sexta-feira, 10 de julho de 2015

DON GIOVANNI de W. A. Mozart — Palau de la Música Catalana, 27.05.2015

(Review in English below)


Assisti à ópera buffa Il dissoluto punito ossia Il Don Giovanni, KV 527, de Wolfgang Amadeus Mozart. Trata-se de uma ópera estreada em Praga no ano de 1787 com libreto do italiano Lorenzo da Ponte que é, com pleno mérito, considerada uma das mais geniais obras do reportório lírico.


Trata-se de uma ópera em que a personagem principal Don Giovanni (um verdadeiro psicopata) exibe toda a arte do galanteio e segue, como lema de vida, a busca incessante do prazer, não interessando os meios que utiliza para obter os seus fins. A genialidade da obra está não só na sua beleza poética, mas também na sua tremenda dimensão psicológica, na construção ímpar das identidades das personagens, nas suas múltiplas nuances interpretativas (permitindo-se muitas leituras) e na tensão criada apesar do aparato buffo envolvente. E a música de Mozart é tão perfeita que não há descrição que lhe faça jus.


O Palau de la Música Catalana apresentou esta ópera em versão de concerto (ligeiramente encenada) com o conhecido maestro René Jacobs na direcção de uma muito competente Freiburger Barokorchester.


Jacobs é um dos maiores especialistas mundiais nas interpretações históricas das peças deste período e, concretamente, das óperas de Mozart, apresentando frequentemente este tipo de espectáculos. Já assistimos em Lisboa a Die Zauberflöte de qualidade sublime. A sua interpretação foi viva e perfeita no estilo mozartiano adoptado, criando a atmosfera certa que a obra exige e em sintonia com os cantores. Apesar disso, permito-me uma opinião de gosto: achei que algumas vezes ia rápido demais...


A minha apreciação dos cantores está muito condicionada pela sala. Era a primeira vez que ouvia canto lírico no Palau. Por outros concertos, já achava que a acústica deixava algo a desejar (o que não se estranha porque é tudo mármore, azulejo e vidro), mas para canto é uma sala extremamente ingrata. A isso acresce a minha localização no segundo piso... o som perdia-se por patamares...


Johannes Weisser (Don Giovanni)
 tem uma voz com bom timbre para o papel e foi um Don Giovanni rápido e seguro, embora com uma prosódia pouco galanteadora. A ária Fin ch’han dal vino correu bem mas sem deslumbrar, estando muito bem na canzonetta Deh vieni alla finestra e no Finale.

Marcos Fink (Leporello)
 foi o cantor mais cómico de todo o elenco. Possui uma voz potente e um timbre excelente para o papel. Foi um Leporello fantástico e esteve muito bem na emblemática ária Madamina, il catalogo è questo.

Jeremy Ovenden (Don Ottavio)
 teve um óptimo fraseado e ofereceu-nos uma interpretação de bom nível na ária Dalla sua pace.

Birgitte Christensen (Donna Anna) tem uma voz potente e agradável e teve uma interpretação segura e expressiva. Mas não chegou a todas as notas na estupenda ária Non mi dir, bell’idol mio (ainda tinha no ouvido a gravação de Diana Damrau...).

Alexandrina Pendatchanska (Donna Elvira) foi muito competente no seu papel, apresentando-se sem mácula, mas não me transmitiu muita emoção: Dona Elvira é uma personagem ambivalente e algo histriónica, sendo que o segundo aspecto não passou. Em todo o caso, foi uma óptima presença com as suas árias Ah chi mi disse mai e Mi tradi quell’alma ingrata.

Sunhae Im (Zerlina) tem uma voz melodiosa e ligeira e esteve em bom plano em todas as suas intervenções, nomeadamente em Batti, batti, o bel Masetto e Vedrai carino.

Tareq Nazmi (Masetto e Commendatore)
 foi uma dupla personagem. Tem uma voz profunda e intensa e teve uma boa prestação sobretudo como Commendatore em que a sua voz ressoou austera pelo Palau.

