(in English below)
Uma breve nota
sobre a transmissão da Madama Butterfly,
opera de G. Puccini, em cena na Metropolitan Opera de Nova Iorque. Já
neste blogue aqui e aqui tive oportunidade de comentar a genial encenação de Anthony Minghella, responsável por um
dos espectáculos visuais que mais me impressionou em opera.
Na transmissão o
impacto e a beleza da encenação são muito prejudicados porque se perde
totalmente a noção do conjunto e a profundidade do cenário, dada a obsessão de
focagem das caras dos cantores. É pena, porque o
espectáculo é de uma beleza avassaladora. Também hoje a transmissão sonora
esteve pior que habitualmente porque havia períodos (certas posições no palco) em que os cantores quase não se ouviam ou soavam
distorcidos.
O soprano Kristine Opolais disse na entrevista
que a Butterfly era a sua personagem preferida de entre as heroínas puccinianas.
E percebeu-se porquê. Teve uma interpretação inesquecível. Vocalmente esteve
sempre ao mais alto nível, muito emotiva e impecavelmente afinada em todos os
registos. A prestação cénica foi igualmente marcante, evoluindo da adolescente ingénua e sonhadora (apesar da figura da cantora não ajudar aqui) à jovem mãe dilacerada. Fantástica!
O Pinkerton do
tenor Roberto Alagna foi
decepcionante. Na afinação esteve frequentemente mal, falhou algumas notas e
nunca conseguiu transmitir os sentimentos que a personagem impõe. O belo dueto
de amor no final do primeiro acto foi constrangedor. Só no último esteve um
pouco melhor, mas foi uma interpretação para esquecer.
O mezzo Maria Zifchak fez uma Suzuki muito
convincente, de voz bem timbrada e expressiva e boa presença cénica. Também o
barítono Dwayne Croft foi um Sharpless
muito bom. Já o Goro do tenor Tony
Stevenson e o príncipe Yamadori do barítono Yunpeng Wang, embora exuberantemente vestidos, não impressionaram
nas suas interpretações vocais.
No cômputo final
foi um bom espectáculo? Claro que sim, pela encenação maravilhosa do Minghella
e pela interpretação fabulosa da Kristine Opolais!
Madama
Butterfly - MetLife in HD, Gulbenkian Foundation, April 2016
A brief
note on the transmission of Madama
Butterfly, G. Puccini’s opera,
on stage at the Metropolitan Opera in New York. I had the opportunity to
comment on the brilliant staging of Anthony
Minghella in this blog here and here, one of the visual performances that
impressed me most in opera.
In the HD transmission
the impact and beauty of ths staging is very adversely affected because we
totally lose the ensemble of the set and the depth of the scene, given the
obsession to focus the faces of the singers most of the time. It's a shame,
because the staging is of an overwhelming beauty. Also today the sound
transmission was worse than usual because there were times (certain positions
of the singers on stage) in which the singers were hardly heard or sounded
distorted.
Soprano Kristine Opolais said in the interview
that Butterfly was her favorite character from the puccinian heroines. It was
easy to see why. She had an unforgettable interpretation. Vocally she has
always been at the highest level, very emotional and impeccably tuned in all
registers. The scenic performance was also remarkable, evolving convincingly from
the naive and dreamy adolescent to the young lacerated mother. Fantastic!
Tenor Roberto Alagna was disappointing as Pinkerton.
The pitch was often wrong, he missed some notes and never managed to convey the
feelings that the character require. The beautiful love duet at the end of the
first act was terrible. Only in the last act he was a little better, but it was
an interpretation to forget.
Mezzo Maria Zifchak was a very convincing
Suzuki, expressive voice with nice timbre and good stage presence. Also
baritone Dwayne Croft was a very
good Sharpless. But tenor Tony Stevenson’s
Goro and baritone Wang Yunpeng’s Prince
Yamadori, although exuberantly dressed, did not impress on their vocal performances.
All
together, was this a good show? Yes, of course, due to the wonderful staging of
Minghella and the fabulous interpretation of Kristine Opolais!
****
Assisti também à projecção na FCG, e mais uma vez não posso deixar de estar totalmente de acordo consigo, caro Fanático Um.
ResponderEliminarMas também de novo não quero deixar de tentar dar alguma informação complementar de contexto acerca do que pudemos ver.
