Com os habituais agradecimentos, publicamos mais um texto de José António Miranda.
IPHIGÉNIE EN TAURIDE (Christoph Willibald Gluck)
Ópera em quatro Actos
(1779)
Libreto de Nicolas-François
Guillard, segundo a tragédia Ifigénia entre os Tauros, de Eurípides.
Direcção Musical: David
Peter Bates
Encenação: James Darrah
Cenografia: Emily MacDonald
e Cameron J Mock
Roupas: Chrisi Karvonides-Dushenko
Luzes: Emily MacDonald e
Cameron J Mock
Iphigénie: Alexandra
Deshorties
Thoas: John Moore
Oreste: William Berger
Pylade: Colin Ainsworth
1ª Sacerdotisa: Sónia
Alcobaça
2ª Sacerdotisa: Maria Luísa
Tavares
Sacerdote: Carlos Pedro
Santos
Um cita: Carlos Silva
Diane: Filipa Louceiro
Orquestra Sinfónica
Portuguesa
Coro do Teatro Nacional de
São Carlos Dir: Giovanni Andreoli
Produção: Teatro Nacional
de São Carlos (Lisboa) (2016)
Um simples dispositivo
cénico em forma de semi-círculo, delimitado por altas paredes providas de
janelas ou despidas, paredes essas segmentadas verticalmente por colunas e em
cuja base se dispõem cadeiras como num cadeiral em anfiteatro, permitiu
apresentar a ópera de Gluck de um modo solene e austero, plenamente concordante
com a também austera gravidade da tragédia que o libreto nos relata.
A colocação no centro do
tablado de um altar sacrificial apenas assinalado pela vasta mancha hemática
que as sacerdotisas repetidamente lavam, bem como a distribuição do coro pelo
referido cadeiral, acentuam o carácter intemporal da narrativa.
Nem sequer seria necessário
representar de modo mais ou menos abstracto, como se fez, o grande cenário
astral que evolui no fundo sobre o horizonte, para que toda a dimensão simbólica
da história surgisse acentuada.
Para tal bastam as roupas,
de traça singela e gama cromática que vai do negro de Thoas ao branco de
Diane, com o vermelho de Ifigénia e os tons terra de Pílades e Orestes a
destacarem-se contra os cinzentos e azuis dos restantes protagonistas.
E a iluminação, cuja
qualidade é francamente superior ao que é habitual ver neste palco, realça
singularmente aquela dimensão, introduzindo na solenidade ambiente um marcado
traço expressivo.
Para completar este
conjunto de intervenções da equipa responsável pela encenação, a coreografia
adoptada para cantores e coro é também ela tributária do mesmo desígnio global,
singela e discretamente austera.
Não se vê bailado no
sentido estrito do termo, não há em todo o caso bailarinos da companhia do
teatro (aparentemente a OPART não funciona a este nível), mas nota-se que a
vertente expressiva foi particularmente trabalhada ao nível de todos os actores
em palco, com particular cuidado nos solistas e no grupo de vítimas do templo.
Sob o ponto de vista
interpretativo vocal Alexandra Deshorties destaca-se naturalmente dos restantes
protagonistas, mas revelou sob o ponto de vista técnico alguma falta de
controlo da emissão fora do registo médio.
O coro, chamado nesta obra
a uma importante participação cénica, mostrou na vertente vocal a debilidade
resultante da sua condição actual. A orquestra, sob a laboriosa direcção de
David Peter Bates foi muito melhor do que seria de esperar no contexto actual.
E portanto, apesar das
fragilidades e desacertos existentes, o todo resultou num espectáculo muito
agradável, a revelar que a equipa do teatro começa lentamente a arrancar da
situação de quase imobilidade que tem vivido nos tempos mais recentes, situação
esta que ajudará seguramente a explicar o porquê da sala estar apenas meio
cheia nesta noite.
José António Miranda
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