(Review in English below)
Paul
McCreesh, maestro titular da FCG a partir da próxima temporada, dirigiu a
"sua" orquestra num programa variado que incluía a muito esperada
interpretação do Requiem de Mozart.
A primeira composição ouvida foi a Sinfonia n.º 8, em Si menor, D.759,
"Incompleta", composta por Franz
Schubert em 1822. A sua composição foi abandonada em 1823 (apesar de o
compositor ter esboçado os restantes dois andamentos) e teve a sua estreia em
1865, 37 anos após a morte do compositor. Embora inacabada, a obra revela
elementos dramáticos do período romântico, mantendo-se uma peça frequentemente
interpretada e que nos foi apresentada com qualidade.
Seguiu-se música sacra de Igor Stravinsky: Missa. Foi composta entre 1844 e 48 e teve estreia
em Milão. Baseada em textos bíblicos católicos, esta obra surge num período em
que o compositor já vivia nos Estados Unidos e passava por um novo momento
criativo e de particular interesse na obra de Mozart. A obra reforça a
originalidade da composição do russo e é de extremo interesse no panorama da
música sacra do século XX. Foi composta para coro e orquestra de sopros e a sua
interpretação foi regular.
O Requiem em
Ré menor, K. 626, de Wolfgang
Amadeus Mozart, foi composto em 1791, ano em que o compositor viria a
falecer. Esta obra é de uma genialidade ímpar, reveladora da inspiração
sobrenatral de um compositor que apenas pecou por ter falecido com apenas 35
anos, privando-nos da sua música gloriosa. A sua obra é reveladora de um
talento sem igual e o seu Requiem é (e sempre será) o maior marco da música
sacra da humanidade. A irrefutabilidade de Deus pode ser argumentada com esta
composição, porque é muito provável que seja a sua voz que se ouve.
Mozart concluiu a Sequentia do Requiem com
Lacrimosa. A partir daí, apenas deixou esboços para a conclusão de toda a obra,
havendo vários compositores que tiveram a "ousadia" de concluir o
trabalho do Mestre. A mais conhecida é a de Franz Süssmayr, mas Paul McCreesh
optou pela de Robert Levin e justifica-se: " A versão do Requiem de Mozart
que hoje melhor conhecemos é de Franz Süssmayr. Não há dúvida de que este
compositor era próximo de Mozart, mas numa análise mais cuidadosa, percebemos
que o seu trabalho de conclusão é desajeitado no que diz respeito à estrutura
composicional e à orquestração. Durante pelo menos um quarto de século os
estudiosos disponibilizaram várias conclusões alternativas, baseadas no
autógrafo incompleto de Mozart, nos seus esboços, nas cópias sobreviventes, na
sua técnica de composição e na sua orquestração original. A versão desta noite,
de Robert Levin, é, na minha opinião, a mais bem sucedida até hoje. Em Levin
encontramos não só uma mente musicológica brilhante, mas também uma apurada
compreensão do estilo mozartiano a partir do seu trabalho como intérprete do
pianoforte. Mais percetível para o ouvinte será uma extensa fuga no fim do
Lacrimosa (sobre um tema sugerido por Mozart) e substanciais rearranjos do
material musical no Lacrimosa, no Sanctus e no Benedictus. A orquestração
parece respirar num espírito mais próximo das outras obras de Mozart".
No meu entender, foi uma das minhas maiores
desilusões na FCG. O Introitus, Kyrie e toda a Sequentia foram interpretados
por Paul McCreesh a uma velocidade
alucinante, nada melodiosa ou dramática. Os solistas não estiveram bem: o
soprano (Susan Gritton)
apresentou-se com uma voz áspera, dificuldades na projecção e dicção; o
meio-soprano (Monia Groop) tinha uma
voz agradável e teve uma interpretação muito condicionada; o tenor (Andrew Staples) foi o melhor elemento
solista com um timbre adequado; e o barítono (Jonathan Lemalu) não tem voz para o papel: o seu Tuba mirum foi
péssimo. O coro, sobretudo os elementos femininos, tiveram dificuldades nos
agudos e creio ter visto a sua interpretação muito diminuída por uma velocidade
inacreditável. Quando começou a Lacrimosa pensei que ia melhorar, mas não. E
aqui surge Robert Levin: o Amen
final da Sequentia perde em beleza e poder; o Sanctus é menorizado; o Lux
aeterna e Cum sanctis tuis são cópias do Introitus e Kyrie. Mozart, nesta
versão, foi antiquado, desdramatizado, chocantemente trivializado. Em conversa
com um amigo que trazia o filho de 8 ou 9 anos, ele concluiu: “No final, tive
de explicar ao meu filho o que era um Requiem...”. Sem mais comentários.
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(Review in English)
Paul
McCreesh, conductor of the FCG Orchestra
from next season, drove "his" orchestra in a varied program that
included the awaited interpretation of Mozart's Requiem.
The first composition heard
was the Symphony no. 8 in B Minor,
D.759, "Incomplete", composed by Franz Schubert in 1822. Its composition was abandoned in 1823
(although the composer outlined the remaining two movements) and had its
premiere in 1865, 37 years after the composer's death. Although unfinished, the
work reveals dramatic elements of the romantic period, keeping often
interpreted. It was presented to us with quality.
