(Review in English below)
Foto ©FCG
A ópera Evgeni Onegin foi composta pelo expoente máximo do romantismo russo na música — Piotr Ilitch Tckaikovsky. O romance em verso homónimo de Pushkin — marco da literatura russa — foi a base para o libreto escrito pelo próprio compositor e por Konstantin Shilovsky. Já escrevi neste blogue que sou um grande admirador desta ópera pelo arrebatamento que tudo me causa.
A FCG apresentou-nos uma ópera com uma encenação de Kristiina Helin. A dificuldade em fazê-lo no edifício é evidente, mas o resultado é interessante, recorrendo a algumas soluções engenhosas.
O primeiro ato começa com Tatiana, Olga, Larina e Filipnieva sentadas na boca do palco em bancos e com os pés apoiados em livros. As personagens ficam de costas ou de frente de acordo com a secções das cenas. Por trás, num pano semitranslúcido, projetam-se naturezas mortas, não impedindo de ver a orquestra espalhada pelo palco e o coro nas suas laterais. Já a cena da carta passa-se num palanque ao fundo do palco, o que dificulta a tarefa aos cantores e não transmite intimidade do quarto ou o bucólico do jardim, uma vez que é aí que se dá o sermão.
Foto ©FCG
O 2.º ato começa com os cantores na boca do palco novamente, com umas danças simples e monótonas que se alastraram ao confronto amorfo entre Onegin e Lensky. A personagem Triquet é apresentada com o figurino de Joker, em modo fanfarão e dinâmico, empunhando um taco de golfe, o que me pareceu discutível, assim como toda a utilização deste figurino como testemunha de Onegin e na cena final. A cena do duelo volta ao palanque no fundo do palco onde se abre uma cortina que expõe o Jardim da Gulbenkian onde se produz fumo, transmitindo a frieza do local. O 3.º ato começa com a casa de Gremin. Este está com Onegin no palanque, enquanto Tatiana entra pela porta lateral do anfiteatro e se projetam luzes em bolas de discoteca, o que cria um efeito de luz interessante na sala. A cena final é trazida de novo à boca do palco, o que se agradece, porque permitiu aproximar o público do drama. No final, Joker cobre a face de Onegin com uma máscara branca. Creio que a ideia era dizer que Onegin é tão psicopata como Joker, coisa de que discordo totalmente e é uma associação infeliz.
A Orquestra Gulkenkian esteve globalmente muito bem dirigida pelo maestro Lorenzo Viotti. Este tem feito a orquestra crescer em diversos reportórios (fala-se que estará para breve o anúncio de que partirá para outras paragens, o que será uma péssima notícia) e conseguiu transmitir as emoções e coloridos da partitura, respeitando os cantores (com algumas excepções como, por exemplo, no final). Mas continuo a achar que falta calor para Tchaikovksy no naipe da cordas, o que é um problema antigo.
O Coro Gulbenkian, ainda que não seja um coro com sonoridade operática, teve um excelente desempenho em todas as intervenções e mostrou toda a sua qualidade e versatilidade.
A Tatiana da soprano Marjukka Tepponen foi excelente. A voz, bonita e poderosa, sempre bem projetada e audível (mesmo do fundo do palco) e com uma sustentação impecável das notas em toda a tessitura, transmitiu as emoções de uma Tatiana jovem, atormentada pela paixão e pelo dever. E foi secundada por uma interpretação cénica muito convincente e capaz.
Foto ©FCG
Tepponem formou com Andrè Schuen, o barítono que fez Onegin, um duo de grande qualidade. Schuen surpreendeu-me pela beleza do timbre, volume, projeção e legato. Foi quente, indeciso e atormentado, e raramente fanfarão. Gostei particularmente do sermão no primeiro ato.
O Gremin de Dmitry Ulyanov também esteve muito bem. Tem um poderio vocal como poucos: graves profundos e agudos estratosféricos. E fez um Gremin poderoso, com uma grande energia vital. Um estrondo.
O Lensky de Alexey Neklyudov foi o mais aplaudido da récita, mas, apesar de ter sido elegante e lírico, não atingiu a qualidade elevada do par Tepponen/Schuen. Tem uma voz mais pequena, com maior dificuldade na projeção, ainda que bonita, e foi mais amorfo cenicamente.
Nos papéis secundários, Marco Alves dos Santos foi um Triquet mascarado de Joker muito dinâmico, dinâmica que manteve como Guillot, ainda que ambas as personagens sejam apresentadas sem distinção, o que serviu o propósito muito discutível da encenadora. O desempenho vocal contrastou com o cénico, uma vez que se apresentou com um vibrato exagerado. Cátia Moreso teve um bom desempenho, sobretudo no primeiro ato, tendo sido bem acompanhada pela Larina de Carolina Figueiredo. A Filipievna de Stefania Toczyska esteve muito bem cenicamente, embora irregular na qualidade da emissão vocal. O Capitão de André Henriques, bem como o Zaretski de André Baleiro, estiveram bem nos seus curtos papéis.
Foi uma récita de boa qualidade que valeu pelo desempenho do quarteto Viotti, Tepponen, Schuen e Ulyanov. Esperemos que a FCG continue a apresentar estas óperas semi-encenadas nas próximas temporadas.
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(Review in English)
The opera Evgeni Onegin was composed by the greatest exponent of Russian romanticism in music - Piotr Ilitch Tckaikovsky. Pushkin's eponymous verse novel - a landmark of Russian literature - was the basis for the libretto written by the composer himself and by Konstantin Shilovsky. I have already written in this blog that I am a great admirer of this opera for the rapture that everything causes me.
FCG presented us an opera with a staging by Kristiina Helin. The difficulty in doing so in the building is evident, but the result is interesting, using some ingenious solutions.
