ser a sua excessiva benevolência em relação à parte cénica do espectáculo.

    É que para além da manifesta desonestidade intelectual do MET, evidenciada pelo provincianismo da completa omissão de referências ao facto de o libreto situar a acção final na Louisianna e no deserto de Nova Orléans, pela distorção da tradução do libreto no referente à América e à caracterização das mulheres deportadas, e pela apresentação como nova de uma encenação que aparentemente terá sido apresentada no Festival de Baden-Baden há dois anos, este espectáculo foi um exemplo típico das habituais produções de rotina no teatro.

    A opção (?) de Richard Eyre de transpor a acção para o período da ocupação francesa pelas tropas nazis (1942) também me deixou atónito: como aceitar que alemães possam deportar alguém para a América naquela época quando pelo contrário nesses anos a difícil fuga para o novo mundo foi a salvação de muitos perseguidos pelo regime nazi?

    A par desta escolha dramatúrgica cuja inteligência nos escapa (ou talvez não, se pensarmos no escândalo da não transmissão da ópera The_Death_of_Klinghoffer, de John Adams, na temporada passada), a cenografia revela um execrável gosto e uma completa falta de bom senso.

    Como não se sobressaltar também com o cenário da casa de Paris, em que uma coluna com baixos relevos eróticos hindus serve de enquadramento à cama de Manon juntamente com uma grande tela de nus num vago estilo renascentista, ao lado de uma vasta escadaria dourada conduzindo a uma porta no andar superior?

    O quadro completou-se com a habitual indigência da realização cinematográfica. Concordo que Alagna aparentou desta vez alguma cansaço vocal, para além naturalmente da sua habitual completa insensibilidade expressiva.

    A multidão de pessoas ocupadas em palco para a mobilização dos cenários no pequeno intervalo entre o terceiro e o quarto actos, para além de revelar a obsolescência tecnológica do MET ajuda a compreender por que razão o teatro está em risco de falência.

    JAM

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  2. Obrigado pelo seu comentário, José António Miranda. Calro que concordo consigo e, apesar de ter sido mostrada em grande pormenor durante o intervalo, não quis fazer comentários à escolha da coluna com baixos relevos do Kama Sutra. Qual a mais valia? E de outros elementos cénicos também? R Eyre saberá, mas foi uma encenação que não primou pelo bom gosto. Mas o pior foram mesmo as interpretações vocais, num teatro deste calibre!

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    1. Eu não vi mas acho que fiz bem. A justificação de Eyre para a transposição está no canal da Met no YouTube: o encenador achou que o contexto original do séc. XVIII não era "sexy." Para que o ambiente fosse mais "sexy", o encenador tentou recriar o contexto e a estética do Casablanca. Quanto a Opolais, já a tenho seguido desde que começou a cantar a Lescaut com o Kaufmann (Covent Garden?) e ainda não estou convencido. A Lucy (Opera Obsession) tem uma opinião completamente diferente em relação à encenação e dá a entender que Opolais é prejudicada pelas gravações, sendo muito mais interessante ao vivo. Como disse, não vi e acho que não perdi grande coisa; acho que as distorções do HD são demasiadas tal como são e já não vou lá há 3 anos em parte por causa disso.

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