It was followed by sacred
music of Igor Stravinsky: Missa. It
was composed between 1844 and 48, and premiered in Milan. Based on Catholic
biblical texts, this book comes at a time when the composer was already living
in the United States and was on a new creative moment and of particular
interest in the works of Mozart. The work reinforces the composing process originality
of Russian and is of extreme interest in the panorama of twentieth-century
sacred music. It was composed for chorus and wind orchestra and its
interpretation was merely regular.
The Requiem in D minor, K. 626, by Wolfgang
Amadeus Mozart was composed in 1791, the year in which the composer died.
This work is of unparalleled genius, revealing the divine inspiration of a
composer who only sinned by having died with only 35 years, depriving us of its
glorious music. His work reveals a unique talent and his Requiem is (and always
will be) a major landmark of sacred music of humanity. The cogency of God can
be reasoned with this composition, because it is very likely to be God’s voice
that we hear.
Mozart finished the Requiem
with Sequentia - Lacrimosa. From there, just leave blanks for the completion of
the entire work. There were several composers who had the "audacity"
to complete the Master's work. The best known is that of Franz Süssmayr, but Paul McCreesh opted by Robert Levin’s and
justified himself: "The version of Mozart's Requiem which today is better
known is that by Franz Süssmayr. Undoubtedly, this composer was close to
Mozart, but with a more careful analysis, we realize that his work is of clumsy
conclusion with regard to the compositional structure and orchestration. During
at least a quarter-century scholars have provided several alternative
conclusions based on incomplete autograph of Mozart, in his sketches and
surviving copies in its compositional technique and in its original
orchestration. Tonight version by Robert Levin is, in my opinion, the most
successful to date. Levin his not only a brilliant musicological mind, but also
an accurate understanding of the Mozartian style mostly by his work as a
pianoforte interpreter. More perceptive listener will be an extensive trail at
the end of the Lacrimosa (on a theme suggested by Mozart) and substantial
rearrangements of the musical material in the Lacrimosa, the Sanctus and
Benedictus. Orchestration seems to breathe a spirit closer to the other works
of Mozart. "
In my view, it was one of my
biggest disappointments in FCG. The Introitus, Kyrie and Sequentia were all
interpreted by Paul McCreesh at a
breakneck speed, nothing dramatic or melodious. The soloists were not well: the
soprano (Susan Gritton) presented
with a gruff voice, bad diction and projection difficulties; the mezzo-soprano
(Monia Groop) had a pleasant voice
and had a very conditionated interpretation; tenor (Andrew Staples) was the best soloist element with an appropriate timbre;
and baritone (Jonathan Lemalu) has
no voice for the role: his Tuba Mirum was terrible. The chorus, especially the
feminine elements, struggled in the treble and I have seen its interpretation
greatly diminished by an unbelievable speed. When Lacrimosa began I thought it
would improve, but it does not occur. And here comes Robert Levin: Amen end of
the Sequentia loses in beauty and power, the Sanctus is diminished; Lux aeterna
and Cum sanctis Tuis are copies of Introitus and Kyrie. Mozart, in this
version, was antiquated, less dramatic, shockingly trivialized. In a conversation
with a friend who brought his child of 8 or 9 years old, he commented: "In
the end, I had to explain to my son what a Requiem is...". No more comments.
Caro camo_opera,
ResponderEliminarEstou fora de Lisboa e foi com grande pena que não pude assistir a uma das minhas obras musicais preferidas. Contudo, pelo que aqui escreve, ainda bem que não ouvi. Este Requiem com tempos acelerados fica, para mim, destituído de toda a sua grandiosidade espiritual, musical e quase sobre(humana). Também já ouvi outros maestros fazerem isso - em suma, destruí-lo!
Espero que não seja um mau presságio para o que a Orquestra Gulbenkian nos reserva no futuro, dirigida por este maestro com nome feito na praça.
Foi um concerto perturbante. Gostei muito do Schubert, pareceu-me boa a interpretação da Missa de Stravinsky (obra que desconhecia e que não me entusiasmou muito) e a versão do Requiem soou-me estranha. Pena os solistas terem sido fraquinhos, à excepção do tenor. Mas gostei de muitos momentos: o Rex! Quanto à velocidade estonteante, ainda não percebi se a estranheza que me causou foi boa ou má.
ResponderEliminarESPETACULAR!
ResponderEliminarPude "ouvir" o concerto e as análises críticas e históricas estão brilhantes1
Um abraço
Contactei pela primeira vez com McCreesh ontem à noite quando assisti ao concerto de Karita Mattila com a orquestra Gulbenkian e também não fiquei muito bem impressionado. A interpretação de "A morte de Manfred" de Luís de Freitas Branco pareceu-me desvitalizada, desprovida de qualquer espírito interpretativo, quase maquinalmente executada. Espero que as coisas melhorem no futuro!
ResponderEliminarCaro Cenayon,
EliminarNão tive oportunidade de ir ouvir o soprano Karita Mattila, com muita pena minha, uma vez que, no ano passado, pude assistir a um excelente concerto.
Quanto a McCreesh, espero bem que as coisas melhorem, uma vez que aquilo a que assisti e as opiniões (quase generalizada) que tenho ouvido, não me permitem perspectivar o futuro mais risonho. Mas, como ainda está numa fase de adaptação, há que não desmotivar.