sexta-feira, 13 de julho de 2012

DON GIOVANNI – Schiller Theater, Berlim – 6 Julho 2012


(review in english below)

Inicialmente anunciada como a mesma produção da abertura da Temporada do Scala de Milão, cedo se percebeu que Robert Carsen a adaptara excessivamente a este Teatro e que não funcionaria no Teatro Schiller em Berlim. E ainda bem porque a alternativa foi a excelente produção de Claus Guth de Salzburgo. 

A acção do Don Giovanni passa-se aqui numa floresta, com um Don que acaba por ser ferido com uma arma de fogo na luta com o Comendador e que vai desfalecendo ao longo da ópera, morrendo em choque hemorrágico no final da mesma, caíndo numa cova sepulcra cavada pelo fantasma do Comendador. Pelo meio, um Leporello com aspecto de dependência tóxica, uma paragem de autocarro à antiga, um automóvel, muitas latas de cerveja, numa encenação que nos envolve com uma noção de continuidade cénica que é dada pelo esquema rotativo do palco. É claro que algumas coisas funcionam menos bem e não se enquadram totalmente no texto mas são poucas e facilmente esquecidas quando tudo o resto é realmente inovador e concepcionalmente diferente do habitual – a marca de Guth.

Christopher Maltman foi um Don exímio. Vocalmente perfeito conseguiu também caracterizar, sem excessos, a evolução clínica da personagem até ao momento final da sua morte. Ficou patente a vasta experiência que tem nesta encenação. Apenas se esqueceu do início da letra no “Meta di voi qua vadano”.


Erwin Schrott faz um Leporello magnífico. Naturalidade cómica associada a uma plasticidade vocal impressionante são o que o melhor o define. Talvez pudesse ter dado um ar de maior pavor na cena do diálogo com a estátua do Comendador e no “Ah padron ciam tutti morti”, mas a estátua, feita de ramos finos e árvore, e a própria aparência natural do Comendador também não transmitiam muito temor...

Dorothea Roschmann foi sublime como Donna Elvira. Eu, pessoalmente, adoro a voz desta alta especialista mozartiana e derreto-me facilmente ao seu timbre.


Maria Bengtsson substituiu uma Anna Netrebko cansada e a desejar mais tempo útil com o filho Thiago. Compreende-se e aceita-se quando quem a substitui interpreta Donna Anna do modo como Bengtsson a interpretou. A voz é de uma beleza que se enquadra com a aparência física e a interpretação é fluente e expressiva, não faltando as nuances melosas exigidas nas suas arias.


Anna Prohaska, na sua aparente fragilidade física, tem vindo a afirmar-se como uma excelente nova revelação operática. Esteve muito bem como Zerlina e a sua voz é perfeita para Mozart.


Stefan Kocan foi também excelente como Masseto, com timbre agradável e muito rigoroso em termos interpretativos.


Guiseppe Filianoti tem tido maus períodos desde que me cativou na produção de Laurent Pelly do Elixir do Amor, em Londres e Paris. O seu Duque no Rigoletto do MET da temporada passada foi horrível, com marcadas falhas nos agudos. Neste Don voltou a ganhar o meu respeito, estando ao nível do que de ele se espera. Sem falhas, as árias “Dalla sua pace” e “Il mio tesoro” foram sublimes, de grande beleza.

Alexander Tsymbalyuk tem uma voz profunda e por isso perfeita para o papel de Comendador mas deixa transparecer um leve vibrato que me incomoda ligeiramente.


Daniel Barenboim esteve fantástico, esboçando sorrisos à interpretação de Schrott na ária do catálogo, conduzindo a orquestra com alegria. O som produzido foi terrífico, transmitindo certamente um deleite extrassensorial a todos, como a mim me proporcionou. Aponto-lhe só o mesmo que achei na transmissão televisiva do Don do Scala em Dezembro: o “Non ti fidar o misera” foi muito lento...


Um pormenor importante, e a primeira vez que vi acontecer, foi a ópera terminar com a morte de Don Giovanni, sem o componente moralizador final.


Esta récita é o exemplo clássico de como em Ópera tudo conta e uma encenação conceptualmente inovadora mas coerente pode, com vozes de grande nível (não necessariamente estrelas conhecidíssimas como aqui) podem tornar a Ópera num fascínio mesmo para aqueles que ainda não cederam a esta paixão.




DON GIOVANNI - Schiller Theater, Berlin - July 6, 2012


Initially billed as the same production that opened the season at La Scala in Milan, it quickly became apparent that Robert Carsen excessively adapted ideas to this opera house would not work in the Schiller Theater in Berlin. And thank goodness because the alternative was the excellent production from Salzburg by Claus Guth

The action of Don Giovanni is set in a forest, with a Don injured with a firearm in the fight with the Commendatore and will faint along the opera, dying in hemorrhagic shock at the end of it, falling in a grave dug by the ghost of the Commendatore. In between, a Leporello with toxic dependency, an old bus stop, a car, many cans of beer, a scenario that involves us with a sense of continuity which is given by scenic rotational stage. Of course, some things work less well and do not fit completely in the text but they are few and easily forgotten when everything else is really innovative and conceptionally different from the usual - the signature of Guth.

