terça-feira, 30 de agosto de 2022

O NAVIO FANTASMA / DER FLIEGENDE HOLLÄNER, Festival de Bayreuth / Bayreuther Festspiele, Agosto / August 2022

(Review in English below)


A encenação de O Navio Fantasma de Dmitri Thcherniakov é pouco convencional mas muito eficaz e de belo efeito visual. Não há navios. Começa com o olandês em criança a assistir aos encontros sexuais da mãe, uma prostituta, um deles com Daland.  É banida pela comunidade e enforca-se. Fica a ideia que o Holandês volta à terra para se vingar do sucedido com a mãe. O palco é muito dinâmico, tem vários edifícios que se movem em várias direcções, criando cenários muito diferentes, todos escuros, mas mantendo sempre o aspecto de uma aldeia.  Apesar de diferente, R. Wagner não foi violentado nesta produção magnífica.

O encontro inicial do Holandês com o Daland, onde o segundo oferece a filha em casamento, em troca das riquezas exibidas pelo Holandês, é num bar e quase toda a acção se passa em bares e esplanadas, incluindo o primeiro encontro da Senta com o novo noivo. As mulheres têm uma lição de canto quando Senta canta a sua balada. Num jantar em casa de Daland e Mary (aqui a sua companheira), o Holandês reafirma a sua intenção de casar com Senta. Numa das praças criadas pela excelente movimentação do coro em palco, o diálogo entre Senta e Erik é notável. Outra cena marcante, numa esplanada, é a do encontro entre a população local (o coro), querendo divertir-se, e os homens do holandês, todos vestidos de igual, de negro e sem qualquer interacção com a população. Quando o Holandês acusa Senta de infedilidade, mata alguns populares e é morto a tiro pela Mary. A ópera termina com a aldeia em chamas.



A maestrina Oksana Lyniv dirigiu de forma emocionante a excelente Orquestra. O Coro foi verdadeiramente espectacular.




Os solistas estiveram todos ao mais alto nível. O baixo Georg Zeppenfeld de voz grave e imponente, esteve irrepreensível. O barítono Thomas J Mayer foi um holandês impressionante quer no desempenho cénico como coral. Impôs a sua voz grave e penetrante. O tenor Attilio Glaser foi uma agradável surpresa como timoneiro, voz muito bonita, suave e bem audível. O tenor Erik Cutler foi fantástico como Erik, uma voz de rara beleza, potência e emotividade. A mezzo Nadine Weissmann como Mary completou o conjunto de intérpretes de topo. Deixei para o fim a soprano Elisabeth Teige que foi arrasadora como Senta. Só ela teria valido o espectáculo. Tem uma voz lírica, muito potente, cheia de nuances e de agudos impressionantes e não esforçados. Um espanto!





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DER FLIEGENDE HOLLÄNER / THE FLYING DUTCHMAN, Bayreuth Festival, August 2022

The staging of Der Fliegende Holländer by Dmitri Thcherniakov is unconventional but very effective and with a beautiful visual effect. There are no ships. It begins with the Dutchman as a child watching his mother's sexual encounters, a prostitute, one of them Daland. She is banned by the community and hangs herself. The idea remains that the Dutchman returns to the village to take revenge for what happened to his mother. The stage is very dynamic, it has several buildings that move frequently creating very different scenarios, all dark, but always maintaining the appearance of a village. Although different, R. Wagner was not violated in this magnificent production.

The Dutchman's initial meeting with Daland, where the latter offers his daughter in marriage in exchange for the riches displayed by the Dutchman, is in a bar and almost all the action takes place in bars and terraces, including Senta's first meeting with the Dutchman. The women have a singing lesson when Senta sings her ballad. At a dinner at Daland and Mary's house (here she is her partner), the Dutchman reaffirms his intention to marry Senta. In one of the squares created by the excellent movement of the choir on stage, the dialogue between Senta and Erik is remarkable. Another striking scene, on an esplanade, is the meeting between the local population (the choir), wanting to have fun, and the people from the  Dutchman vessel, all dressed alike, in black and without any interaction with the population. When the Dutchman accuses Senta of infidelity, he kills some people and is shot dead by Mary. The opera ends with the village on fire.

