segunda-feira, 26 de novembro de 2018

TURANDOT COM CARA DE ZEFFIRELLI NO THEATRO MUNICIPAL DE SP.




Crítica de Ali Hassan Ayache no blog de Ópera & Ballet

  O clima nos bastidores não é dos melhores, em meio a uma confusão generalizada em relação à administração do Theatro Municipal de São Paulo entre o Instituto Odeon e a Secretaria Municipal de Cultura estreou e ópera Turandot de Puccini. As lambanças administrativas parecem não ter influenciado as coxias. A montagem da ópera esteve em nível compatível com as anteriores.
   
A direção cênica ficou a cargo de André Heller-Lopes, o experiente diretor optou pelo conservadorismo nas movimentações, pelo colorido excessivo e pela mescla entre o moderno e o tradicional. Cores berrantes e o exagero nos figurinos em uma China fantástica e irreal bem ao estilo do afamado diretor Franco Zeffirelli foram apresentados nos três atos. Bonito e impactante para alguns, brega e exagerado para outros, a diferença entre um e outro é pequena. Essas foram algumas opiniões divergentes colhidas entre o respeitável publico.
   
As movimentações dos solistas e figurantes não passaram do básico. O cenário de Renato Theobaldo cria diversos planos narrativos, o tradicional se apresenta no centro e nas laterais o moderno, confunde mais que ajuda. O teatro dentro do teatro com um cenário onde uma plateia vertical, composta de coristas, em forma de ferradura em diversos níveis elevados é uma ideia já manjada e repetida em diversas montagens pelo mundo afora. 
   
Os figurinos de Sofia Di Nunzio são recheados de exageros: estampas, cores fortes avermelhadas e máscaras realçam com força excessiva as tradições Chinesas. Os coristas tem roupagem inspirada nos anos 60 do século XX, mistura estranha. Dragão na Turandot é clichê brega, a protagonista usar salto Luís XV foge de tudo que é chinês, um globo típico das baladas dos anos 80, que reflete a luz na plateia ofuscando a visão é completamente desnecessário.
   
A Orquestra Sinfônica Municipal regida por Roberto Minczuk apresentou sonoridade potente, no limite para não cobrir os solistas. O volume denso combinou com a dramaticidade da ópera. O Coro Lírico Municipal e o Coral Paulistano entregaram excelente sonoridade, apesar da péssima localização nas laterais.
  


 Substituindo o tenor Rudy Park foi escalado David Pameroy. O físico enorme e a voz volumosa não apresentaram um timbre com brilho, muito pelo contrário, uma voz seca e sem vida. O publico merecia um Calaf de melhor nível. Elizabeth Blancke-Biggs incorporou a personagem, voz de soprano dramático, escura a potente. Não se intimidou com a massa orquestral volumosa, soltou o vozeirão sem medo de correr riscos. Mostrou uma Turandot correta e compatível com a personagem.
   
O grande destaque da noite foi o soprano Gabriella Pacce, como Liù esbanjou técnica vocal em uma irrepreensível atuação cênica. Visceral no palco, entregou tudo que se espera da personagem. Voz lírica, de timbre harmonioso e cristalino encantou a plateia que aplaudiu efusivamente. O Timur de Luiz-Ottavio Faria levou ao palco voz calibrada nos graves, sempre portentosos e volumosos. Vinícius Atique está em grande fase, e como Ping não foi diferente. Cantou e atuou de forma única.
   
Cenas dos próximos capítulos: A esperança é a última que morre, esperamos sem muita convicção que a confusão administrativa no Teatro não afete a temporada 2019. Até o presente momento ninguém teve coragem de sequer anunciá-la. 

Ali Hassan Ayache

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

GÖTTERDÄMMERUNG / O CREPÚSCULO DOS DEUSES, Deutsche Oper am Rhein, Düsseldorf, Novembro / November 2018



(review in English below)


A Ópera de Düsseldorf que, com a de Duisburg, integra a Deutsche Oper am Rhein é um edifício austero e sóbrio, de dimensão e acústica adequadas para assistir a um bom espectáculo de ópera.





O Crepúsculo dos Deuses, última ópera do Anel de R. Wagner, na encenação de Dietrich Hilsdorf, passa-se nas margens do Reno e num navio (MS Wodan) que nele navega. 




É uma crítica ao capitalismo e aos perigos da industrialização.



A encenação tem partes muito interessantes e outras nem tanto. Logo no início as Nornas, vestidas como senhoras do início do século passado, tomam chá numa mesa de um café nas margens do Reno, servidas por um empregado de rabo de cavalo vestido como nos dias de hoje. Este e outro que por vezes o acompanha estarão presentes ao longo da récita.


