sábado, 29 de outubro de 2011

IL GUARANY DOS PAMPAS GAÚCHOS, Theatro de São Pedro, São Paulo,Brasil, Outubro de 2011


Mais um texto de Ali Hassan Ayache, do Brasil, que muito enriquece este blogue. 
Em nome dos Fanáticos da Ópera, muito obrigado.

O imaginário popular pensa na ópera Il Guarany de Carlos Gomes como uma ópera genuinamente brasileira. Primeiro erro do povão é chamá-la de O Guarani, esse livro de José de Alencar que deu origem ao libreto. Sua abertura, popularizada pelo chatíssimo e por muitos anos obrigatório programa de rádio “A Voz do Brasil”, é conhecida pela maioria dos brasileiros e considerada por muitos como o segundo hino nacional. A verdade é única e cruel: Il Guarany é ópera italiana, cantada em italiano, adaptada ao gosto do romantismo italiano do século XIX, apresentada pela primeira vez na Itália no famoso teatro Scala de Milão. A única ligação da ópera com o Brasil é o tema, esse sim brasileiro.

Montada em diversos teatros nacionais e esquecida pelo resto do mundo, uma grande injustiça com Carlos Gomes. Compositor a altura e às vezes muito melhor que muitos italianos de sua geração. O Theatro São Pedro/SP apresentou no último dia 26/10/2011 mais uma versão da afamada ópera.


 Torci o nariz quando soube que o soprano Edna D’Oliveira iria interpretar a personagem Ceci. Conheço a cantora e imaginei sua voz inadequada a personagem. Quebrei a cara, o soprano conseguiu com seu belo timbre e uma técnica firme fazer uma grande Ceci. Agudos luminosos, quentes e uma emissão clara das notas foram o determinante. Coloraturas que exploram todas as nuances, muitas delas de baixo volume, mas de grande beleza. Um soprano que se superou, entendeu as dificuldades do texto, estudou e conseguiu dar grande credibilidade melódica a personagem.

Edna D'Oliveira

Marcello Vanucci é veterano como Peri, já o conhecia nesse personagem, Teatro Alfa /2000. Sua voz tem agudos brilhantes e consistentes. Sua técnica é excelente . Uma interpretação convincente, com grande qualidade do início ao fim da récita. Para Vanucci esse personagem é uma moleza, ele tira de letra. Inácio de Nono foi um Gonzáles mediano, sua voz não tem o brilho fundamental nos graves, muitas vezes soa agressiva e desigual.

Marcello Vanucci

A surpresa fica com Lício Bruno, seu Cacique esbanja potência na voz , escura e amedrontadora . Mostrou um vigor que empresta credibilidade ao personagem. Eduardo Janho-Abumrad fez um Don Antonio regular, com destaque na interpretação.
Cenários com painéis que reproduzem os locais onde se passa a ação . Apresentados em preto e branco : corretos, simples e funcionais. Fabulosos no terceiro ato, dando a impressão tridimensional. Unidos a uma bela iluminação, muitas vezes estática. A direção de João Malatian é arroz com feijão, básica e correta. Fez um Il Guarany simples, sem frescuras.

Os figurinos mostram aventureiros portugueses com roupas de inverno e trajes que lembram os conterrâneos gaúchos. Será que a ópera se nos pampas gaúchos? Será  o figurinista  gremista ou colorado? Só faltou o chimarrão. Trajes dos índios aimorés com desenhos geométricos, Peri usando uma longa bermuda cargo e as enormes galochas dos portugueses e espanhóis não convencem.
 
A Orquestra do Theatro São Pedro fez a famosa abertura (não é protofonia como dizem por aí) desigual, no decorrer da récita o maestro Roberto Duarte acertou a mão e tudo se harmonizou. O coro abriu o primeiro ato em total falta de sintonia entre as vozes, melhorou no segundo ato e foi primoroso no terceiro. O volume excessivamente alto incomodou em muitas passagens. A coreografia do balé esteve correta, passos modernos com um pequeno número de dançantes encheram o palco de magia.

Um Il Guarany de bom nível em quase todos os quesitos. Ópera montada com funcionalidade e pratica, sem as frescuras de muitos diretores que se dizem moderninhos. Que adoram inventar “conceitos” inexistentes (esses só existem em suas mentes). O Theatro São Pedro está montando um excelente repertório de óperas em seu acervo, destaco: Carmen, Don Pasquale e Il Guarany. Longa vida as óperas do Theatro São Pedro/SP.


Texto de Ali Hassan Ayache.


IL GUARANY, SEGUNDO ELENCO- THEATRO SÃO PEDRO/SP - 27/10/2011

SÓ FALTOU O CHIMARRÃO! IL GUARANY DOS PAMPAS GAÚCHOS.


 Uma récita nunca é igual à outra. Já vi cantores sofríveis em uma apresentação e bons em outra. Acontece sempre. A segunda noite da ópera Il Guarany de Carlos Gomes evidencia essa verdade. A vantagem de assistir ao mesmo espetáculo duas vezes (embora com elencos diferentes) é perceber alguns fatores que nos escapam à primeira vista.

Inexplicável é a luz azulada no teto do teatro, aparece como um fantasma na abertura e no quarto ato. Ao término da ópera , segundos antes de fechar as cortinas, desce uma cruz , simbolizando o nascimento do cristianismo no Brasil, ideia interessante. O traje dos índios Aimorés tem figuras geométricas, calças largas e umas máscaras que parecem ser  Zorro, tudo muito esquisito. A Orquestra do Theatro São Pedro melhorou na execução da abertura. O coro canta a toda voz, quarenta coristas fazendo isso encobrem a tudo e a todos, ensurdecem os jovens e acordam os vovôs .


  Os solistas foram desiguais, Nadja Souza fez uma Ceci jovem e inocente. Sua voz é leve, pequena e lírica. Defendeu as coloraturas com  dificuldades. Destaque para seu belo timbre, encanta aos ouvidos, penetra com maciez na alma e nos corações apaixonados. Um soprano que pode evoluir muito com o tempo.

O tenor  Rinaldo Leone continua como sempre, seu Peri tem agudos fracos compensados com gritos, timbre opaco e de difícil audição. Um grande corista, não um solista.

 Leonardo Páscoa interpretou bem  o personagem Gonzales, sua voz é robusta, com graves às vezes frios. Gustavo Lassen mostrou bela voz, encorpada, volumosa e brilhante, um bom Don Antônio. O papel do Cacique aimoré coube Jeller Felipe, bela interpretação cênica aliada a uma voz possante.

O Don Alvaro do tenor Gilberto Chaves mostrou , em sua pequena participação, um belo timbre com agudos fáceis e brilhantes. Apostaria nele para o papel de Peri, um jovem tenor que merece um papel maior nessa ópera.

Texto de Ali Hassan Ayache do blogue Ópera & Ballet.

2 comentários:

  1. Excelente crônica, deu para ver e ouvir um pouco da ópera. É um prazer visitar este blog - com os fanáticos trazendo o teatro para seus leitores.
    Um grande abraço

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  2. Thank you so much Ali. Never heard of this opera before. Now I'm listening it and like the romantic style and the profound compositional construction which isn't inferior to Verdi. Hope, this opera is staged more often in Germany.

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