sábado, 16 de março de 2019

ROMEU E JULIETA (Charles Gounod), Fundação Gulbenkian, Março / March 2019



(text in English below)

Romeu e Julieta (Roméo et Juliette) de Charles Gounod é uma ópera (com prólogo e cinco actos) com libretto de Jules Barbier e Michael Carré, baseada na obra homónima de William Shakespeare.


A Fundação Gulbenkian ofereceu-nos esta ópera numa versão encenada. Apesar das limitações da sala (não é um teatro de ópera), a orquestra foi colocada num plano inferior e a encenação tirou partido de toda a versatilidade do moderno palco do Grande Auditório.


O espectáculo foi encenado por Vincent Huget (com coreografia de Aurélie Maestre, figurinos de Clémence Pernoud e desenho de luz de Bertrand Couderc). A acção decorre no palco com poucos adereços que incluíram estátuas, uma delas sempre presente, e blocos escuros que servem de pedras tumulares ou de cama, mas com movimentações dinâmicas ao longo do espectáculo. O guarda roupa espelha bem a diferença dos mais ricos e poderosos (Capuletos, família a que pertence a Julieta) para os pobres (Montéquios, família do Romeu). Criou-se com grande eficácia um ambiente soturno e pesado, adequado ao desenrolar da ópera. Só não gostei da parte em que o padre (Frei Lourenço) casa o par solista ao lado de um cadáver que está a lavar e na frente da viúva. Escapou-me algo aqui pois não creio que seja apenas mau gosto do encenador.



A direcção da Orquestra Gulbenkian foi do maestro titular, Lorenzo Viotti, que, num toque fresco de juventude, calçava “ténis”. Maestro e orquestra muito bem e o Coro Gulbenkian, que apareceu vindo da plateia, esteve em grande nível, como é habitual. E cabem-lhe algumas das intervenções mais significativas.


Todos os cantores solistas eram jovens, o que ajudou muito tanto na credibilidade das interpretações como na movimentação cénica. A soprano Vannina Santoni foi uma Julieta que não começou bem mas, após o primeiro acto, melhorou muito. Tem uma voz muito potente, de timbre bonito, mas que parece perder algum controlo no registo mais agudo e também tende para a estridência. Mas foi muito boa.

O Tenor Georgy Vasiliev foi um Romeu algo contido, de voz agradável, mas com um registo médio irregular. Nos duetos com a Julieta (são vários e incluem algumas das partes musicais mais belas, como o Nuit d’Hyménée no quarto acto) foi notória a diferença de potência vocal entre os dois.

O baixo Jean Teitgen foi um dos melhores cantores da noite, com uma interpretação excelente do Frei Laurent. Também os barítonos John Brancy (Mercúcio) e Andrew Foster-Williams (Capuleto) foram muito bons, com vozes magníficas e óptimas interpretações cénicas. Marco Alves dos Santos foi um Tebaldo notável, Cecília Rodrigues um Stéphano fresco e jovial, e Carolina Figueiredo uma Gertrudes muito correcta.  Em intervenções menores também participaram Pedro Casanova (Páris), André Henriques (Grégorio) e Manuel Gamito (Benvolio).



Foi um espectáculo muito bom, mas deixo mais uma vez uma nota muito negativa sobre o público, desta vez não pelas tosses, mas pelos telemóveis. Os que me rodeavam passaram todo o tempo a acender os telemóveis e a responder a mensagens e, inevitável, durante a cena da morte do Romeu, um tocou demoradamente porque estava dentro da mala de uma mulher que demorou a encontra-lo. 

É chocante a falta de respeito pelos outros num grupo de pessoas que, admitimos, seriam educadas!



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ROMEO AND JULIET (Charles Gounod), Gulbenkian Foundation, March 2019

Romeo and Juliet (Roméo et Juliette) by Charles Gounod is an opera (with prologue and five acts) with libretto by Jules Barbier and Michael Carré, based on the work of the same name by William Shakespeare.

The Gulbenkian Foundation offered us this opera in a staged version. Despite the limitations of the room (not an opera house), the orchestra was placed on a lower plane and the staging took advantage of all the versatility of the modern stage of the Grand Auditorium.

The opera was staged by Vincent Huget (with choreography by Aurélie Maestre, costumes by Clémence Pernoud and drawing by Bertrand Couderc). The action takes place on a stage with few props that included statues, one of them always present, and dark gray blocks that serve as bedrock or graves, but with dynamic movements throughout the show. The dresses look very different from the richer and more powerful ones (Capulets, family to which Juliet belongs) to the poor (Monequies, Romeo's family). A dark and heavy atmosphere was created with great efficiency, adequate to the opera's unfolding. I just do not like the part where the priest (Frei Lourence) marries the couple next to a corpse that he is washing and in front of the widow. Something escaped me here because I do not think it's just bad option for the director.

The direction of the Gulbenkian Orchestra was by the young conductor, Lorenzo Viotti, who, in a fresh youthful tone, wore "tennis". Conductor and orchestra very well and the Gulbenkian Choir, that appeared from the audience, was in great level, as usual. And they have some of the most significant interventions.

