(review in English below)
O Crepúsculo dos Deuses começa no quarto de Siegfried e Brünhilde que têm um filho. As 3 Norns aparecem vestidas como seres fantasmagóricos, elementos de um sonho da criança, outra novidade desta encenação. Na sala abastada dos Gibichung, encimada por uma fotografia de caça "pesada" (à zebra) do Hagen, Gunter e Gutrune, Hagen põe em prática o seu plano de casar Brünhilde com Gunter e Gutrune com o Siegfried. O Gunter tem escrito na camisola “Who the fuck is Grane?”, mesmo antes de conhecer a Brünhilde e o seu companheiro humano (Grane seria originalmente o cavalo). A frase diz muito da abordagem do encenador. Para conseguir os seus intentos, a poção mágica preparada não é bebida pelo Siegfried, mas antes derramada sobre a cabeça do Grane. Novamente nos aposentos do casal, o diálogo entre a Waltraute e a irmã Brünhilde não conduz a nada de concreto e Gunter maltrata a criança e amarra-a à cadeira. Um desenho da máscara alada encarnada volta a aparecer.
No 2º acto Hagen luta com o pai Alberich num recinto de boxe. Ao convocar os vassalos para receberem os novos casais, aparecem os membros do coro vestidos de negro e com as máscaras aladas encarnadas em bastões, num dos momentos de maior impacto visual de todo o Anel.
O 3º acto passa-se numa piscina vazia, mas onde Siegfried e o filho pescam à linha. Hagen continua a comportar-se como amigo do Siegfried, mas mata-o com uma punhalada nas costas. Ele fica caído no local até a ópera terminar. A marcha fúnebre, magnificamente interpretada pela orquestra, não é marcha nem é acompanhada de qualquer acção no palco. Pelo menos podemos concentrar-nos totalmente num dos momentos mais belos e marcantes da música de todo o Anel.
O Gunter deixa um saco de plástico na piscina e desaparece. A criança acaba também por morrer com uma das máscaras encarnadas na mão. A morte da Brünhilde acontece com ela deitada ao lado do Siegfried, depois de se ter regado, inconsequentemente, com gasolina, e de ter ido buscar ao saco deixado por Gunter a cabeça do Grane, e com ela estabelecer contacto íntimo (por momentos pensei estar a ver a cena final da Salome de Strauss, mas não, foi mesmo o fim do Crepúsculo dos Deuses!). Não houve qualquer fogo nem destruição visível do Valhalla. A ópera termina como começou, com o filme dos dois gémeos in utero, desta vez abraçados um ao outro.
A Orquestra foi excelente e o maestro Cornelius Meister fez um bom trabalho, embora com algumas inconsistências. Houve no público quem não tenha gostado, dado que foi bastante vaiado.
O tenor Stephen Gould foi um bom Siegfried, voz poderosa, afinada, sempre sobre a orquestra. O barítono Albert Dolmen tem um papel muito importante como Hagen e foi um dos melhores da noite. Para além da excelente interpretação vocal, representou como um ser pérfido, como lhe competia. No final não morre, apenas sai de cena. O seu pai Alberich foi novamente bem cantado pelo barítono Ólafur Sigurdarson. Michael Kupfer-Radecky foi outro barítono excelente como Gunter, interpretando uma personagem tonta e desequilibrada.
A Brünhilde voltou a ser a soprano Iréne Teorin que, cantando alto, manteve os problemas da ópera anterior, vibrato excessivo e estridência no registo mais agudo. Excelente foi a soprano Elisabeth Teige como Gutrune (já tivera uma interpretação notável como Freia), de voz clara, versátil, bonita e sempre audível sobre a orquestra. A mezzo Christa Mayer voltou a impressionar pela qualidade interpretativa, desta vez como Waltraute. As 3 Norns foram fantásticas (Okka von der Dammerau, Stéphanie Müther e Kelly God) e as 3 Filhas do Reno não lhes ficaram atrás (Lea-ann Dunbar, Stephanie Houtzeel, Katie Stevenson).
Um naipe de cantores de topo para encerrar um Anel memorável!
No final houve grandes protestos, alternados com aplausos, inicialmente penso que dirigidos à encenação. Os cantores foram muito ovacionados, com excepção de Iréne Teorin que, no meio dos aplausos, também ouviu muitos boos. O maestro foi também contestado, os protestos competiram com os aplausos. O responsável pela produção, Valentin Schwarz, não teve a coragem de aparecer, antecipando a vaia monumental que ouviria, como aconteceu na semana anterior na estreia, dizem que a maior alguma vez ouvida em Bayreuth.