The first act begins with Tatiana, Olga, Larina and Filipnieva sitting on benches with their feet resting on books at the front of the stage. The characters are on their backs or front according to the sections of the scenes. From behind, on a semi-translucent cloth, still lifes are projected, not preventing you from seeing the orchestra spread across the stage and the choir on its sides. The scene of the letter, on the other hand, takes place on a platform at the back of the stage, which makes it difficult for singers and does not convey the intimacy of the room or the bucolic of the garden, since that is where the sermon is given. The 2nd act begins with the singers again at the front of the stage, with simple and monotonous dances, monotony that spreads to an amorphous confrontation between Onegin and Lensky. The character Triquet is presented with Joker’s costume, in a swashbuckling and dynamic way, wielding a golf club, which seemed debatable, as well as all the use of this costume for Guilot, the witness to Onegin, as well in a unknow character in the final scene. The scene of the duel occurs at the back of the stage again where the curtain opens to expose the Gulbenkian Garden where smoke is produced, conveying the coldness of the duel’s place. Act 3 begins at Gremin's home. Gremin is with Onegin at the back, while Tatiana enters through the side door of the amphitheater and lights are projected on disco balls, which creates an interesting light effect in the hall. The final scene is brought back to the front, which was grateful because it allowed the audience to be closer to the drama. In the end, Joker covers Onegin's face with a white mask. I think the idea was to say that Onegin is as psychopathic as Joker, which I totally disagree with and is an unfortunate association.
The Gulkenkian Orchestra was globally very well conducted by conductor Lorenzo Viotti. He has made the orchestra grow in several repertoires (it is said that the announcement that he will leave at the season end, which will be very bad news) and managed to transmit the emotions and colors of the score, respecting the singers (with some exceptions as, for example, at the end). I still think that this orchestra strings lacks warm and drama for Tchaikovsky, but this is an old issue.
The Gulbenkian Choir, although not a choir with an operatic sound, had an excellent performance in all interventions and showed all its quality and versatility.
Soprano Tatiana Marjukka Tepponen was excellent. The voice, beautiful and powerful, always well projected and audible (even from the back of the stage) and with an impeccable support of the notes throughout tessitura, conveyed the emotions of a young Tatiana, tormented by passion and duty. And it was supported by a very convincing and capable performance as an actress.
Tepponem formed with Andrè Schuen, the baritone who made Onegin, a duo of great quality. Schuen surprised me by the beauty of the timbre, volume, projection and legato. He was warm, indecisive and tormented, and rarely a boaster. I particularly liked the sermon in the first act.
Dmitry Ulyanov's Gremin was also very good. He has vocal power like few others: deep bass and stratospheric treble. And he made a powerful Gremin, with great vital energy. Thunderous.
Alexey Neklyudov's Lensky was the most applauded of the performance, but, despite being elegant and lyrical, he did not achieve the high quality of the pair Tepponen/ Schuen. He has a smaller voice, with greater difficulty in the projection, although beautiful, and was more amorphous in scenery.
In the secondary roles, Marco Alves dos Santos was a very dynamic Joker-masked Triquet, a dynamic he maintained as Guillot, although both characters are presented without distinction, which served the director's very debatable purpose. The vocal performance contrasted with the scenic, since he had an exaggerated vibrato. Cátia Moreso had a good performance, especially in the first act, having been well accompanied by Carolina Figueiredo’s Larina. Stefania Toczyska's Filipievna was very well done, albeit irregular in the quality of the vocal emission. André Henriques' Captain, as well as André Baleiro's Zaretski, did well in their short roles.
It was a good quality opera performance where the quartet Viotti, Tepponen, Schuen and Ulyanov excelled. We hope that FCG will continue to present these semi-staged operas in the coming seasons.
Concordo quase plenamente com a aprecriação. Assisti à récita de sexta-feira. Gostei muito. Se for verdade, será uma perda para a Orq Gulbenkian se este jovem maestro se for embora.
ResponderEliminarAssisti à récita de hoje e estou de acordo com a crítica do camo_opera.
ResponderEliminarO Onegin hoje foi Nikolay Borchev (uma substituição), com uma interpretação óptima, cénica e vocal.
O baixo Ulyanov foi excelente, graves fabulosos, poderio vocal assinalável e timbre muito bonito. Para mim os dois melhores da tarde.
A Tepponen também muito bem.
Já do tenor que fez o Lenski (Neklyudov), apesar do curriculo apresentado no programa, não fiquei nada bem impressionado. Tem um timbre bonito mas a voz é muito pequena e só se ouvia quando a orquestra tocava muito baixinho. E em cena não foi nada convincente.
Cantores portugueses acima do habitual, nomeadamente Cátia Moreso, que aqui tenho referido interpretações suas com alguma tendência para a estridência, o que hoje não aconteceu. Foi uma Olga muito boa.
Lorenzo Voitti muito bem, Coro excelente e a orquestra cumpriu, sem deslumbrar.
Também tive oportunidade de assistir à récita de ontem (8 de Março).
ResponderEliminarConcordo com tudo o que foi dito.
Esta iniciativa de trazer 1 ópera semi-encenada por temporada que penso eu começou a temporada passada (com Viotti) é uma excelente ideia.
Gostaria que aumentassem a frequência de apresentação de óperas uma vez que têm tido uma qualidade global bastante boa.
A noticia de que Viotti se vai embora brevemente é de facto uma terrível notícia. Quem viu esta orquestra com McCresh e quem a vê agora...
Por ventura sabem para onde Viotti estará de partida?
Pelo que li a sua estreia com a Berlin Philharmoniker foi um sucesso!
Amsterdão.
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