(Review in English below)
(imagens do site do Gran Teatre del Liceo; fotos de camo.opera)
Assisti à ópera Così fan tutte, ossia La scuola
degli amanti de Wolfgang Amadeus
Mozart. Trata-se de uma ópera estreada em 1790 no Burgtheater de Viena e a
última da colaboração do compositor com o libretista Lorenzo da Ponte.
A ópera trata do amor e da
fidelidade. Fá-lo com recurso a um libreto dotado de múltiplas simetrias na
construção das personagens e das cenas e que, em forma de comédia, tenta
mostrar como o amor é efémero e a fidelidade das mulheres como a Fénix: que
existiu todos dizem, mas ninguém sabe onde está.
Fá-lo com recurso a um
conjunto de peripécias tão inverosímeis que todo o trágico-cómico que se possa
tentar vislumbrar desaparece, para se centrar apenas na comédia e no absurdo.
A
moralidade existente nas duas anteriores colaborações com da Ponte também
desaparece para dar lugar a uma aceitação do status quo, o que fez com que esta
ópera não tivesse, à época, conhecido o mesmo sucesso das anteriores. Não nos
podemos esquecer que da Ponte tinha uma amizade estreita com Giacomo
Casanova...
A produção de Damiano Michieletto foi estreada no Teatro La Fenice (Veneza). No meu ver, foi o ponto mais forte da
récita. Coloca a acção no tempo actual e transporta-nos para um hotel de luxo e
bem decorado.
Don Alfonso é o
gerente do hotel: quase omnipresente, manipula os seus hóspedes para provar a
sua teoria. Apresenta-se quase sempre com o seu copo de whisky na mão e é, por
natureza, um sedutor, o que vai de encontro à sua desculpabilização (racional?)
da volubilidade do amor e, consequentemente, da fidelidade. Despina é uma empregada de hotel
despachada e atrevida, sempre num jogo de sedução com o gerente, e com espírito «aberto» (seja lá o que isso
for...).
As irmãs Fordiligi e Dorabella (muito histriónicas) são
duas hóspedes mais do hotel que estão apaixonadas por Guglielmo e Ferrando,
também eles hóspedes. O encenador acaba, depois, por transformar os dois jovens
em bonacheirões e divertidos bacanos (perdoem-me a expressão) que se vestem com
camisas havaianas e que tentam a todo o custo seduzir as irmãs abandonadas pelo
“fabricado” funesto destino. Queriam provar a Don Alfonso a constância das suas
namoradas, mas, ao contrário do que era a sua crença, estas rapidamente se
transformam na famigerada Fénix e voam para outros braços, esfumando-se as juras de amor
eterno (lá está: já alguém viu a Fénix?).
As cenas desenrolam-se sempre nos
espaços do hotel: com recurso a uma plataforma circular, as cenas sucedem-se
com excelente fluidez entre o lobby, o quarto, o corredor e o bar. E há sempre
uma cadeirão (fora da plataforma) que vai servindo de apoio à acção aqui e ali.
A comicidade foi sempre muito bem conseguida, com particular evidência na cena
2 do II acto: passa-se no bar do hotel e os “havaianos” cantam um karaoke em ritmo de festa e todos dançam
qual discoteca (a serenata é doutros tempos!). Este karaoke levou a uma ligeira alteração de estilo de canto para um
registo mais pop, o que se aceita
tendo em conta a naturalidade da acção proposta. De notar a constante inconstância (passe
o paradoxo) no par de casais: Don Alfonso tinha de esforçar-se para que os
disfarçados não seduzissem as suas companheiras iniciais, o que me pareceu
interessante. A realçar a constância masculina contrastante com a feminina... Também o final tem uma interpretação diferente: é certo que
aceitam a sua sorte, mas as 6 personagens terminam cada uma para seu lado e
claramente abatidas. Uns ficam com as certezas que tinham, outros com a desilusão dos
torvelinhos (inevitáveis) da vida.
A Orquestra
Simfònica foi dirigida por Josep
Pons. Adoptou um ritmo lento (demorou 3h!) o que por um lado favoreceu os
cantores, mas por outro perdeu o frenesim mozartiano e alguma da sua beleza. A interpretação foi harmoniosa, sem desencontros evidentes e em sintonia com os cantores, mas a denotar pouco entendimento (ou processamento) do repertório. O Coro
teve uma prestação apenas regular.
O trio masculino esteve melhor.
Don Alfonso de Pietro Sapgnoli teve
bastante qualidade. A voz é talvez um pouco grave para o papel e não demasiado mozartiana, mas a sua capacidade
interpretativa veio ao de cima, sendo, na minha opinião, o melhor da noite. Joel Prieto foi um Ferrando em
crescendo vocal e decrescendo interpretativo. A voz é bonita, mas não destaca,
e as qualidades enquanto intérprete ainda têm de ser trabalhadas. Quando sabe
que é traído, mais parecia que estava a beber vermute... A ária Una aura amorosa correu bem, bem como Ah,
lo veggio, quell’anima bella, mas não conseguiu surpreender. Será um tenor razoável, mas não creio que chegará a papéis dramáticos que exijam uma voz maior. Joan Martín-Royo foi um Guglielmo de
voz segura e divertido, mas não foi de encher o ouvido. Esteve bem na sua ária Donne mie, la fate a tanti.
O trio feminino esteve bem na generalidade,
mas foi mais fraco. A Despina de Sabina
Puértolas teve uma excelente presença em palco, mas não foi especialmente
divertida no aspecto vocal, não dando as múltiplas nuances vocais que se esperam neste papel.
