A Ópera Estatal da Baviera levou à cena
uma nova produção da opera Parsifal de
Wagner com um elenco estrelar. A
opera conta como Parsifal, um jovem tolo inocente redime os cavaleiros dos
tempos maléficos que os atingiram. O seu líder, Amfortas, foi seduzido pela
Kundry e depois gravemente ferido com a sua própria lança pelo Klingsor, seu antigo
companheiro. A feria não cura e causa um sofrimento atroz ao Amfortas. Parsifal
resiste à sedução da Kundry, aprende a compaixão testemunhando o sofrimento de
Amfortas, destrói o poder de Klingsor e devolve a lança aos cavaleiros.
A encenação de Pierre Audi é estática, pouco
imaginativa e sempre numa atmosfera sombria. O 1º Acto decorre numa floresta
com 4 colunas de pedra gigantes no meio, um esqueleto de um grande animal
debaixo do qual esteve quase sempre a Kundry. As árvores, de lona, no final
caem lentamente. O coro masculino aparece vestido com uma capa grossa. Depois despem-na
e ficam vestidos como nus, a maioria obesos, alguns com mamas e nádegas
descaídas e pénis pendurados. Os solistas principais aparecem trajados
normalmente e a acção é intemporal mas poderia passar-se nos nossos tempos
actuais.
Como é habitual
neste teatro, quase não há aplausos no final do 1º acto desta ópera.
As cortinas entre
actos têm pintadas figuras humanas na horizontal ou de cabeça para baixo, da
autoria de Georg Bazelitz, que
também desenhou os cenários.
No 2º Acto ergue-se um painel a imitar um muro branco com
uma grande abertura a meio. As raparigas flores vêm de gabardinas amarelas que
depois despem e ficam igualmente vestidas como se estivessem nuas, mais uma vez
obesas, de mamas e nádegas descaídas com a zona vulvar pintada de encarnado.
Todo o acto se passa neste cenário pobre.
O 3º Acto
passa-se novamente na floresta, com os mesmos cenários do 1º acto, mas agora
invertidos, pendurados do teto. O Graal nunca aparece e a lança é de muito
pequenas dimensões e mais parece um crucifixo.
Uma produção que
se pode ver de olhos fechados e ouvidos bem abertos porque, no que à música
respeita, tudo foi o oposto.
A direcção
musical do maestro Kirill Petrenko
foi um dos pontos mais altos da noite. Arrebatadora. O som saído da orquestra
foi sempre fabuloso, tempos adequados à acção e um cuidado extremo em nunca
abafar os cantores. Estive muito perto e, como não havia nada de interessante
para ver no palco, pude apreciar a sua fabulosa direcção da orquestra e dos
cantores.
Apesar de tudo,
houve uma situação a que nunca tinha assistido. Uma parte significativa do 2º
acto decorreu sem percussão porque o elemento responsável da orquestra só
apareceu cerca de 15 minutos mais tarde, no meio de muitos sorrisos que trocou
com os colegas dos metais que estavam perto dele e mesmo na minha frente.
Gurnemanz foi
interpretado de forma autoritária pelo baixo René Pape que mantém todas as suas qualidades vocais no topo da qualidade. Tem um timbre muito bonito, nobre, e um poderio invulgar. Penso
que melhor é impossível.
O barítono Christian Gerhaher foi um Amfortas
brilhante tanto na interpretação vocal como cénica. Transmitiu de forma
impressionante o sofrimento infligido pela ferida incurável. É um cantor que
muito aprecio e, mais uma vez, esteve ao mais alto nível. Tem um timbre de
invulgar beleza e controla a emissão vocal de forma exímia. Na interpretação da
personagem, tanto cante em forte como
em tom intimista quase falado. Penso que a sua especialidade também em lied terá contribuído muito.
Nina Stemme como Kundry é um portento vocal e teatral. Esteve
sempre bem, mas no 2º acto foi avassaladora. A voz é enorme, poderosíssima e
sempre afinada. Foi uma das melhores da noite e penso que não haverá, na
actualidade, alguma outra cantora que se lhe compare.