O navio ou vai viajando ao longo do Reno, ou atraca em determinados portos. Os elementos simbólicos chave mantêm-se conservados – o anel, a lança e a espada. As Filhas do Reno surgem e desaparecem no rio. O Hagen é uma figura tenebrosa e nunca larga a lança. Um dos momentos mais eficazes da récita é o início do 2º acto em que ele, agarrado aos ferros do navio, “ouve” o pai Alberich, excelentemente caracterizado, sem nunca mudar de posição ou olhar para ele. Menos interessante é a Gutrune que aparece como toxicodependente e o Coro (muito bom) 


que vem vestido em trajes militares coloridos e com uma bebida na mão.




No 3º acto, após o Hagen ferir mortalmente o Siegfried, ele cai para um porão. Durante a marcha fúnebre vão sendo içadas bandeiras pelos militares, na popa do navio, e lançadas para o porão. Primeiro a do império, depois as nazis, a bandeira actual da Alemanha (que é colocada no chão), a da República Democrática Alemã e, finalmente, uma bandeira branca. Depois desta, a bandeira da Alemanha é também para lá lançada.
No final, a Brünhilde lança fogo ao porão do navio e são projectadas chamas em todo o seu redor, ficando ela estática na parte mais elevada. Tudo deste mundo é destruído para que um novo surja em seu lugar.



O maestro Axel Cober dirigiu a orquestra que, apesar do bom desempenho global, teve ocasionalmente notas falhadas, sobretudo nos metais.



Nas interpretações vocais dominou a qualidade e homogeneidade. O Siegfried do tenor sueco Michael Weinius foi consistente, voz agradável e sem falhas. O cantor é obeso o que não favorece a personagem do herói interpretado.



A soprano norte americana Linda Watson cumpriu com valentia o exigente papel de Brünhilde. Esteve bem, embora no final da ópera não tenha atingido a excelência interpretativa que sempre desejamos ouvir.





O Hagen do baixo dinamarquês Stephen Milling foi sensacional, para mim o melhor intérprete da noite. Voz forte, grave, bem audível e uma postura sempre sinistra. Fantástico.





O barítono alemão Johannes Martin Kränzle foi um Gunter de referencia, tanto na interpretação vocal como cénica.



Sylvia Hamvasi, soprano húngara, interpretou a Gutrune com qualidade, embora a encenação não a favoreça.



Também esteve muito bem a mezzo polaca Katarzyna Knucio como Waltraute,



e o barítono alemão Michael Kraus no curto papel de Alberich.



Das 3 Nornas Susan Maclean (1ª), Sarah Ferede (2ª) e Morenike Fadayomi (3ª), a última foi claramente inferior às outras duas, mas já em relação às Filhas do Reno (Woglinde, Anke Krabbe; Wellgunde, Kimberley Boettger-Soller e Flossilde Ramona Zaharia) a consistência e qualidade imperaram.



Um espectáculo de grande qualidade.








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GÖTTERDÄMMERUNG, Deutsche Oper am Rhein, Düsseldorf, November 2018

The Düsseldorf Opera House which, with the one of Duisburg, is part of the Deutsche Oper am Rhein, is an austere and sober building of size and acoustics suitable for a good opera performance.

Götterdämmerung, the last opera of R. Wagner’s  Ring cycle, in a production of Dietrich Hilsdorf, takes place on the banks of the Rhine and on a ship (MS Wodan) traveling on it. It is a critique of capitalism and the dangers of industrialization.

The staging has very interesting parts and others not so much. In the beginning of the performance the Norns, dressed as ladies from the beginning of the last century, drink tea on a table on the banks of the Rhine, served by a waiter dressed in present outfits. This one and another that sometimes appears with him will be present throughout the performance.

The ship either goes traveling along the Rhine, or docks in certain ports. The key symbolic elements remain preserved - the ring, the spear and the sword. The Daughters of the Rhine appear and disappear in the river. Hagen is a dark figure and always carries the spear. One of the most effective moments of the opera is the beginning of the second act in which he, clinging to the irons of the ship, "listens" to his (excellently characterized) father Alberich, without ever changing his position or looking at him. Less interesting is Gutrune who appears as a drug addict and the (very good) Choir comes dressed in colorful military outfits and with a drink in hand.

In the 3rd act, after Hagen mortally wounded Siegfried, he falls into the basement. During the funeral march flags are raised by the military at the stern of the ship and thrown into the basement. First the empire flag, then the Nazi flags, the current flag of Germany (which is placed on the ground), the German Democratic Republic flag and finally a white flag. After this, the current flag of Germany is also launched there.
In the end, Brünhilde sets fire to the ship's basement and flares are projected all around it. She remains static at the top of the ship. Everything in this world is destroyed so that a new one will arise in its place.

Maestro Axel Cober directed the orchestra which, despite its good overall performance, occasionally missed some notes, especially on metals.

Vocal interpretations were dominated by quality and homogeneity. Siegfried of Swedish tenor Michael Weinius was consistent, pleasant voice and without flaws. The singer is obese which does not favor the character of the interpreted hero. North American soprano Linda Watson was brave in the demanding role of Brünhilde. She was well, although at the end of the opera did not reach the interpretive excellence that we always want to hear.

