sexta-feira, 13 de março de 2015

ESTER , Teatro São Luiz, Lisboa, 6 de Março de 2015

(Fotografia de José Frade)

Texto de José António Miranda

Música de António Leal Moreira (Ester), Diogo Dias Melgás (Lamentação de Quinta-Feira Santa) e Sara Ross (Alentos)
Textos de Gaetano Martinelli (libreto da oratória Ester) e autor anónimo (Livro das Lamentações, Bíblia)

Direcção musical:  Jan Wierzba
Direcção teatral: Luca Aprea
Cenografia: Luca Aprea e Stefano Riva
Roupas: José António Tenente
Luzes: Miguel Cruz
Assuero: Carolina Figueiredo
Ester: Patrycja Gabrel
Aman: Pedro Cachado
Mardocheo: Manuel Brás da Costa
Harbona: Rita Marques
Athach: Pedro Matos

Orquestra do Estúdio de Ópera da Escola Superior de Música de Lisboa
Coro do Estúdio de Ópera da Escola Superior de Música de Lisboa (Dir coro: Clara Alcobia Coelho)
Cravo: Joana Bagulho
Produção: Escola Superior de Música de Lisboa (ESML)
Co-produção: São Luiz Teatro Municipal (Lisboa), IPL

                                                 (Fotografia de José Frade)

Uma proposta inteligente e belíssima e uma demonstração de que não é necessário mobilizar grandes recursos para encenar e apresentar um espectáculo lírico de qualidade muito superior àquela que tem em geral sido patenteada nos últimos tempos no TNSC.
Simultaneamente o espectáculo revela a sensibilidade cosmopolita da direcção artística do Estúdio de Ópera da ESML (Nicholas McNair): a ideia subjacente à sua concepção, a de juntar num único objecto cénico obras de diferentes contextos e épocas, tem como exemplos recentes William Christie/Phelim McDermott no MET em 2012 (The enchanted Island), Teodor Currentzis/Peter Sellars no Teatro Real em 2013 (The Indian Queen), Carlos Mena/Joan Antón Rechi na Zarzuela em 2014 (De lo humano…y divino).

                                                 (Fotografia de José Frade)

Um simplicíssimo dispositivo cénico rotativo serve aqui de cenário para a exposição da oratória de Leal Moreira, sendo os textos bíblicos da Lamentação de Melgás apresentados por um coro de ajudantes de cena/espectadores, que de algum modo funcionam por vezes também como intérpretes cénicos da música de Sara Ross.
Esta música, fragmentos de atonalidade que pontuam todo o espectáculo, funciona à perfeição como argamassa unificadora, ao mesmo tempo que acentua por contraste as diversidades musicais e as semelhanças narrativas das duas obras representadas.

Inteligência e sensibilidade reunidas obtiveram portanto como resultante um espectáculo de grande qualidade. A preparação cénica dos cantores foi patente demonstrando um minucioso trabalho de direcção.

                                            (Fotografia de José Frade)

O desempenho vocal dos solistas foi globalmente de grande mérito, com particular realce para as intervenções de Carolina Figueiredo, Rita Marques e Manuel Brás da Costa: um grupo de jovens cantores que poderia sem problemas apresentar-se neste reportório em outros palcos.

O coro ultrapassou muito bem as dificuldades da polifonia barroca. Especialmente brilhante foi a orquestra, que mostrou uma qualidade interpretativa ímpar indiciando seguramente um cuidadoso labor de preparação, mas reveladora sobretudo do rigor e da sensibilidade da direcção de Jan Wierzba.

E assim se pode ver também aqui uma clara explicitação da habitual realidade doméstica: tem de ser um palco lírico secundário o local de apresentação para um público em geral menos informado de um espectáculo de maior qualidade produzido entre nós, enquanto que ao lado (TNSC), na cena lírica principal se exibem para um público (por ora ainda) mais conhecedor espectáculos importados de menor valia.

                                              (Fotografia de José Frade)

A habitual alternativa secular para os nossos melhores protagonistas continua a ser a emigração, agora de forma explícita incentivada.


José António Miranda,   09/03/2015

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