Jonas Kaufmann (Parsifal) a cantar “em casa” esteve contido no
primeiro acto mas nos dois seguintes foi deslumbrante. No diálogo com
a Kundry, depois do beijo, quando canta Amfortas!
Die Wunde!, foi fabuloso e totalmente convincente. É um dos papéis
wagnerianos que canta há mais tempo e foi a melhor interpretação que lhe ouvi.
Também o barítono
Wolfgang Koch esteve ao seu melhor
nível vocal e cénico no papel malvado de Klingsor, apesar de ter uma
intervenção pequena. Bálint Szabó
cumpriu com qualidade a curta intervenção como Titurel.
Finalmente a
orquestra (Bayerisches Staatsorchester)
e os coros (Chor, Extrachor und Kinder
Chor der Bayerischeen Staatsoper)
foram absolutamente excepcionais!
Se durante o espectáculo
não se ouviu qualquer ruído, nem tosses, após cair o pano o público explodiu
num estrondoso aplauso que se manteve por muitos minutos, obrigando a várias
chamadas ao palco dos cantores solistas e do maestro.
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PARSIFAL,
Bayerische Staatsoper, Munich / Munich, July / July 2018
The Bavarian State Opera brought to the
scene a new production of Wagner's opera Parsifal with a starring cast. The
opera tells how Parsifal, an innocent young fool redeems the knights of the
evil times that hit them. Their leader, Amfortas, was seduced by Kundry and
then seriously wounded with his own spear by his former companion, Klingsor.
The wound does not heal and causes excruciating suffering to Amfortas. Parsifal
resists the seduction of Kundry, learns compassion by witnessing the suffering
of Amfortas, destroys the power of Klingsor, and returns the spear to the
knights.
The staging
of Pierre Audi is static and
unimaginative and always in a dark atmosphere. The 1st Act takes place in a
forest with four giant stone pillars in the middle, a skeleton of a large
animal under which was almost always Kundry. The canvas trees at the end fall
slowly. The male choir appears dressed in a thick cover. Then they get
undressed and stay dressed like nude, mostly obese, some with hanging breasts
and buttocks and hanging penises. The main soloists usually appear dressed as
in current times.As usual in this theater, there is almost no applause at the
end of the 1st act of this opera.
The
curtains between acts have painted human figures horizontally or upside down,
by Georg Bazelitz, who also designed
the scenarios. In the 2nd Act stands a panel imitating a white wall with a
large opening in the middle. The young flowers come in yellow raincoats, which
then strip off and are equally dressed as if they were naked, once again obese,
with breasts and buttocks drooping with the vulva area painted red. The whole
act takes place in this simple scenario.
The 3rd Act
occurs again in the forest, with the same scenarios of the 1st act, but now
inverted, hanging from the ceiling. The Grail never appears and the spear is
very small and looks like a crucifix.
A
production that can be seen with closed eyes and ears wide open because, as far
as music is concerned, everything was the opposite.
The musical
direction of conductor Kirill Petrenko
was one of the highlights of the evening. Fantastic. The sound from the
orchestra was always fabulous, timed for action and extreme care in never
smothering the singers. I was very close and, as there was nothing interesting
to see on stage, I was able to appreciate his fabulous direction of the
orchestra and the singers.
However,
there was a situation I had never seen. A significant part of the 2nd act was
played without percussion because the responsible member of the orchestra
appeared only about 15 minutes later in the midst of many smiles he exchanged
with the colleagues who were close to him, just in front of me.
Gurnemanz
was interpreted in an authoritarian way by bass René Pape who maintains all his vocal qualities in the highest
level of quality. He has a very beautiful noble timbre and an unusual power. I
think he is one of the top singers for this role.
Baritone Christian Gerhaher was a brilliant
Amfortas both in vocal and stage performance. He impressively transmitted the
suffering inflicted by the incurable wound. He is a singer that I very much
appreciate and, once again, he was at the highest level. He has a tone of
unusual beauty and controls the vocal emission in an exhilarating way. In the
interpretation of the character, he both sang strong and in almost intimate
tone. I think his specialty also in Lied will have contributed a lot to
everything.