Conductor Oksana Lyniv thrillingly directed the orchestra which was excellent, as well as the truly spectacular Choir.

The soloists were all at the highest level. Bass Georg Zeppenfeld, with his deep and imposing voice, was irreproachable. Baritone Thomas J Mayer was an impressive Dutchman in both scenic and choral performance. He imposed his deep, penetrating voice. Tenor Attilio Glaser was a pleasant surprise as helmsman, his voice very beautiful, smooth and very audible. Tenor Erik Cutler was fantastic as Erik, a voice of rare beauty, power and emotion. Mezzo Nadine Weissmann as Mary completed the ensemble of top performers. I left for the end soprano Elisabeth Teige who was absolutely amazing as Senta. She alone would have been worth the performance She has a lyrical voice, very powerful, full of nuances and impressive and effortless top notes. Fabulous!

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sexta-feira, 26 de agosto de 2022

LOHENGRIN, Festival de Bayreuth / Bayreuther Festspiele, Agosto / August 2022

(review in English below)

Este Lohengrin do Festival de Bayreuth, com encenação de Yuval Sharon, é muito bizarro, mas a encenação acaba por ser muito vistosa e agradável. A acção passa-se numa zona de postes eléctricos de alta tensão, todos os intervenientes principais vestem de azul, cor do cenário, o que se traduz num eleito visual muito agradável. A acção é intercalada por projecções de nuvens intensas. Quase todos têm asas de insectos. (Em Bayreuth, a última produção do Lohengrin era dominada por ratos; a actual é por insectos!). É uma comunidade sem líder que anseia por ele. Sempre que se fala no cisne (o irmão da Elsa e potencial líder) aparece a corrente eléctrica nos cabos.


No 3º acto, após o casamento, o quarto dos noivos e os seus trajos são numa cor mais quente, laranja avermelhado (maior segurança no casamento, amor e protecção do Lohengrin), contrastando com o azul de toda a restante cenografia. Mas passada esta cena volta-se ao ambiente azul habitual (excepto a Elsa) e assim tudo se passa até terminar. No final, a Ortrud, com os companheiros do Telramund prenderem todos com uma corda e ela lança fogo sobre os troncos de fogueira, uma vingança face à sabida derrota do duo maléfico da obra. O irmão de Elsa aparece de verde com um pequeno tronco de árvore na mão simbolizando o verde de esperança, de renovação, de renascimento, de uma nova realidade. E talvez por isso, todos tenham de morrer no final. Todos menos Elsa e o irmão, simbolizando essa renovação (e o Bem) e menos Ortrud, ficando a ideia de que o Mal está e estará sempre presente na Vida.




O maestro Christian Thielemann foi excepcional na direcção da Orquestra que esteve ao mais alto nível. O Coro foi magnífico! Mais uma vez, ouviu-se Wagner em todo o seu esplendor.

Também superlativas foras as interpretações vocais. O tenor Klaus Florian Vogt foi um Lohengrin perfeito. Tem um timbre leve inconfundível, de uma beleza e musicalidade ímpares e neste papel é exímio. O In fernem land no 3º acto foi muito bonito e expressivo, apoiado de forma sublime pela orquestra. Acho que quando Wagner escreveu o Lohengrin, teve uma premonição que um dia surgiria um cantor ideal para ele – Klaus Florian Vogt!


A soprano Camilla Nylund foi uma Elsa von Brabant genuína e com boa interpretação vocal, muito emotiva e bem audível sobre a orquestra.



O rei Heinrich foi o baixo Georg Zeppenfeld que, mais uma vez, não deixou os seus créditos por mãos alheias e ofereceu-nos uma interpretação sólida, inteligente, com voz grave potente e bonita. 

O barítono Martin Gantner foi o Friedrich von Telramund. Para mim o menos impressionante dos cantores, apesar de ter tido um bom desempenho. 


