(text in English below)
A Royal Opera House apresentou a ópera de
Verdi La Forza del Destino, com libreto de Francesco Maria Piave, a principal e mais esperada nova produção da
temporada londrina. É uma ópera que vive essencialmente da música e do canto,
dado que o argumento é dos mais inverosímeis
entre os usados nas óperas de Verdi.
Em Sevilha, o
Marquês de Calatrava tem dois filhos (um terceiro morreu em criança), Carlo e
Leonora. Ela apaixona-se e tenciona fugir com Álvaro, filho de um nobre
espanhol e uma princesa inca. O pai opõe-se e, ao confrontar Alvaro, este
devolve a arma mas esta dispara acidentalmente e mata o Marquês que lança uma
maldição à filha. Os dois amantes separam-se. Leonora vai para um convento e
vive uma vida de ermita. Carlo decide vingar a morte do pai, matando Alvaro e a
irmã. Entretanto (Alvaro e Carlo) vão para a guerra em Itália. Sem conhecerem a
identidade um do outro, Alvaro salva Carlo da morte e tornam-se amigos para
sempre. Depois é Alvaro que é ferido com gravidade, deixando os seus pertences
a Carlo, que descobre a sua verdadeira identidade. Desafia Alvaro para um
duelo, ele recusa e vai também para um convento (o mesmo em que está Leonora). Anos
mais tarde acaba por ser encontrado por Carlo, batem-se em duelo, Carlo é
ferido mortalmente e, antes de morrer, fere também mortalmente a irmã Leonora,
tudo na presença de Alvaro, quando os dois amantes se reencontram.
A encenação de Christof Loy traz a acção para o Séc XX. O início é muito interessante,
durante a abertura vemos os 3 filhos do Marquês de Calatrava, inicialmente
crianças, a morte de um deles, depois adolescentes e finalmente jovens adultos.
O primeiro acto, a casa do Marquês de Calatrava, passa-se num cenário com uma
grande porta a meio, um grande lustre, uma janela lateral e uma mesa central e
várias cadeiras. Este mesmo cenário acaba por sofrer pequenas alterações para
todas as restantes cenas dos 3 actos seguintes. A única mudança mais relevante
é a substituição da janela lateral por uma arcada com um grande cristo
cruxificado suspenso, nas cenas no mosteiro. Para além do cenário há projecções
ocasionais da morte acidental do Conde de Calatrava e da maldição por ele
lançada a Leonora (não vi grande mais valia nelas). No último acto o cenário é
igual ao do primeiro, o que poderá querer transmitir alguma claustrofobia,
sobretudo para a Leonora, mas o efeito não é fantástico.
Vê-se bem, mas foi
uma encenação que começou por prometer muito mas acabou por desiludir.
A direcção
musical do maestro titular Antonio
Pappano foi óptima. A Orquestra da
Royal Opera House esteve muito bem e o Coro
foi excelente e os bailarinos também.
Quanto aos
cantores solistas, o elenco de estrelas seguramente que contribuiu para que os
bilhetes tenham esgotado muito poucos minutos após a abertura da bilheteira online e terem sido vendidos no mercado
negro a milhares de libras! Corria o rumor (a
condizer com a má fama desta ópera) que o Kaufmann poderia cancelar porque
tinha faltado aos ensaios gerais… e como o menino é um dos que sofre
regularmente de “cancelite”, temi que tal acontecesse,… mas não.
O Marquês de
Calatrava foi interpretado pelo baixo Robert
Lloyd. É um papel relativamente pequeno mas foi uma boa interpretação,
cénica e vocal.
Dona Leonora foi Anna Netrebko. Que dizer da melhor cantora da actualidade? A voz
encorpou, está perfeitamente adaptada a este tipo de reportório, e mantém todas
as qualidades de excepção, timbre lindíssimo, agudos luminosos, potência brutal,
afinação perfeita. Foram momentos únicos vividos na Royal Opera House sempre
que esteve em cena. No La
Vergine Degli Angeli foi divinal, na cena mais feliz da opera, não
só pela sua interpretação, como pela de Furlanetto e pelo momento mais
conseguido da encenação, com velas acesas num efeito magnífico. Avassaladora!
O Don Alvaro
interpretado pelo Jonas Kaufmann
esteve também ao mais alto nível. É um cantor de que muito gosto, já não canta
com a exuberância de outrora, mas tem um timbre baritonal muito bonito, uns pianissimi arrebatadores e, no registo
agudo é notável, conseguindo um belo tom heróico. Foi muito expressivo em cena,
o que contribuiu para a excelência da interpretação.
O barítono Ludovic Tézier não deixou os seus
créditos por mãos alheias e fez um Don Carlo de voz poderosa, afinada e sempre
audível sobre a orquestra. Foi muito convincente no papel malévolo que lhe
coube. Em período de grande escassez qualitativa, é seguramente um dos melhores
barítonos verdianos da actualidade. Os duetos com o Kaufmann foram sublimes e
foi, sem dúvida, um dos melhores cantores em palco!
Outro cantor
fabuloso foi o baixo Ferruccio
Furlanetto como Padre Guardiano. É sempre um prazer ouvi-lo pois associa de
forma perfeita capacidade interpretativa, voz gigante e belíssima, com um
timbre grave de fazer tremer o chão. Fantástico.
O barítono Alessandro Corbelli interpretou o Fra
Melitone com muita graça e correcção, sempre afinado e audível. E mais uma
excelente em palco.