Hagen of the Danish bass Stephen Milling was sensational, for me the best interpreter of the night. Strong, bass voice, well audible and always a sinister posture. Fantastic. German baritone Johannes Martin Kränzle was a reference Gunter, both in vocal and scenic interpretation. Sylvia Hamvasi, Hungarian soprano, interpreted Gutrune with quality, although the staging does not favor it. Polish mezzo Katarzyna Knucio was also very well as Waltraute, and the German baritone Michael Kraus in the short role of Alberich.

From the 3 Norns Susan Maclean (1st), Sarah Ferede (2nd) and Morenike Fadayomi (3rd), the latter was clearly inferior to the other two. The Daughters of the Rhine (Woglinde, Anke Krabbe, Wellgunde, Kimberley Boettger-Soller and Flossilde, Ramona Zaharia) were consistent and of remarkable quality.

A performance of great quality.

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sexta-feira, 16 de novembro de 2018

SAMSON ET DALILA, METropolitan Opera, Outubro / October 2018



(review in English below)

A ópera Sansão e Dalila de C. Saint-Saëns abriu este ano a temporada da Metropolitan Opera.



A encenação de Darko Tresnjak é convencional e kitsch. Recorre a umas estruturas metalizadas coloridas com vários andares e duas varandas que representam uma praça na Palestina no 1º acto, as instalações da Dalila no 2º e a prisão em Gaza e o templo de Dagon no 3º, este com uma enorme estátua de forma humana no centro e aberta a meio. No final, quando o Sansão destrói o templo, nada acontece, para além do aparecimento de umas luzes brancas cintilantes na zona posterior. 



O guarda roupa também não ajuda - se os hebreus aparecem vestidos de cinzento, os filisteus estão de vermelho e dourado, com coroas na cabeça. Uma piroseira!



O maestro Mark Elder dirigiu a Orquestra da Metropolitan Opera com nível e merece também uma nota muito positiva o Coro que tem muitas intervenções, todas de grande qualidade.




O Sansão do tenor Roberto Alagna foi irregular na prestação vocal, alternando períodos em que pareceu estar em grandes dificuldades com outros em que cantou melhor, mas longe de uma boa interpretação. Cenicamente esteve algo estático e não se sentiu paixão ou sequer atracção pela Dalila.



O Sumo Sacerdote de Dagon foi interpretado com qualidade pelo barítono Laurent Naouri que tem um timbre muito agradável e esteve afinado e com boa presença cénica. Mas as intervenções são curtas.



A Dalila da mezzo Elina Garanca foi a grande intérprete da noite. Se em cena não foi fantástica, vocalmente esteve ao mais alto nível. Tem uma voz muito bonita, potente, quente e sempre afinada e a cantora usa-a de forma impecável. A ária mais famosa da ópera, Mon coeur s’ouvre à ta voix, foi magnífica. Só não tem os graves necessários em algumas intervenções.



O barítono Elchin Azizov esteve bem como Abimélech mas, como é morto logo no primeiro acto, tem uma intervenção pequena.



Um espectáculo aquém das minhas expectativas que valeu, sobretudo, pela Garanca.






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SAMSON ET DALILA, METropolitan Opera October 2018

Samson and Dalila opera by C. Saint-Saëns opened this year the Metropolitan Opera season.

The staging of Darko Tresnjak is conventional and kitsch. It uses colored metallized structures with several floors and two balconies that represent a square in Palestine in the 1st act, the house of Dalila in the 2nd act, and the prison in Gaza and the temple of Dagon in the 3rd act, this one with a huge statue of human form in the center and open in half. In the end, when Samson destroys the temple, nothing happens, other than the appearance of sparkling white lights in the back. The wardrobe also does not help - if the Hebrews appear clothed in gray, the Philistines are red and gold with crowns on their heads. Kitsch!

Conductor Mark Elder directed the Orchestra of the Metropolitan Opera with quality and also deserves a very positive reference the Choir that has many interventions, all of great quality.

Tenor Roberto Alagna (Samson) was irregular in vocal performance, alternating periods in which he seemed to be in great difficulties with others in which he even sang well. On stage he was static and transmitted no passion or even attraction for Dealila.

The High Priest of Dagon was interpreted with quality by baritone Laurent Naouri that has a very nice timbre and was in tune and with good scenic presence. But the interventions are short.

Delilah of mezzo Elina Garanca was the great interpreter of the night. If the acting was not fantastic, vocally she was at the highest level. She has a very beautiful, powerful, warm and always-tuned voice and the singer uses it impeccably. The most famous opera house, Mon coeur s'ouvre à ta voix, was magnificent.

Baritone Elchin Azizov was a good Abimélech but, as he is killed in the first act, he has a small intervention.

A performance below my expectations that was worth, above all, by Garanca.

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