Não tenho nada contra as encenações modernas, desde que se percebam e façam sentido. Não foi para mim o caso deste inesquecível Anel que está muito distante do que Wagner escreveu. Mas mais tarde voltarei ao assunto.
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GÖTTERDÄMMERUNG / THE TWILIGHT OF THE GODS, Bayreuther Festspiele, August 2022
The Twilight of the Gods begins in the bedroom of Siegfried and Brünhilde who have a child. The 3 Norns appear dressed as phantoms, elements of the child's dream, another novelty of this staging. In the Gibichungs' rich living room, topped by a zebra-hunting photograph of Hagen, Gunter and Gutrune, Hagen puts into practice his plan to marry Brünilde to Gunter and Gutrune to Siegfried. Gunter has written “Who the fuck is Crane?” on his shirt, even before he met Brünhilde and her human companion (Grane is originally a horse). The phrase says a lot about the scenic approach. To achieve his aims, the magic potion is not drunk by Siegfried, but poured over Grane's head. Back at the couple's house, the dialogue between Waltraute and her sister Brünhilde leads nowhere and Gunter mistreats the child and ties her to the chair. A drawing of the red winged mask reappears.
In the 2nd act Hagen fights with his father Alberich in a boxing arena. When summoning the vassals to receive the new couples, the members of the choir appear dressed in black and with red winged masks, in one of the moments of greatest visual impact in the entire Ring.
The 3rd act takes place in an empty swimming pool, but where Siegfried and his son are fishing by line. Hagen kills Siegfried with a stab in the back. He lies there dead until the opera is over. The funeral march, magnificently performed by the orchestra, is not a march, unaccompanied by any action on stage. At least we can fully focus on one of the most beautiful and memorable moments of music in the entire Ring. Gunter leaves a plastic bag in the pool and disappears. The child also ends up dying with one of the winged red masks in his hand. Brünhilde's death happens with her lying next to Siegfried, after having showered herself with gasoline, inconsequentially, and having gone to get Grane's head from the bag and making intimate contact with it (for a moment I thought I was watching the final scene of Salome by Strauss, but no, that was the end of Twilight of the Gods!). There was no fire or destruction of Valhalla. The opera ends as it began, with the film of the two twins in utero, this time embracing each other.
The Orchestra was excellent and the conductor Cornelius Meistner did a good job, although with some irregularities, that some members of the public did not appreciate at all.
Tenor Stephen Gould was a good Siegfried, powerful voice, in tune, always over the orchestra. Baritone Albert Dolmen plays a very important role as Hagen and was one of the best of the night. In addition to the excellent vocal interpretation, he played the role as a perfidious being, as he was supposed to. In the end he doesn't die, he just leaves the scene. His father Alberich was again well sung by the baritone Olafur Sigurdarson. Michael Kupfer-Radecky, another excellent baritone as Gunter, despite playing a dizzy and unbalanced character.
Brünhilde was again soprano Iréne Teorin who, singing loudly, kept the problems of the previous opera, excessive vibrato and some stridency in the upper register. Elisabeth Teige was an excellent soprano (she had already had a remarkable performance as Freia), with a clear, versatile, beautiful voice that was always audible over the orchestra. Mezzo Christa Mayer impressed again for her interpretive quality, this time as Waltraute. The 3 Norns were fantastic (Okka von der Dammerau, Stéphanie Müther and Kelly God) and the 3 Daughters of the Rhine were not far behind them (Lea-ann Dunbar, Stephanie Houtzeel, Katie Stevenson).
A group of top singers to end a memorable Ring!
In the end there were big protests, alternating with applause, initially I think aimed at the staging. The singers received a great ovation, with the exception of Iréne Teorin who, in the midst of the applause, also heard a lot of boos. The conductor was also contested, the protests competed with the applause. Production manager Valentin Schwarz didn't have the courage to show up, anticipating the monumental booing he would hear, as happened last week at the premiere, said to be the biggest ever heard in Bayreuth.
I have nothing against modern staging, as long as they are perceived and make sense. This was not the case for me in this unforgettable Ring that is much far away from what Wagner wrote. But I will come back to the subject later on.
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