quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Texto sobre o MET Opera Live

ÓPERA, PERDÃO, ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM !



TRISTAN  UND  ISOLDE  (Richard Wagner)
Ópera em três Actos (1865)
Libreto: Richard Wagner, segundo Gottfried de Strasburg

Transmissão em directo do espectáculo de 08/10/2016 no MET
Fundação Calouste Gulbenkian – Grande Auditório (Lisboa)  08/10/2016

Direcção musical: Simon Rattle
Encenação: Mariusz Treliński

Cenografia: Boris Kudlička
Roupas: Marek Adamski
Luzes: Marc Heinz
Coreografia: Tomasz Wygoda
Vídeo: Bartek Macias
Dramaturgia: Piotr Gruszczyński

Tristan: Stuart Skelton
Isolde: Nina Stemme
Rei Marke: René Pape
Brangäne: Ekaterina Gubanova
Kurwenal: Evgeny Nikitin
Melot: Neal Cooper
Um marinheiro: Jonathan O’Reilly
Um pastor: Alex Richardson
Um timoneiro: David Crawford

New York Metropolitan Opera Orchestra
Coro: programa omisso, provavelmente o coro do MET    Dir: Donald Palumbo

Produção: Festpielhaus Baden Baden 2016
Co-produção: Teatr Wielki – Opera Narodowa (Varsóvia 2016), MET (New York 2016), China National Centre for the Performing Arts (Pequim).
Realizador da transmissão vídeo: programa omisso, provavelmente Gary Halvorson

Alguns personagens do mundo operático têm vindo a defender recentemente com crescente vigor a ideia de que o cinema irá ser o salvador da ópera.

Independentemente do que possamos pensar acerca da ópera e da sua suposta necessidade de “salvação”, é óbvio que para aqueles personagens se entende por tal a viabilização financeira do espectáculo operático à custa da sua difusão alargada (se possível à escala planetária global) utilizando os canais de distribuição do cinema.

Na vanguarda deste intento encontra-se a mais importante casa de ópera nova-iorquina, o MET, cujo ocaso financeiro se vem anunciando nos últimos anos de modo cada vez mais próximo e aparentemente irreversível. Mais de 70 países difundirão em salas de cinema o programa da presente temporada do MET.

Como exemplo acabado de tal tipo de actuação, esta primeira transmissão da temporada da série MET Opera Live HD, com a ópera de Wagner como cabeça de cartaz, faz porém a demonstração por absurdo do terrível engano a ela subjacente.

Com efeito, se quiséssemos escolher um modo eficaz de afastar vigorosamente do espectáculo operático aqueles que, movidos por uma razoável curiosidade, ousam deslocar-se a uma sala de cinema na esperança de, através de um primeiro contacto embora indirecto, de algum modo poderem compreender ou mesmo aceder ao prazer do espectáculo lírico, não poderíamos fazer melhor do que o que se viu na transmissão americana.

Numa atitude típica dos passageiros de um navio em perigo os responsáveis pelo MET lançam mão de tudo o que pensam lhes poderá ser útil para evitar o naufrágio. Infelizmente tal comportamento não garante a salvação, embora aparentemente prometa a ilusão de um conforto financeiro. Como dissuasor, esta experiência do MET Opera Live foi notável.

Neste caso foi apresentada como nova uma produção estreada no pretérito Festival de Baden-Baden e também apresentada posteriormente na ópera nacional de Varsóvia.

Como habitualmente o trabalho de registo e difusão do espectáculo foi entregue a uma equipa que se qualifica pela negativa no que respeita à concepção estética adoptada (a da soap opera) e aos procedimentos técnicos escolhidos (predomínio arbitrário de grandes planos, completa ausência da mínima noção de que existe um cenário, total desrespeito pela cenografia e coreografias, escolha de planos e montagem completamente irresponsáveis, ignorância total de orquestra e público etc).

Para além destas directivas habituais, este ano notou-se uma diferença notável em relação à temporada anterior: a captação sonora foi alterada conseguindo-se suprir as graves falhas frequentes nas transmissões passadas. Mas esta melhoria foi aparentemente conseguida à custa da utilização de equipamentos de captação mais abrangentes, com a consequente necessidade de um complexo trabalho de engenharia sonora que dificilmente é compatível com os imprevistos de uma transmissão directa.

Ocorre-me perguntar se porventura os técnicos de som do MET terão ao menos tido a suspeita de tal necessidade.

É que, como trágica consequência deste facto tivemos um Tristan em que o som foi sempre claramente audível, sim, porém com predomínio permanente das vozes salientando-se em volume por cima de uma massa sonora instrumental informe, em que nada para além do timbre distingue o solo de um clarinete de um conjunto de trompas, de um momento de lirismo das cordas, ou de um fortíssimo de todo o efectivo orquestral wagneriano.

Neste contexto, é virtualmente impossível dizer seja o que for dos desempenhos vocais ou instrumentais dos intérpretes: expressividade, emoção, dinâmicas sonoras ou silêncios emocionais, nada de tal pode ouvir-se no mecânico e uniforme debitar de tudo o que se passa em cena: agora tudo se ouve mas…. tudo é igual ! Impossível também falar da encenação: pouco se vê e… mal !

Os bilhetes para este espectáculo numa sala nova iorquina equipada com pantalhas de alta definição e som surround custam 32 USD. Em salas de cinema da Broadway dotadas de plateias com efeitos realísticos de movimento (tecnologia 4DX) custam 28 USD. Em Espanha pode assistir-se ao espectáculo por 21 euros. Na FCG os bilhetes normais custam 22 euros.

Com essa quantia, quem queira compreender ou mesmo aceder ao prazer do espectáculo lírico através de um registo, deve abster-se de seguir a programação do MET Opera Live e comprar um DVD de um qualquer registo clássico para ver e ouvir adequadamente no seu lar: fica mais barato e facilmente será melhor.


José António Miranda      09/10/2016

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