Finalmente a Ortrud foi interpretada de forma eficiente e malvada pela mezzo Petra Lang, que tem uma voz imensa. A encenação também a favorece. As suas asas são diferentes das dos restantes, personificando um insecto malévolo. A intervenção vocal final foi arrepiante.


Terminado o espectáculo, o público explodiu em aplausos a todos, que foram obrigados a vir várias vezes ao palco. A maior ovação que ouvi em Bayreuth este ano. 












(Texto escrito com contribuições do wagner_fanatic e do Fanático_Um, que assistiram a récitas em dias diferentes)

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LOHENGRIN, Bayreuth Festival, August 2022

This Lohengrin from the Bayreuth Festival, staged by Yuval Sharon, is very bizarre, but the staging turns out to be very showy and pleasant. The action takes place in an area of ​​high voltage electric poles, all the main actors wear blue, the color of the scenery, which translates into a very pleasant visual choice. The action is interspersed with projections of intense clouds. Almost all have insect wings. (In Bayreuth, the last production of Lohengrin was dominated by rats; the current one is by insects!). It's a leaderless community that craves him. Whenever the swan (Elsa's brother and potential leader) is mentioned, the electrical current appears in the cables.

In the 3rd act, after the wedding, the bride and groom's room and their costumes are in a warmer color, reddish orange (greater security in the marriage, love and protection by Lohengrin), contrasting with the blue of the rest of the scenography. But after this scene, all returns to the usual blue environment (except for Elsa) and that's how everything goes until it's over. In the end, Ortrud, with Telramund's companions, bound everyone with a rope and she threw fire on the bonfire logs, a revenge in the face of the known defeat of the evil duo of the opera. Elsa's brother appears in green with a small tree trunk in his hand, symbolizing the green of hope, of renewal, of rebirth, of a new reality. And maybe that's why everyone has to die in the end. All die except Elsa and her brother, symbolizing this renewal (and the Good) and except Ortrud, leaving the idea that the Evil is and will always be present in Life.

Conductor Christian Thielemann was exceptional in the direction of the Orchestra that was at the highest level. The Choir was magnificent! Once again, Wagner was heard in all his splendor.

Also superlative were the vocal interpretations. Tenor Klaus Florian Vogt was a perfect Lohengrin. He has an unmistakable light timbre, of unparalleled beauty and musicality, and in this role he excels. In fernem land in the 3rd act was very beautiful and expressive, supported in a sublime way by the orchestra. I think that when Wagner wrote Lohengrin, he had a premonition that one day an ideal singer would appear for him – Klaus Florian Vogt!

Soprano Camilla Nylund was a genuine Elsa von Brabant with a good vocal interpretation, very emotional and very audible over the orchestra.

King Heinrich was bass Georg Zeppenfeld who, once again, did not leave his credits in the hands of others and offered us a solid, intelligent interpretation, with a powerful and beautiful bass voice.

Baritone Martin Gantner was Friedrich von Telramund. For me the least impressive of the singers, despite having a good performance.

Finally, Ortrud was played efficiently and evilly by mezzo Petra Lang, who has a huge voice. The staging also favors her. Her wings are different from the rest, personifying a malevolent insect. Her final vocal intervention was chilling.

At the end of the performance the audience burst into applause to all, who were forced to come to the stage several times. This was the biggest ovation I've heard in Bayreuth this year.

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segunda-feira, 22 de agosto de 2022

TRISTÃO E ISOLDA / TRISTAN UND ISOLDE, Festival de Bayreuth / Bayreuther Festspiele, Agosto / August 2022

(review in English below)


Uma produção do Tristão e Isolda de Roland Schwab simples mas muito agradável de ver. No centro do palco há uma estrutura iluminada, semelhante a um lago, que inicialmente parece estar cheia de água. (Num comentário anterior, na ópera A Valquíria, um leitor, de forma muito feliz e adequada, chamou-lhe um poço no fundo do qual se vive um turbilhão de sentimentos e emoções. Recomendo vivamente a leitura de todo o comentário). Os cantores andam à sua volta. Mas com o decorrer da acção, as personagens caminham sobre a sua superfície que vai sofrendo mudanças radicais, passando a cor vermelha, estrelas, remoinhos de fumo e muitos outros efeitos de luz muito diversificados, sempre reactivos ao que é cantado. 