A mezzo Veronica Simeoni foi uma Preziosilla com
bom desempenho cénico, mas não na interpretação vocal. Foi um erro de casting, o papel não se ajusta à sua
voz, nem a qualidade esteve ao nível dos restantes.
Nos papéis
secundários houve homogeneidade e óptimas interpretações, Roberta Alexander (Cura), Michael
Mofidian (Alcaide), Carlo Bosi (Mastro
Trabuco) e Jonathan Fisher (Cirurgião).
Um espectáculo
fabuloso na Royal Opera House, a confirmar as mais elevadas expectativas que
tinha gerado.
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LA FORZA
DEL DESTINO, Royal Opera House, London, March 2019
The Royal Opera House presented Verdi's opera La Forza del Destino, with libretto by Francesco Maria Piave, the main and most anticipated new production
of the London season. It is an opera that lives essentially on music and
singing, since the argument is one of the most unlikely among those used in the
operas of Verdi.
In
Siviglia, Marquis di Calatrava has two children (a third died as a child),
Carlo and Leonora. She falls in love and intends to run away with Alvaro, the
son of a Spanish nobleman and an Inca princess. The father opposes and, in
confronting Alvaro, this one returns the gun but it accidentally shoots and
kills the Marquis that sends a curse to his daughter. The two lovers separate.
Leonora goes to a convent and lives a hermitage life. Carlo decides to avenge
the death of his father, killing Alvaro and his sister. Meanwhile (Alvaro and
Carlo) go to war in Italy. Without knowing each other's identity, Alvaro saves
Carlo from death and become friends forever. Then it is Alvaro who is seriously
injured, leaving his belongings to Carlo, who discovers his true identity. He
defies Alvaro for a duel, Alvaro refuses and also goes to a convent (the same
one where Leonora is). Years later Carlo finally finds Alvaro, Carlo is
mortally wounded and, before dying, he also stabs mortally his sister Leonora,
all in the presence of Alvaro, when the two lovers meet again.
Christof Loy's staging brings action to the 20th century.
The beginning is very interesting, during the opening we see the 3 children of
the Marquis di Calatrava, initially children, the death of one of them, then
adolescents and finally young adults. The first act, the house of the Marquis
of Calatrava, passes in a scenario with a large half-door, a large chandelier,
a side window and a central table and several chairs. This same scenario ends
up undergoing minor changes for all the remaining scenes of the next 3 acts.
The only more relevant change is the replacement of the side window by an
arcade with a large cruxified Christ suspended in the scenes in the monastery.
Beyond the setting there are occasional projections of the accidental death of
the Marquis di Calatrava and the curse he cast Leonora (I did not see much
added value in them). In the last act the scenario is the same as the first,
which may want to convey some claustrophobia, especially for Leonora, but the
effect is not fantastic.
It is a
pleasant staging that started by promising a lot but ended up disappointing.
The musical
direction of maestro Antonio Pappano
was excellent. The Orchestra of the
Royal Opera House was very well and the Choir was excellent.
As for soloist
singers, the cast of stars surely contributed to the fact that the tickets sold
out very few minutes after opening the online box office and were sold on the
black market for thousands of pounds! A rumor was running (to match the bad
reputation of this opera) that Kaufmann could cancel because he had missed the dress
rehearsals ... and as he is one of those who regularly suffer from "cancellitis",
I feared that would happen, ... but no.
The Marquis
di Calatrava was performed by bass Robert
Lloyd. It's a relatively small role but he was a good on stage and vocal
performance.
Dona
Leonora was Anna Netrebko. What to
say about the best singer of today? The voice is perfectly matched and adapted
to this type of repertoire, and she maintains all the qualities of exception,
beautiful timbre, luminous top notes, brutal power, perfect tuning. They were
unique moments lived in the Royal Opera House whenever she was on stage. In La Vergine Degli Angeli she was divine,
in the happiest scene of the opera, not only for her interpretation, but also
for that of Furlanetto and for the most accomplished moment of the staging,
with candles lit in a magnificent effect. Overwhelming!
Don Alvaro
played by Jonas Kaufmann was also at
the highest level. He is a singer that I like, he no longer sings with the
exuberance of before, but he has a very beautiful baritonal tone, fine pianissimi, and in the top register he
is remarkable, achieving a beautiful heroic tone. He was very expressive on the
scene, which contributed to the excellence of the interpretation.
Baritone Ludovic Tézier did not leave his
credits by the hands of others and made a Don Carlo of tuned powerful voice, always
well audible over the orchestra. He was very convincing in his malevolent role.
In a period of great qualitative scarcity, he is surely one of the best verdian
baritones of the present time. The duets with Kaufmann were sublime and he was
one of the best singers on stage!
Another
fabulous singer was bass Ferruccio
Furlanetto as Father Guardiano. It is always a pleasure to listen to him
because he associates perfect interpretive ability, a giant and beautiful
voice, with a bass tone to make the floor shake. Fantastic.
Baritone Alessandro Corbelli interpreted Fra
Melitone with great grace and correction, always tuned and audible. He was another
great artist on stage.
Mezzo Veronica Simeoni was a Preziosilla with
good scenic performance, but not vocal interpretation. She was a miscasting,
the role does not fit her voice, nor the quality was at the top level of the other
soloists.
In the
secondary roles there was homogeneity and great interpretations, Roberta Alexander (Cura), Michael Mofidian (Alcaide), Carlo Bosi (Mastro Trabuco) and Jonathan Fisher (Surgeon).
A fabulous performance
at the Royal Opera House, confirming the highest expectations it had generated.
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