All the soloist singers were young, which helped a lot both in the credibility of the interpretations and in the scenic movement. Soprano Vannina Santoni was a Juliet that did not start well but, after the first act, she improved a lot. She has a very powerful voice, of beautiful timbre, but that seems to lose some control in the most acute register and also tends towards stridency. But she was very good.

Tenor Georgy Vasiliev was a somewhat restrained Romeo, with a pleasant voice, but with a medium irregular register. In the duets with Juliet (there are several and include some of the most beautiful musical parts, such as the Nuit d'Hyménée in the fourth act) was notorious for the difference in vocal power between the two.

Bass Jean Teitgen was one of the best singers of the evening, with an excellent interpretation of Frei Laurent. Also baritones John Brancy (Mercutio) and Andrew Foster-Williams (Capulet) were very good, with magnificent voices and great scenic interpretations. Marco Alves dos Santos was a remarkable Tebald, Cecília Rodrigues a fresh and jovial Stéphano, and Carolina Figueiredo a very correct Gertrud. In smaller interventions also participated Pedro Casanova (Páris), André Henriques (Gregory) and Manuel Gamito (Benvolio).

It was a very good performance but, once again, I leave a very negative note about the public, this time not for the coughs, but for the mobile phones. Those around me spent all their time turning on their cell phones and responding to messages and, inevitably, during the scene of Romeo's death, one rang for a long time because it was inside a woman's suitcase who was slow to find it. 

It is shocking the lack of respect for others in a group of people who, we admit, would be cultured!

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4 comentários:

  1. Em primeiro lugar, há que dar os parabéns à FCG pela iniciativa de trazer ópera à principal casa de música de Portugal. A escolha desta ópera é excelente, porque a música é lindíssima e permite à FCG explorar o seu magnífico coro. Uma vez mais, o Coro Gulbenkian esteve em elevadíssimo nível nas suas passagens. Assim como a Orquestra Gulbenkian dirigida de forma viva, colorida e jovial pelo seu maestro Viotti que, creio eu, muito poderá acrescentar a esta orquestra que tem subido de nível de forma muito evidente desde que saiu a trágica escolha anterior — Paul McCreesh. Vê-se agora uma orquestra com muito mais qualidade em todos os naipes, mais versátil e muito mais motivada. A encenação foi agradável: sombria e escura como é suposto e a utilizar bem os recursos da sala, manifestamente pouco preparada para ópera. Mas a direção de atores foi bastante pobre, provavelmente por ter sido pouco trabalhada. Mas nada teve rasgo. O pormenor de que o Fanático Um fala foi, para mim, o único interessante, ainda que muito forçado (por ser demasiado óbvio), uma vez que o contraste entre a morte e a felicidade dos noivos ficava bem espelhada, além de constituir um presságio trágico sobre o fim fatal do casal. Relativamente aos cantores. Santoni foi uma Julieta em crescendo. Entrou um pouco agreste, mas foi melhorando, explorando a sua voz com muito volume e dicção de muita qualidade. Creio que poderia ter sido muito melhor se não estivesse acompanhada por um Romeu de má qualidade que, obviamente, prejudica a interpretação do outro elemento. Vasiliev tem agudos muito difíceis, um lirismo inexistente, uma técnica deficiente, razão pela qual esteve quase sempre para quebrar. Ia-se aguentando e protegendo. Nos duetos nem se ouvia e mesmo a sua interpretação cénica deixa muito a desejar. No meu entender, foi um fatal erro de casting que minou emocionalmente a récita e retirou por completo o lirismo a um dos papéis para tenor mais interessantes da grand opera francesa. Gostei bastante do baixo Teitgen que tem uma voz excelente. Marco Alves dos Santos foi um muito bom Tybalt (mais valia ter sido ele o Romeu...). E Foster-Williams foi um Capuletto que começou algo irregular, mas que depois melhorou e teve um óptimo desempenho. Deixo uma nota negativa aos cortes cénicos que foram feitos: perdeu-se muito encanto no final do terceiro ato e, sobretudo, no dueto final em que se perdeu a ligação ao primeiro dueto de amor dos jovens enamorados, o que retirou alguma dimensão dramática e lirismo à cena final. Quanto ao público, é o habitual. Também estavam todos aflitos para ir ao WC e dezenas deles não viram a última cena do 3.º ato: faltou aqui alguma formação aos assistentes de sala da FCG que bem deviam saber informar as pessoas. No geral, achei que foi um espetáculo razoável e, usando a escala do Fanático Um, não dava mais de ***

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  2. Excelente críticos (Fanático Um e camo_opera) para mim a segunda parte em termos musicais foi melhor e gostava perguntar se algumas deficiencias a Juliette no início era devido ao palco ser mais ‘aberto ‘ com a ligação fosse-palco mais ‘difícil’ para os cantores ?! A sensação quando o muro da madeira em cima para mim foi muito melhor em termos acústicos. Gostava particularmente salientar a prestação da Cecília Rodrigues com excelente representação e afinação perfeita .

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    1. Caro Anónimo, possivelmente a sonoridade poderá ter melhorado quando o palco esteve mais "fechado". Não tenho conhecimentos técnicos para o avaliar, mas poderá ser uma explicação. E concordo com o seu comentário elogioso sobre a Cecília Rodrigues, esteve muito bem.

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