Tratou-se com efeito de uma lufada de ar fresco nas transmissões ao vivo do MET, e quanto a isso apenas posso lamentar não ter tido a oportunidade de ver o espectáculo na sala de Nova Iorque.
Mas simultaneamente vimos de novo um exemplar da deplorável politica do teatro nova-iorquino.
Trata-se de facto de uma reposição da encenação de Anthony Minghella, o realizador de O paciente inglês (The English Patient, 1996), para a ENO (English National Opera) em 2006.
A essa produção original (em inglês) veio o MET a associar-se depois do êxito londrino e da co-produção em italiano da Lithuanian National Opera, também em 2006.
O espectáculo foi reposto em Vilnius em 2010, no MET em 2011 e agora, e de novo na ENO em 2012.
A singeleza da cenografia utilizada, o cuidadoso trabalho de luzes, a coreografia singular, as roupas, embora tributários da genial encenação parisiense de Bob Wilson em 1993, definiram de algum modo um padrão inspirador para várias produções posteriores.
E embora a estética "soap opera" habitual nas transmissões do MET tenha necessariamente sido aqui menos dominante na realização da transmissão vídeo, os elementos mais radicalmente novos do trabalho de Minghella foram absolutamente desconsiderados no trabalho do responsável por esta realização, Gary Halvorson.
E assim o grande espelho oblíquo posterior que reflecte para a plateia o que se passa no palco, a utilização das marionetas, a narrativa introdutória apresentada durante o prelúdio orquestral, o tratamento cinematográfico do espaço e da luz, foram maltratados pela realização.
E portanto temos durante toda a transmissão a sensação se estarmos a perder o melhor do espectáculo.
E não seria necessário ler o seu desiludido testemunho para o confirmar, caro Fanático Um.
Infelizmente não se trata apenas de uma sensação, mas de uma efectiva realidade, que atinge o seu paroxismo anedótico no momento em que a intervenção de Yamadori é relegada para fora da nossa vista pelo realizador.
Como é habitual no MET não são fornecidos elementos importantes acerca do trabalho produtivo. Neste caso é imperdoável não se saber quem foi responsável pela reposição da encenação: Minghella faleceu em 2008.
Esta falha é tanto mais grave quanto esta produção tem no trabalho de actores um dos seus pontos altos, como aliás refere no seu comentário.
Nesta vertente Kristine Opolais e Maria Zifchak foram de facto extraordinárias. E se tal demonstração fosse necessária, a proverbial incompetência dramática de Roberto Alagna apareceu aqui sublinhada por contraste de forma evidente.
Quanto ao tenor francês concordo totalmente consigo. Infelizmente também sob o ponto de vista vocal parece confirmar-se neste espectáculo o paradigma habitual deste teatro, que adopta e promove persistentemente na sua decadência as vozes consagradas.
JAM
Caro Fanático_Um parabéns por mais um excelente texto. Gostaria de deixar esta pergunta no ar...
ResponderEliminarPorque é que que as grandes casas de ópera continuam a apostar num Roberto Alagna que apenas nos tem apresentado interpretações mais do que decepcionantes.
Forte Abraço
A resposta seria talvez facilitada se em alternativa deixássemos no ar esta outra questão: Porque é que continuamos a considerar grandes casas de ópera as que têm continuamente apostado em nos apresentar cantores e interpretações mais do que decepcionantes?
EliminarEu não seria tão crítico como o José António Miranda. A MetOpera é um teatro conservador (o que tem vantagens em alguns aspectos) e, como tal, contrata sobretudo cantores consagrados e bem conhecidos do público operático local. Muitos são excelentes, mas há também alguns que já passaram há anos o seu melhor período. Alguma aposta em cantores mais jovens e promissores seria muito desejável mas, confesso, não creio que tal venha a suceder nesta catedral da ópera. Para isso, há que olhar para as catedrais europeias (e nem todas...).
EliminarAinda de volta do Minghella! Hehe, comecei a ler o texto curioso porque, como já tinha oportunidade de lhe dizer, estou convencido de que esta é uma encenação feita a pensar nas câmaras e não no palco. Vi-a ao vivo há dois anos e achei-a até um bocado constrangedora, reconhecendo que muitos dos efeitos cénicos deveriam ser excepcionais no grande écran. Continuo desconfiado de que manteria a minha opinião se voltasse a ver ao vivo mas de facto... cinema não é sinónimo de focar constantemente a cara das personagens!
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