segunda-feira, 18 de maio de 2015

TRÊS EQUÍVOCOS FATAIS ASSOCIADOS À PROJECÇÃO DE 2001 ODISSEIA NO ESPAÇO (S.KUBRICK) NA FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN


José António Miranda deixou este comentário no blogue. Contudo, dada a sua revelância e qualidade, os Fanáticos da Ópera decidiram publicá-lo como um texto autónomo. Obrigado José António Miranda!

Também estive presente no dia 7 de Maio na Fundação Calouste Gulbenkian, mas por se não tratar de ópera não esperava encontrar no nosso blog notícia do espectáculo. Porém a apreciação publicada leva-me a intervir também, até porque concordo totalmente com a opinião de Fanático_Um quando diz que “estava à espera de ficar mais impressionado, o que não aconteceu devido à projecção simultânea do filme, o que distraiu a concentração na música”.


Não me parece porém que o problema tenha residido no facto de se ter executado música simultaneamente com a projecção do filme. Afinal essa deveria ter sido a principal mais-valia do espectáculo ! As razões pelas quais me senti também defraudado, por comparação com a experiência original de visão do filme, e que sustentam a minha opinião de que se tratou de um espectáculo frustrado nos seus objectivos, são três equívocos subjacentes ao modo como tudo se desenrolou. 


1. O espectáculo foi anunciado como um “concerto para cinema e orquestra” (em rigor deveria ser para cinema, orquestra e coro). Quem diz cinema diz projecção de imagens numa sala às escuras, não diz televisão, que pode ser vista numa sala com luz. Ora a colocação da orquestra e do coro no palco, muito próximos do ecran onde o filme foi projectado, determinou que este fosse permanentemente banhado por uma luminosidade difusa, a luz reflectida das estantes dos músicos. A situação agravou-se pelo facto de o lugar do maestro ter sido exuberantemente iluminado, de modo aliás completamente desnecessário.

Se nas sequências de interiores este pormenor não teria muita importância, nas belíssimas sequências no espaço, com um fundo negro pontuado de milhões de astros luminosos dando a ilusão de uma infinita profundidade, esta circunstância foi fatal: a ilusão perdeu-se por completo, o negro nunca existiu, o céu foi o de uma noite de lua cheia numa cidade cheia de luz.


2. Embora anunciado como “concerto para cinema e orquestra”, o verdadeiro grande intérprete da noite foi apenas o cinema. A orquestra e o coro, na sua maior parte colocados no palco em condições de poder ver o filme, passaram assim também a ser espectadores deste. E naturalmente os seus desempenhos, particularmente a nível expressivo, foram muito prejudicados.
O maestro cumpriu com geral efectividade a difícil tarefa de sincronização com as imagens, dos músicos com elas distraídos, mas não mais. Para ele e para os executantes o apelo irresistível daquelas foi fatal, e sentiu-se.

A agravar este facto não podemos esquecer que a memória auditiva do filme se refere a gravações de referência por grandes orquestras mundiais, a Wiener Philharmoniker, a Berliner Philharmoniker, a Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks, a Filarmónica de Leninegrado, e nenhuma orquestra distraída a ver filmes pode competir com isso.


3. Finalmente o “concerto para cinema e orquestra” sofreu também de um problema técnico equivalente ao de uma pequena desafinação acústica num músico, mas aqui na área visual, que é a do cinema. 
A projecção não foi perfeita sob o ponto de vista técnico, não sei se por deficiente focagem fina, se por inadequada definição do suporte ou problema do projector. As imagens não tiveram a nitidez e precisão que de facto têm no original, e isso foi evidente sobretudo nas sequências de evolução dos vários engenhos espaciais, onde o problema de luminosidade referido acima tudo agravou.


Perderam-se assim completamente os belíssimos efeitos de luz e sombra rigorosamente desenhados em detalhe nos modelos das naves pela iluminação, e tudo apareceu como desenhado num ecran de computador de má definição.

A poesia e a música existentes nas imagens do filme estiveram assim ausentes do concerto na FCG.
Não admira pois que também eu tenha ficado menos bem impressionado com ele.

José António Miranda 15/05/2015

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