Christopher Maltman’s Don was superb. Vocally perfect, he was also capable of showing, without excesses, the clinical evolution of the character until the final moment of his death. It was shown that he has extensive experience in this production. Just forgot the beginning of the text in the "Meta di voi qua vadano."


Erwin Schrott makes a magnificent Leporello.. A natural comic sense associated with an impressive vocal plasticity are what best defines him. Maybe he could have given a more deep sense of fear at the scene of the dialogue with the statue of the Commendatore and in the passage "Ah padron siam tutti morti”,  but the statue, made of thin branches of tree, and the very natural look of the Commendatore also did not transmit a lot of fear ...

Dorothea Roschmann was sublime as Donna Elvira. I personally love the voice of this expert in Mozart and I melt ​​easily to the sound of her voice.


Maria Bengtsson replaced a tired and want more time with his son Thiago Anna Netrebko. This is understood and accepted when the substitute who plays Donna Anna does it like Maria Bengtsson did. The voice is of a beauty that fits with the physical appearance and the interpretation is fluent and expressive, without lacking the nuances required in her mellow arias.


Anna Prohaska, in her apparent physical frailty, has been asserting herself as a great new operatic revelation. She as a very good Zerlina and her voice is perfect for Mozart.


Stefan Kocan’s Masseto was excellent as well, with a nice tone and very strict in terms of interpretation.


Guiseppe Filianoti has had bad periods since he captivated me in Laurent Pelly's production of L’Elisir d’amore in London and Paris. His Duke in the Rigoletto at the MET last season was horrible, with marked high notes failure. In this Don he regained my respect, being at the expected level. Without faults, the arias "Dalla their pace" and "Il mio tesoro" were sublime, of great beauty.

Alexander Tsymbalyuk has a deep voice and so perfect for the role of the Commendatore but reveals a slight vibrato that bothers me a bit.


Daniel Barenboim was fantastic, drawing smiles at Schrott in his the interpretation of the catalog aria, conducting the orchestra with joy. The sound was terrific, certainly conveying extrasensory feelings to everyone as it did to me. I point you just the same I did regarding the Scala production: the "Non ti fidar o misera" was too much slow ...


An important detail, and the first time I saw it happen was that the opera ends with the death of Don Giovanni, without the final moralizing component.


This performance is the classic example of how everything counts in Opera and a conceptually innovative production but coherent one may, with high level voices (not necessarily stars like in here) can make Opera a fascination even for those who have not yet yielded to this passion .




8 comentários:

  1. I remember a review of the La Scala performance. I am glad this performance was exceptional.

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  2. Don Giovanni foi, sem dúvida, a ópera mais vezes vista e comentada pelos "Fanáticos" nesta temporada(e ainda falta o texto, também seu, da produção de Zurique).
    Também já vi esta encenação e confesso que não gostei. Mas os cantores são mais importantes e, neste caso, foram de grande qualidade.
    Como viu várias produções diferentes do Don Giovanni nesta temporada, lanço-lhe um repto. Depois de as comentar todas, qual seria, para si, o Don Giovanni ideal (com os cantores que estão "no activo")?

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  3. Pela descrição do wagner_fanatic, até me parece um conceito interessante, mas claro, conceitos são como as intenções, e na prática podem resultar ou não.

    Fico com vontade de ler a sua resposta ao repto do Fanático_Um.

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  4. Em Fevereiro vi, nesse mesmo teatro, As Bodas de Figaro, também dirigidas por Barenboim, também com Dorothea Röschmann (Condessa) e também com Anna Prohaska. De Röschmann gostei muito, já de Prohaska nada. Como Susanna achei-a muito fraquinha.

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  5. Curiosamente, a derradeira produção de Don Giovanni a que tive a oportunidade de assistir (Coliseu do Porto, com Luís Rodrigues no papel-titular) concluía, precisamente, com a morte do nobre dissoluto.

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  6. Ótima crônica!
    Por aqui o teatro Municipal do Rio de Janeiro está conquistando adeptos à ópera com um Rigoleto bem produzido...
    Um grande abraço

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  7. Wow I think this was a nice performance and production.

    My husband did a production of "Il Barbiere di Siviglia" of Claus Guth- a very funny one :),with insects (made in Basel(2005) and also in Leipzig)

    Oh,and we know very well Stefan Kocan,a very powerful voice as a bass,simply stunning-as my husband always told him,they worked together a couple of years at Basel Theater.

    Greetings!

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  8. Always nice to read ,your objective detailled info,mixed with a little personal touch.
    Abraço,Willy

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