O Cor de Cambra del Palau de la Música Catalana (dirigido por Josep Vila i Casañas) esteve impecável em todas as suas intervenções.

Foi, pois, uma muito agradável e muito bem recebida récita numa das mais bonitas salas de concerto europeias.

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(Review in English)

I attended the opera buffa Il dissolute punito ossia Il Don Giovanni, KV 527 by Wolfgang Amadeus Mozart. It is an opera premiered in Prague in 1787 with libretto of Lorenzo da Ponte. With full merit, this opera is considered one of the most brilliant works of the operatic repertoire.

It is an opera in which the main character Don Giovanni (a psychopath prototype) exhibits all the art of courtship and follows as motto of life to pursuit of pleasure, no matter the means he uses to achieve his ends. The genius of the work is not only in its poetic beauty, but also in its tremendous psychological dimension, the unique construction of the identities of the characters in its many interpretive nuances (allowing up many different readings) and created tension despite the surrounding buffo apparatus. And Mozart's music is so perfect that there is no description that will make you eligible.

The Palau de la Música Catalana presented this opera in concert version (slightly staged) with the renowned conductor René Jacobs directing a very competent Freiburger Barokorchester. Jacobs is one of the leading experts in historical interpretations of the pieces of this period and, specifically, the operas of Mozart, often presenting this type of concerts. We have seen in Lisbon one Die Zauberflöte of sublime quality. His interpretation was alive and in the perfect Mozartian style he adopted, creating the right atmosphere that the work requires and in tune with singers. Nevertheless, allow me a taste of opinion: I thought sometimes he went too fast...

My appreciation of the singers is very conditioned by the hall itself. It was the first time I heard classical singing at Palau. For other concerts, as thought the acoustics left something to be desired (which is not strange because it's all marble, tile and glass), but for singing is an extremely thankless hall. For that, my location on the second floor does not help... the sound was lost ground by ground...

Johannes Weisser (Don Giovanni) has a voice with good timbre for the role and was a quick and secure Don Giovanni, though with a little coquettish prosody. The aria Fin ch'han dal vino went well but without dazzle, being very well in Canzonetta Deh vieni alla finestra and Finale.

Marcos Fink (Leporello) was the most comic singer of the cast. He has a powerful voice and a great tone for the role. He was a fantastic Leporello and did very well in the flagship aria Madamina, il catalogo è questo.

Jeremy Ovenden (Don Ottavio) had a great phrasing and offered us a good level interpretation in the aria Dalla sua pace.

Birgitte Christensen (Donna Anna) has a powerful and pleasant voice and had a secure and expressive interpretation. But she did not reach all the top notes in the stupendous aria Non mi dir, bell'idol mio (I still had in my ear Diana Damrau’s recording...).

Alexandrina Pendatchanska (Donna Elvira) was very competent in her role, presenting in an unblemished shape, but did not gave me a lot of emotion: Dona Elvira is an ambivalent character and something histrionic, and the second aspect has not passed. In any case, it was a great presence with her arias Ah chi mi dice mai and Mi tradi quell'alma ingrata.

Sunhae Im (Zerlina) has a melodious and soft voice and was in good plan in all her interventions, particularly in Batti, batti, bel Masetto and Vedrai carino.

Tareq Nazmi (Masetto and Commendatore) was a double character. He has a deep, intense voice and had a good performance especially as Commendatore with his voice resonating in austere way by Palau.

The Cor Cambra del Palau de la Música Catalana (directed by Josep Vila i Casañas) was superb in all its interventions.


So it was a very nice and very well received recital in one of the most beautiful European concert halls.

2 comentários:

  1. É interessante que o mesmo cantor interprete, na mesma récita, personagens tão antagónicas como o Masetto e o Commendatore!

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  2. A sala do Palau é ingrata com a voz ? Então imagine com o piano. Ouvi lá a M.J. Pires e foi uma lástima a ressonância dos vidros e azulejos.

    E a Freiburger, não é do outro mundo? Não deve haver melhores músicos para tocar Mozart.

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