Mais um texto de José António Miranda, que o “Fanáticos da Ópera”, agradece.
Ópera de Virgil Thompson (1933)
Libreto de Gertrude Stein
Texto português: Luísa Costa Gomes
Encenação: António Pires
Cenografia: João Mendes Ribeiro
Roupas: Luís Mesquita
Luzes: Vasco Letria
Coreografia/movimento: Paula Careto
Sonoplastia: Paulo Abelho
Intérpretes:
Francisco Tavares
Leonor Keil
Pedro Sousa
Solange Santos
Tiago Careto
Andreia Cabral, Carolina Campanela,
Carolina Serrão, Catarina Félix, Catarina Moreira Pires, Cláudia Alfaiate,
Diogo Leite, Diogo Xavier, Filipa Feliciano, Frances Edward, Francisco Vistas,
Jaime Baeta de Almeida, João Maria, Lourenço Seruya, Mafalda Rodrigues, Rita
Sereno.
O Programa de sala é omisso no que
respeita à interpretação (direcção musical, cantores, coro e orquestra) da
versão gravada da ópera.
Produção: Ar de Filmes (2015)
Co-produção: Act School, Teatro do
Bairro
-----
Uma pedrada no charco da mediocridade
geral prevalecente no panorama lírico-teatral doméstico, ou uma premonição do
que poderia vir a ser, se tal fosse possível, o resultado de uma conjunção de
saberes e labores de jovens artistas nacionais no domínio das artes do palco.
O espectáculo de António Pires e Luísa
Costa Gomes é uma complexa construção de grande beleza feita a partir da ópera
de Virgil Thompson e de algum modo com ela convivendo em contraponto.
E o resultado desta aventura emocional
é de tal modo conseguido, que à medida que seguimos encantados na sua companhia
apenas sentimos no fundo da boca o amargo sabor de estarmos reduzidos à audição
de um registo gravado da ópera, privados assim do que poderia ser o esplendor
da execução desta no local, ao vivo, em simultâneo, com intérpretes, músicos e
coro e cantores, num desempenho cénico global em diálogo com o palco.
(Fotografia de Maria Antunes)
Esse sonho, aliás perfeitamente
compatível com o original dispositivo cénico concebido por João Mendes Ribeiro,
transformaria o que é uma extraordinária demonstração de profissionalismo dos
jovens actores da Act School e um espectáculo de fim de curso de qualidade
ímpar, num produto de arte global à maneira da Gesamtkunst wagneriana.
Bastaria para tal que não vingasse o
habitual espírito de capelinha tão frequente entre nós, e existissem por parte
dos responsáveis pelas estruturas existentes disponibilidade, criatividade e
entusiasmo idênticos aos demonstrados pelos responsáveis deste espectáculo,
para permitir a conjugação do labor de jovens músicos e cantores com uma
proposta teatral deste género.
Penso nomeadamente, por terem
recentemente dado sinais de vida, no Ateliê de Ópera da Metropolitana, no Estúdio de Ópera da Escola Superior de
Música de Lisboa, ou no movimento mpmp.
(Fotografia de Maria Antunes)
Mas passemos do sonho à realidade para
descrever o que se passa de facto no palco do Teatro do Bairro.
Num espaço negro de rigorosa
austeridade que se prolonga para o infinito, para trás e para cima pela
utilização de um vasto espelho, os intérpretes do texto de Luísa Costa Gomes
explicitam pela verbalidade e pela expressividade corporal as emoções que a
música de Thompson e o libreto de Gertrude Stein veiculam.
A esta exposição cénica da ópera
assistimos nós, simples espectadores, desfrutando graças ao espelho colocado no
fundo do palco, de uma segunda visão global do conjunto, como se fôssemos
deuses pairando acima das dúvidas e angústias dos protagonistas.
Mas a todo o momento, procurados com
progressiva intensidade acima de nós pelos olhares e gestos dos intérpretes e
sentidos por todos, intérpretes e espectadores, os sons da ópera nos recordam
que não somos nem deuses nem santos, mas simplesmente homens e mulheres comuns
a quem ambos, deuses e santos, se existirem interpelam permanentemente.
O texto português, de Luísa Costa
Gomes, recria ou reproduz de modo exemplar o libreto original, mantendo com o
texto de Gertrude Stein um afinidade tal que é permitido considerá-lo como
parte integrante de um novo libreto de um espectáculo integrando a audição da
ópera.
Sob o ponto de vista formal a prosódia
do texto português supera frequentemente o modelo, e coloca-nos no êxtase
subtil de acompanhar com crescente prazer o saltitar do discurso de personagem
para personagem, ou na deliciosa posição de nos abandonarmos, levados pelo
mágico embalar dos discursos simultâneos tão característico da oralidade
lírica.
Em terra, no palco, desde o início se
descobre uma gravidade solene expressa na deambulação dos múltiplos
intervenientes, que desenham coreografias de um rigoroso formalismo e adoptam
posturas e movimentos imbuídos de profunda carga simbólica, e desse modo
contrastam e preenchem a vacuidade do discurso tornando-o significante.
Ali, no espaço aberto que no final está
limitado às dimensões de uma sala de ensaio de ballet, e pela mão dos
dois mestres de cerimónias que recordam o herói de A clockwork orange de
Kubrick, são assim sucessivamente expostos à nossa frente os florões de
variadas mitologias religiosas, numa caleidoscópica viagem cuja vertigem apenas
é interrompida a espaços pela audição da ópera.
Esta pontuação do discurso cénico, em
palco, pela música vinda de cima, do céu, potenciada plasticamente pela
presença do espelho, confere ao conjunto uma coerência e uma unidade tais que é
difícil imaginar como será possível dar a ver de outro modo a ópera de Virgil
Thompson.
(Fotografia de Maria Antunes)
A tensão resultante deste diálogo entre
o que se passa em palco e a réplica que a audição da ópera lhe fornece, ou
entre a ópera que se ouve e a sua demonstração cénica, gera momentos de grande intensidade
lúdica, e nós espectadores que estamos no seu centro, entre o céu e a terra,
somos os felizes beneficiários dessa dinâmica emocional.
E pela mão de António Pires e na
companhia dos vinte e um intérpretes em palco, fazemos a viagem em três actos
pela terra dos santos, não apenas os quatro santos do título da ópera, mas
todos eles, como se com eles seguíssemos num poema: São João vai pela mão/de
Santa Helena com pena/de São Tomé que caminha/ por seu pé com Santa Teresa/que
de surpresa vai presa/numa cruz de Santo André.
Um espectáculo a não perder, e a
demonstração de que é possível, com escassos recursos materiais mas com farta
contribuição de criatividade, génio e trabalho, produzir algo que, como um
sonho, perdurará na nossa memória para sempre.
José António Miranda 15/07/2015
hi dear Fanatico :) yukarıda 3.foto, bizim Mevlevi' lerin '' Sema '' gösterisidir ve danseden adamlara '' Semazen '' denir ... Onların üstadı ( piri ) '' Mevlana '' hazretleridir .. çok güzel (very beautiful ) foto, very thanks..
ResponderEliminar--regards..