Texto de José
António Miranda
DON GIOVANNI (Wolfgang Amadeus
Mozart), ópera em dois Actos, libreto de Lorenzo Da Ponte.
Direcção musical: Pedro
Amaral
Direcção cénica: Jorge
Vaz de Carvalho
Roupas: José
António Tenente
Don Giovanni: Jorge
Martins
Leporello: José
Corvelo
Donna Anna: Alexandra
Bernardo
Donna Elvira: Catarina
Archer
Don Octavio: Carlos
Monteiro
Zerlina: Camila
Mandillo
Masetto/Il Commendatore: André Henriques
Orquestra
Metropolitana de Lisboa
Coro Lisboa Cantat
Dir: Jorge Carvalho Alves
Cravo: Joana
Barata
Produção: Ateliê de Ópera da Metropolitana
Uma surpreendente proeza esta, a de conseguir
apresentar a ópera de Mozart numa auto-denominada "versão
semi-cénica" sem cair na palhaçada de mau gosto em que frequentemente
estas apresentações híbridas se transformam.
Pelo contrário, o que vimos no espaço cenográfico do
Teatro Thalia (porque em rigor do seu palco à italiana o que resta é o espaço)
foi um belíssimo espectáculo que poderia sem problema ser apresentado em
qualquer um dos nossos teatros líricos sem envergonhar os seus autores. O
mérito é antes de mais de Vaz de Carvalho.
A ausência de cenários, de adereços e de maquinaria
cénica ou de trabalho da luz, a orquestra ocupando a quase totalidade da zona
central do espaço cénico deixando apenas para os cantores uma estreita faixa
junto do proscénio, todos estes factores não transformaram o espectáculo numa
versão de concerto de uma ópera.
Graças ao cuidadoso trabalho de actores, através da
inteligente utilização dos únicos recursos disponíveis (vocais, corporais e
espaciais) antes assistimos àquilo que poderemos denominar como uma ópera
apresentada numa opção cénica minimalista, teatro lírico sem dúvida.
A qualidade global do espectáculo foi claramente
superior à de apresentações do mesmo tipo recentemente vistas no São Carlos ou
no auditório da Fundação Gulbenkian, e isso é também verdade mesmo quando as
analisamos sob o ponto de vista estritamente técnico vocal.
Os solistas em cena, na sua maioria participantes no
denominado Ateliê de Ópera da Metropolitana (infelizmente por aquelas bandas
não se conhece a tradução portuguesa do francês atelier),
foram profissionais esforçados até ao limite das suas capacidades e demonstraram
em geral um considerável domínio técnico dos seus instrumentos vocais.
Devo realçar em particular a magnífica actuação vocal
de Alexandra Bernardo (Donna Anna) e
o perfeito desempenho global de José
Corvelo (Leporello).
À uniformidade qualitativa dos solistas e coro, também
ele muito bem, correspondeu no entanto um desempenho de menor qualidade por
parte da orquestra. Provavelmente o facto de ter à sua frente todo o
espectáculo terá contribuído para uma menor concentração dos músicos, e a
sonoridade global terá sido por isso prejudicada sobretudo a nível da
expressividade dinâmica.
Por outro lado, a posição do maestro, com os cantores
fora do seu campo de visão na maior parte do tempo, poderá parcialmente
explicar alguns desacertos momentâneos, ou mesmo a opção por um tempo algo
arrastado que foi patente nalguns momentos.
No entanto, e apesar do cansaço visível em todos como
resultante de o início do espectáculo ter sido erradamente programado para uma
hora tardia, a minha sensação ao sair da sala na madrugada de domingo era a de
ter mais uma vez tido a oportunidade de verificar que, apesar das malfeitorias
a que nos últimos tempos tem sistematicamente sido submetida, a cena operática
doméstica está viva e plena de valores que importa acarinhar.
Sem esse cuidado, que depende muito menos do que
parece dos recursos materiais, mas sobretudo de muito mais inteligência do que
a que vemos em acção, teremos inevitavelmente a repetição do tradicional
cenário de fuga para o estrangeiro para os novos valores que despontam.
E como resultado óbvio de tal fatalidade, a
persistência doméstica de um público envelhecido e satisfeito no seu
provincianismo, que não consegue renovar-se senão marginalmente.
E de facto, como se compreende senão por grosseira
falta de visão, que este espectáculo tenha sido programado para o mesmo dia e
hora em que, no Teatro São Luiz era apresentado o excelente trabalho do Estúdio
de Ópera da Escola Superior de Música de Lisboa. Haja deus!
José António Miranda 09/03/2015