Dorabella foi Maite Beaumont:
pareceu-me que era a que tinha o timbre mais agradável e a voz mais equilibrada das
três, mas perdia por pouca potência. Interpretativamente não foi fantástica e
acabou por se destacar menos do que as colegas. Por fim, Fiordiligi foi Juliane Banse: tem uma voz potente e boa capacidade interpretativa,
mas o seu registo mais agudo é um pouco estridente e, por vezes, ataca as notas
de forma mais agreste, não tendo apresentado a coloratura para as partes mais
exigentes.
O sexteto de cantores teve, pois, uma
prestação globalmente homogénea, mas ninguém conseguiu brilhar. E o público
exigente de Barcelona fê-lo notar com aplausos pouco efusivos.
No fim de contas: bom espectáculo, mas não
memorável, em que se destaca a encenação.
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(Review in English)
I attended the opera Così
fan tutte, ossia La Scuola degli amanti of Wolfgang Amadeus Mozart. It is an opera premiered in 1790 at the
Burgtheater in Vienna and the last of the composer's collaboration with the
librettist Lorenzo da Ponte.
The opera deals with love and
faithfulness. It does so using a libretto endowed with multiple symmetries in
the construction of the characters and the scenes and that, in comedy form,
tries to show how love is ephemeral and fidelity of women as the phoenix: that
existed all say, but no one have seen it. It does so using a set of stories as
improbable that the whole tragic-comic that you can try to envision disappears,
focusing only on comedy and absurdity. The existing morality in the two
previous collaborations with da Ponte also disappears to make way for an
acceptance of the status quo, which has made this opera had not, at the time,
the same success of the previous. We cannot forget that the da Ponte had a
close friendship with Giacomo Casanova...
The production of Damiano Michieletto was premiered at La Fenice (Venice). In my view, it was
the strongest aspect of the recital. Places the action in the present time and
transports us to a luxury hotel, beautifully decorated. Don Alfonso is the hotel manager: almost ubiquitous, handles guests
to prove their theory. He is presented almost always with his whiskey glass in
hand and is, by nature, a seductive, which runs counter to its (rational?) excuse
of the fickleness of love and consequently fidelity. Despina is a hotel maid always playing seduction and an open-spirit
(whatever that is...). The sisters Dorabella
and Fordiligi (very histrionic) are
two more guests of the hotel that are in love with Guglielmo and Ferrando,
they also guests. The director just then by turning the two good-spirited and
entertaining young fellas who dress in Hawaiian shirts and trying at all costs
to seduce the sisters abandoned by the "manufactured" evil destiny.
They wanted to prove to Don Alfonso constancy of their girlfriends, but,
contrary to what was their belief, they quickly turn into Phoenix and fly to
other arms, breaking their vows of eternal love (here it is: has anyone ever
seen phoenix?). The scenes unfold always in the hotel spaces: using a circular
platform, the scenes follow one another with great fluidity between the lobby,
the room, the hall and the bar. And there is always a chair (off the platform)
that will serve as support for the action here and there. The comic was always
very well done, with special emphasis on the scene 2 of act II: is set in the
hotel bar and the "Hawaiian" sing a karaoke party in rhythm and
everyone dance in disco style (the serenade is of older times!). This led to a
slight change in singing style to a more pop register, which is accepted in
view of the ease of the action. Note the constant inconstancy in the pair of
couples: Don Alfonso had to strive for that disguised not seduced their early
companions, which seemed to me interesting. Also the end has a different
interpretation: it is certain that accept their fate, but ends with each of the
6 characters to his side and clearly slaughtered. One with the certainties they
had, others with the disillusionment of (inevitable) eddies of life.
Josep Pons directed the Orchestra Simfònica.
He adopted a slow pace (it took 3 hours!). On the one hand it favored the singers
and on the other lost some of Mozartian frenzy. The interpretation has always
been harmonious and cared and there was harmony with singers. He was generally
well without transcended. The Choir
had only a regular performance.
The male trio looked better.
Don Alfonso of Pietro Sapgnoli had
enough quality. The voice is excellent for the role and his interpretative
ability came to the fore, and, in my opinion, he was the best of the evening. Joel Prieto was a Ferrando in vocal crescendo
and interpretation decrescendo. The voice is beautiful, but not outstanding,
and qualities as an interpreter have yet to be worked. When he realizes that
was betrayed, he looked like he was drinking vermouth... The aria Una aura amorosa went well, as well as Ah, lo veggio, quell’anima bella. Joan Martín-Rojo was a secure and fun Guglielmo, but despite a good
mozartian timbre he did not reach to captive too much the audience. He was
right in aria Donne mie, la fate a tanti.
The female trio was good in
general, but was weaker. The Despina of Sabina
Puértolas had an excellent stage presence, but she was not particularly funny
or given the multiple vocal nuances we expected in this role. Dorabella was Maite Beaumont who seemed to me that
was the one that had the most pleasant timbre and the most balanced voice of
the three, although not very powerful. Interpretively she was not fantastic and
eventually stands out less the other colleagues. Finally, Juliane Banse was Fiordiligi: has a powerful voice and good
interpretive ability, but her most high register is a little raucous and
sometimes attacks the notes in a harsher way and did not submit the coloratura
for the most demanding parts.
The sextet of singers had therefore
a globally uniform performance, but no one could shine. And the demanding
public of Barcelona made it notice with little effusive applause.
After all: good operatic
recital, but not memorable, in which I highlight the staging.
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