Nina Stemme as Kundry is a vocal and theatrical portent.
She was always good, but in the 2nd act she was overwhelming. The voice is giant,
powerful and always in tune. She was one of the best of the night and I think
there will not be, at present, any other singer who compares to her.
Jonas Kaufmann (Parsifal) singing "at home" was
contained in the first act but in the next two sang at the top level of quality.
In the dialogue with Kundry, after the kiss, when he sang Amphortas! Die Wunde!, was fabulous and totally convincing. It's
one of the Wagnerian roles that he's been singing for the longest time and this
was the best interpretation I ever heard him.
Also
baritone Wolfgang Koch was to his
best vocal and scenic level in the evil role of Klingsor, despite having a
small intervention. Bálint Szabó sang
with quality the short intervention of Titurel.
Finally the
orchestra (Bayerisches Staatsorchester)
and choirs (Chor, Extrachor und Kinder
Chor der Bayerischeen Staatsoper) were absolutely exceptional!
If no noise
or coughs were heard during the performance, the audience exploded in a loud
applause that lasted for many minutes, forcing several calls to the stage of
the soloist singers and the maestro.
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Tive hoje, dia 5 oportunidade de assistir à nova produção do Parsifal
ResponderEliminarConcordo globalmente com a apreciação feita, apesar de arriscar alguns comentários.
Apesar da expectativa ser muito elevada, o resultado final superou-a.
A produção de Baselitz é bastante interessante não sendo conceptual como está na moda, mas revela-se muito terrena e carnal. As figuras nuas obesas e disformes dos cavaleiros e flores remetem-nos para o imaginário de Lucien Froid retratando as misérias humanas sendo provavelmente estás figuras o mais controverso da produção.
O facto de quase tudo se passar há boca de cena e existirem poucos artefactos permite um maior foco na expressão vocal e corporal, e aí o resultado é exímio
Petrenko envolve a orquestra e os cantores criando um ambiente lírico alternando com picos de tensão dramáticos capazes de cortar a respiração.
As muitas e longas passagens orquestrais dirigem o nosso olhar para o maestro que com movimentos assertivos e constantes realçam a beleza da música.
A orquestra esteve no seu máximo esplendor, dificilmente superável
O canto foi superlativo.
Wolfgang Koch foi um Klingsor maldoso mas com laivos de criança mimada pouco usual nesta figura.
Christian Gerhaher foi um Amfortas contido quase sem agressividade, com um belíssimo timbre sofrido muito ao jeito de lied, que lhe conferiu humanidade e sensibilidade
René Pape sempre presente no 1 e 3 ato foi igual a si mesmo. A voz revela uma autoridade incontestável, grande, redonda, escura, um grande baixo dos novos tempos.
Nina Stemme é sem duvida a sucessora da Nilsson, tendo recebido recentemente o prémio com o seu nome.
Presença contante do Munchner opernfestspiele tem uma presença em palco avassaladora, a voz é enorme cresce em todas as direções com um timbre escuro e agudos brilhantes.
Aguardo com ansiedade dentro de 2 semanas o anel completo com direção do Petrenko, outro ponto alto deste festival.
Para o fim fica Jonas Kaufmann, um Parsifal de antologia numa noite perfeita, o tenor heróico por excelência de voz baritonada e timbre único que no dueto do 2 ato com a Stemme atingiu uma intensidade e expressividade dificilmente imaginável.
Muito obrigado pelo seu longo e esclarecido comentário.
EliminarO Anel de Munique tem uma encenação fantástica e, como sempre, os cantores são do melhor que há para cantar Wagner. Prepare-se para uma experiência inesquecível.
Este ano não tenho disponibilidades nem de tempo nem de euros para o rever, mas já tive essa oportunidade entre 12 e 22 de Fevereiro de 2013. Se tiver curiosidade nos nossos comentários e em alguns aspectos desta obra única, veja as 5 entradas no blogue compreendidas entre essas datas.