Num patamar superior há uma abertura oval, que permite ver o céu, de dia com nuvens e à noite estrelado. Na periferia dessa abertura há um muro e umas pedras. No 2º acto ficam cobertas de vegetação e no 3º esta, em dois locais, chega à superfície do piso inferior, um excelente indicador do tempo. 

No 3º acto, o corne inglês é tocado em palco nesse nível superior, o que é outra mais valia considerável.


Tudo se passa neste cenário mas a acção é compreensível e os efeitos luminosos têm um resultado fantástico. 

No início aparece o casal ainda como crianças, no 2ºo acto como jovens adultos e no final como idosos, outro belo efeito teatral.


A direcção musical de Markus Poscher foi excelente e a orquestra esteve ao mais elevado nível. Ouviu-se Wagner!



O canto foi excepcional. O tenor Stephen Gould fez um excelente Tristão, de voz sempre bem audível, bem timbrada, sem qualquer falha até final. 


A Isolda da soprano Catherine Foster foi fantástica, oferecendo-nos uma interpretação forte, muito emotiva e bem audível. Os 2º e 3º actos foram perfeitos. Que emoção! 



Também ao mais alto nível esteve o baixo Georg Zeppenfeld que fez um rei Marke notável. A voz é bonita, enorme e muito agradável. 


A mezzo Ekaterina Gubanova foi uma Bargäne irrepreensível, brilhou na presença cénica e a voz é fantástica, sempre perfeitamente afinada e audível em todos os registos. E frequentemente cantou na estrutura superior do palco, bem distante da zona mais central.


O tenor Markus Eiche com voz mais escura que o habitual, fez um óptimo Kurwenal.  


O barítono Ólafur Sigurdarson não destoou como Melot, apesar de a sua intervenção ser curta.







Foi um Tristão e Isolda de topo!

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 TRISTAN AND ISOLDE, Bayreuth Festival, August 2022

The production of Roland Schwab's Tristan and Isolde is simple but very pleasant to watch. In the center of the stage there is an illuminated structure (similar to a lake) that initially appears to be filled with water. Singers walk around it But as the action progresses, the characters walk on its surface, which undergoes radical changes, changing to red, stars, swirls of smoke and many other very diverse light effects, always reactive to what is sung und interpreted.

On an upper level there is an oval opening, which allows to see the sky, with clouds during the day and starry at night. In the contours of this level there is a wall and some stones. In the 2nd act they are covered with green vegetation and in the 3rd, in two places, the vegetation reaches the surface of the lower floor, an excellent indicator of the elapsed time. In the 3rd act, the English horn is played on stage at this higher level, which is another considerable asset. Everything takes place in this setting but the action is understandable and the lighting effects are great.

At the beginning the couple appears as children, in the 2nd act as young adults and at the end as elderly people, another beautiful theatrical effect.

The musical direction of Markus Poscher was excellent and the orchestra was at the highest level. Wagner has been heard!

The singing was exceptional. Tenor Stephen Gould made an excellent Tristan, with a voice that was always very audible, beautiful timbre, without any flaws until the end. Soprano Catherine Foster's Isolde was fantastic, offering a strong, very emotional and very audible interpretation. The 2nd and 3rd acts were perfect. How exciting! Also at the highest level was bass Georg Zeppenfeld who was a remarkable King Marke. The voice is beautiful, big and very pleasant. Mezzo Ekaterina Gubanova was an irreproachable Bargäne, she impressed in the scenic presence and her voice is fantastic, always perfectly in tune and audible in all registers. And she often sang in the upper structure of the stage, well away from the most central zone.

Tenor Markus Eiche with a darker voice than usual, was an excellent Kurwenal. Baritone Ólafur Sigurdarson was a good Melot, despite the fact that his intervention was short.

It was a top Tristan and Isolde!

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