(review in English below)
A nova produção da ópera Fidelio de Beethoven da Royal Opera tem encenação de Tobias Kratzer. A acção foi colocada no
período mais negro da revolução francesa e logo durante a abertura há
decapitações em massa. No primeiro acto os cenários são convencionais, a acção
passa-se no pátio da prisão. A casa do guarda prisional Rocco aparece vinda de
uma estrutura lateral, primeiro a sala, depois o quarto, para onde ele
encaminha a filha Marcelline e o Fidelio para terem relações. A entrada do Don
Pizarro é num belo cavalo. Os presos, quando lhes é permitida a vinda ao pátio,
estão descalços e bem caracterizados, de acordo com a situação. Até ao
intervalo, não sendo brilhante nem inovadora, a encenação é convencional e
vê-se bem.
Ao abrir a cortina para o 2º acto estão os elementos do
coro todos vestidos de negro, em trajos actuais, sentados em cadeiras em
semi-círculo, à volta de uma rocha onde está o Florestan preso por uma perna.
Em fundo, uma grande parede branca com uma porta a meio. E tudo se vai passar
neste cenário, entrando as personagens principais vestidas com os trajos da
época da revolução francesa, interagindo com as pessoas do coro em trajos
contemporâneos. Vêem-se projecções de pessoas actuais com reacções faciais ao
que vai acontecendo. Perto do final o Don Pizarro é ferido por um disparo da
Marzellina e é levado para fora do palco. O Don Fernando, que traz as boas
novas no final, anunciando o fim da tirania, vem vestido como nos dias de hoje.
Enfim, uma encenação bizarra, com um segundo acto sem jeito. Se a ideia é hoje
estarmos vigilantes e combatermos as tiranias, não funciona.
Dirigiu superiormente a orquestra o maestro titular Antonio Pappano.
Coro fabuloso, um dos pontos altos da noite.
Quanto aos cantores, bastante assimetria, mas resume-se em
poucas palavras: Lise Davidsen e os
outros. Ela avassaladora em qualidade e potência vocal. Emissão sempre ao mais
alto nível, timbre muito agradável, sempre sobre a orquestra (e todos os
outros, coro incluído).Tem 33 anos e é muito alta (era a pessoa mais alta em
cena. O Kaufmann, para a abraçar, estava em bicos de pés e ela muito encolhida,
parecia que estava a abraçar uma criança!).
O Simon Neal
(Don Pizarro)
e o Eglis Silins
(Don Fernando) excelentes. Vozes poderosas, bonitas, sempre bem audíveis.
O Georg Zeppenfeld
(Rocco) também de entre os melhores.
O Kaufmann (Florestan)
razoável. O papel é relativamente pequeno e não o cantou com pujança. Muito
longe das excelentes interpretações do passado. Deixou-se afogar
frequentemente, quer pela orquestra, quer pelos outros cantores, e não teve uma
interpretação emotiva.
Fracos foram o Robin
Tritschler (Jaquino) de voz pequena mas agradável
e, sobretudo, a Amanda Forsythe (Marzelline) que tem um
timbre desagradável e, frequentemente, mal se ouviu.
Mas a récita valeu pela Davidsen. Que excelentes interpretações
wagnerianas aí vêm!!
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FIDELIO,
Royal Opera House, March 2020
The new
production of Beethoven's opera Fidelio by the Royal Opera is produced by Tobias
Kratzer. The action was placed in the darkest period of the French
revolution and during the overture there are mass beheadings. In the first act
the scenarios are conventional, the action takes place in the prison yard. The
house of the prison guard Rocco appears from a lateral structure, first the
room, then the bedroom, where he directs his daughter Marcelline and Fidelio to
have sex. Don Pizarro's entrance is on a beautiful horse. The prisoners, when
allowed to come to the courtyard, are barefoot and well characterized,
according to the situation. Until the interval, the production, neither
brilliant nor innovative, is conventional and pleasant.
When
opening the curtain for the 2nd act are the elements of the choir, all dressed
in black, in modern attire, sitting in chairs in a semi-circle, around a rock
where Florestan is trapped by one leg. In the
background, a large white wall with a door in the middle. And everything will happen
in this scenario, the main characters enter dressed in the costumes of the time
of the revolution, interacting with the people of the choir. Projections of
current people are seen with facial reactions to what is happening. Towards the
end Don Pizarro is wounded by a Marzellina shot and is taken off the stage. Don
Fernando, who brings the good news at the end, announcing the end of tyranny,
comes dressed as in the present days. A bizarre staging, with an awkward second
act. If the idea is that today one must be vigilant and fight tyrannies, it
doesn't work.
Maestro of
the house Antonio Pappano conducted
the orchestra superiorly. Fabulous Chorus,
one of the highlights of the night.
As for the
singers, a lot of asymmetry, but it comes down to a few words: Lise Davidsen and the others. She was
overwhelming in quality and vocal power. She sang always at the highest level,
very pleasant timbre, always over the orchestra (and over everyone else, chorus
included). She is 33 years old and very tall (she was the tallest person on the
scene. Kaufmann, to hug her, was in toes and she was very shrunk, it looked
like she was hugging a child!).
Simon Neal (Don Pizarro) and Eglis Silins (Don Fernando) were excellent. Powerful, beautiful
voices, always clearly audible. Georg
Zeppenfeld (Rocco) was also among the best.
Kaufmann (Florestan) was just acceptable. The role is relatively
small and he didn't sing it with strength. Too far from the excellent performances
of the past. And he was often drowned, either by the orchestra or by the other
singers.
Weak were Robin Tritschler (Jaquino) with a small
but pleasant voice and, above all, Amanda
Forsythe (Marzelline), who has an unpleasant tone and was often barely
heard.
But the
performance was worth for Davidsen. What excellent Wagnerian interpretations
are coming!!
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A Ópera está a passar um mau bocado. Já nem falo dos cancelamentos pela pandemia, há também uma crise de entusiasmo e de criatividade de encenações; nem Kaufmann nos vale ??!! O Fidelio, para mim, é uma das óperas onde a composição musical é mais relevante e genial. Outros dão primazia ao canto ou a cenas de bailado; eu penso que no Fidélio é a música com M grande que reina. Poucas Ópera têm como esta uma tão grande unidade e coerência musical. Por isso, se Papano e a ROH orquestra estiveram bem, já valeu a pena. O que parece mais pobre é de facto a encenação: a Leonora que eu vi pela Welsh Opera era bem mais conseguida, e o Florestan de Par Lindskog (papel curto mas intenso!) não me deixou ficar mal. Lamento por si e pela ROH, mais uma vez... Abraço.
ResponderEliminarSim Mário, valeu pela música, pelo Pappano, pela interpretação da orquestra e do coro e, sobretudo, pela Lise Davidsen. Foi pena esta encenação e alguns dos outros solistas não estarem ao mais alto nível (nomeadamente o Kaufmann, a grande estrela do elenco).
EliminarO impacto da pandemia na nossa temporada operática está a ser devastador! Todos nós (os 3 principais) tínhamos a maioria das óperas agendadas (e comprados os bilhetes e as viagens!) para Março e Abril. Tudo tivemos que cancelar...