sexta-feira, 17 de julho de 2015

QUATRO SANTOS EM TRÊS ACTOS, Teatro do Bairro, Lisboa,4/07/2015



Mais um texto de José António Miranda, que o “Fanáticos da Ópera”, agradece.

Ópera de Virgil Thompson (1933)
Libreto de Gertrude Stein

Texto português: Luísa Costa Gomes
Encenação: António Pires

Cenografia: João Mendes Ribeiro
Roupas: Luís Mesquita
Luzes: Vasco Letria
Coreografia/movimento: Paula Careto
Sonoplastia: Paulo Abelho

Intérpretes:
Francisco Tavares
Leonor Keil
Pedro Sousa
Solange Santos
Tiago Careto
Andreia Cabral, Carolina Campanela, Carolina Serrão, Catarina Félix, Catarina Moreira Pires, Cláudia Alfaiate, Diogo Leite, Diogo Xavier, Filipa Feliciano, Frances Edward, Francisco Vistas, Jaime Baeta de Almeida, João Maria, Lourenço Seruya, Mafalda Rodrigues, Rita Sereno.

O Programa de sala é omisso no que respeita à interpretação (direcção musical, cantores, coro e orquestra) da versão gravada da ópera.

Produção: Ar de Filmes (2015)
Co-produção: Act School, Teatro do Bairro

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(Fotografia de Maria Antunes)

Uma pedrada no charco da mediocridade geral prevalecente no panorama lírico-teatral doméstico, ou uma premonição do que poderia vir a ser, se tal fosse possível, o resultado de uma conjunção de saberes e labores de jovens artistas nacionais no domínio das artes do palco.

O espectáculo de António Pires e Luísa Costa Gomes é uma complexa construção de grande beleza feita a partir da ópera de Virgil Thompson e de algum modo com ela convivendo em contraponto.

E o resultado desta aventura emocional é de tal modo conseguido, que à medida que seguimos encantados na sua companhia apenas sentimos no fundo da boca o amargo sabor de estarmos reduzidos à audição de um registo gravado da ópera, privados assim do que poderia ser o esplendor da execução desta no local, ao vivo, em simultâneo, com intérpretes, músicos e coro e cantores, num desempenho cénico global em diálogo com o palco.

(Fotografia de Maria Antunes)

Esse sonho, aliás perfeitamente compatível com o original dispositivo cénico concebido por João Mendes Ribeiro, transformaria o que é uma extraordinária demonstração de profissionalismo dos jovens actores da Act School e um espectáculo de fim de curso de qualidade ímpar, num produto de arte global à maneira da Gesamtkunst wagneriana.

Bastaria para tal que não vingasse o habitual espírito de capelinha tão frequente entre nós, e existissem por parte dos responsáveis pelas estruturas existentes disponibilidade, criatividade e entusiasmo idênticos aos demonstrados pelos responsáveis deste espectáculo, para permitir a conjugação do labor de jovens músicos e cantores com uma proposta teatral deste género.

Penso nomeadamente, por terem recentemente dado sinais de vida, no Ateliê de Ópera da Metropolitana, no Estúdio de Ópera da Escola Superior de Música de Lisboa, ou no movimento mpmp.

(Fotografia de Maria Antunes)

Mas passemos do sonho à realidade para descrever o que se passa de facto no palco do Teatro do Bairro.
Num espaço negro de rigorosa austeridade que se prolonga para o infinito, para trás e para cima pela utilização de um vasto espelho, os intérpretes do texto de Luísa Costa Gomes explicitam pela verbalidade e pela expressividade corporal as emoções que a música de Thompson e o libreto de Gertrude Stein veiculam.

A esta exposição cénica da ópera assistimos nós, simples espectadores, desfrutando graças ao espelho colocado no fundo do palco, de uma segunda visão global do conjunto, como se fôssemos deuses pairando acima das dúvidas e angústias dos protagonistas.

Mas a todo o momento, procurados com progressiva intensidade acima de nós pelos olhares e gestos dos intérpretes e sentidos por todos, intérpretes e espectadores, os sons da ópera nos recordam que não somos nem deuses nem santos, mas simplesmente homens e mulheres comuns a quem ambos, deuses e santos, se existirem interpelam permanentemente.

O texto português, de Luísa Costa Gomes, recria ou reproduz de modo exemplar o libreto original, mantendo com o texto de Gertrude Stein um afinidade tal que é permitido considerá-lo como parte integrante de um novo libreto de um espectáculo integrando a audição da ópera.

Sob o ponto de vista formal a prosódia do texto português supera frequentemente o modelo, e coloca-nos no êxtase subtil de acompanhar com crescente prazer o saltitar do discurso de personagem para personagem, ou na deliciosa posição de nos abandonarmos, levados pelo mágico embalar dos discursos simultâneos tão característico da oralidade lírica.

Em terra, no palco, desde o início se descobre uma gravidade solene expressa na deambulação dos múltiplos intervenientes, que desenham coreografias de um rigoroso formalismo e adoptam posturas e movimentos imbuídos de profunda carga simbólica, e desse modo contrastam e preenchem a vacuidade do discurso tornando-o significante.

Ali, no espaço aberto que no final está limitado às dimensões de uma sala de ensaio de ballet, e pela mão dos dois mestres de cerimónias que recordam o herói de A clockwork orange de Kubrick, são assim sucessivamente expostos à nossa frente os florões de variadas mitologias religiosas, numa caleidoscópica viagem cuja vertigem apenas é interrompida a espaços pela audição da ópera.

Esta pontuação do discurso cénico, em palco, pela música vinda de cima, do céu, potenciada plasticamente pela presença do espelho, confere ao conjunto uma coerência e uma unidade tais que é difícil imaginar como será possível dar a ver de outro modo a ópera de Virgil Thompson.

(Fotografia de Maria Antunes)

A tensão resultante deste diálogo entre o que se passa em palco e a réplica que a audição da ópera lhe fornece, ou entre a ópera que se ouve e a sua demonstração cénica, gera momentos de grande intensidade lúdica, e nós espectadores que estamos no seu centro, entre o céu e a terra, somos os felizes beneficiários dessa dinâmica emocional.

E pela mão de António Pires e na companhia dos vinte e um intérpretes em palco, fazemos a viagem em três actos pela terra dos santos, não apenas os quatro santos do título da ópera, mas todos eles, como se com eles seguíssemos num poema: São João vai pela mão/de Santa Helena com pena/de São Tomé que caminha/ por seu pé com Santa Teresa/que de surpresa vai presa/numa cruz de Santo André.

Um espectáculo a não perder, e a demonstração de que é possível, com escassos recursos materiais mas com farta contribuição de criatividade, génio e trabalho, produzir algo que, como um sonho, perdurará na nossa memória para sempre.


José António Miranda    15/07/2015

1 comentário:

  1. hi dear Fanatico :) yukarıda 3.foto, bizim Mevlevi' lerin '' Sema '' gösterisidir ve danseden adamlara '' Semazen '' denir ... Onların üstadı ( piri ) '' Mevlana '' hazretleridir .. çok güzel (very beautiful ) foto, very thanks..
    --regards..

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