(Review in English below)
Assisti à ópera buffa Il dissoluto punito ossia Il Don Giovanni, KV 527, de Wolfgang Amadeus Mozart. Trata-se de
uma ópera estreada em Praga no ano de 1787 com libreto do italiano Lorenzo da Ponte que é, com pleno
mérito, considerada uma das mais geniais obras do reportório lírico.
Trata-se de uma ópera em que a personagem
principal Don Giovanni (um verdadeiro psicopata) exibe toda a arte do galanteio
e segue, como lema de vida, a busca incessante do prazer, não interessando os
meios que utiliza para obter os seus fins. A genialidade da obra está não só na
sua beleza poética, mas também na sua tremenda dimensão psicológica, na
construção ímpar das identidades das personagens, nas suas múltiplas nuances
interpretativas (permitindo-se muitas leituras) e na tensão criada apesar do
aparato buffo envolvente. E a música
de Mozart é tão perfeita que não há descrição que lhe faça jus.
O Palau
de la Música Catalana apresentou esta ópera em versão de concerto (ligeiramente
encenada) com o conhecido maestro René
Jacobs na direcção de uma muito competente Freiburger Barokorchester.
Jacobs é um dos maiores especialistas
mundiais nas interpretações históricas das peças deste período e,
concretamente, das óperas de Mozart, apresentando frequentemente este tipo de
espectáculos. Já assistimos em Lisboa a Die Zauberflöte de qualidade sublime.
A sua interpretação foi viva e perfeita no estilo mozartiano adoptado, criando
a atmosfera certa que a obra exige e em sintonia com os cantores. Apesar disso,
permito-me uma opinião de gosto: achei que algumas vezes ia rápido demais...
A minha apreciação dos cantores está muito
condicionada pela sala. Era a primeira vez que ouvia canto lírico no Palau. Por
outros concertos, já achava que a acústica deixava algo a desejar (o que não se
estranha porque é tudo mármore, azulejo e vidro), mas para canto é uma sala
extremamente ingrata. A isso acresce a minha localização no segundo piso... o
som perdia-se por patamares...
Johannes Weisser (Don Giovanni)
tem uma voz com bom timbre
para o papel e foi um Don Giovanni rápido e seguro, embora com uma prosódia
pouco galanteadora. A ária Fin ch’han dal
vino correu bem mas sem deslumbrar, estando muito bem na canzonetta Deh vieni alla finestra e no Finale.
Marcos Fink (Leporello)
foi o cantor mais cómico de todo
o elenco. Possui uma voz potente e um timbre excelente para o papel. Foi um
Leporello fantástico e esteve muito bem na emblemática ária Madamina, il catalogo è questo.
Jeremy Ovenden (Don Ottavio)
teve um óptimo fraseado e
ofereceu-nos uma interpretação de bom nível na ária Dalla sua pace.
Birgitte Christensen (Donna Anna) tem uma voz potente e agradável
e teve uma interpretação segura e expressiva. Mas não chegou a todas as notas
na estupenda ária Non mi dir, bell’idol
mio (ainda tinha no ouvido a gravação de Diana Damrau...).
Alexandrina Pendatchanska (Donna Elvira) foi muito competente no seu
papel, apresentando-se sem mácula, mas não me transmitiu muita emoção: Dona
Elvira é uma personagem ambivalente e algo histriónica, sendo que o segundo
aspecto não passou. Em todo o caso, foi uma óptima presença com as suas árias Ah chi mi disse mai e Mi tradi quell’alma ingrata.
Sunhae Im (Zerlina) tem uma voz melodiosa e ligeira e
esteve em bom plano em todas as suas intervenções, nomeadamente em Batti, batti, o bel Masetto e Vedrai carino.
Tareq Nazmi (Masetto e Commendatore)
foi uma dupla
personagem. Tem uma voz profunda e intensa e teve uma boa prestação sobretudo
como Commendatore em que a sua voz ressoou austera pelo Palau.
O Cor de Cambra del Palau de
la Música Catalana (dirigido por Josep Vila i Casañas) esteve impecável em
todas as suas intervenções.
Foi, pois, uma muito agradável e muito bem
recebida récita numa das mais bonitas salas de concerto europeias.
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(Review in English)
I attended the opera buffa
Il dissolute punito ossia Il Don Giovanni, KV 527 by Wolfgang Amadeus
Mozart. It is an opera premiered in Prague in 1787 with libretto of Lorenzo da Ponte. With full merit, this
opera is considered one of the most brilliant works of the operatic repertoire.
It is an opera in which the
main character Don Giovanni (a
psychopath prototype) exhibits all the art of courtship and follows as motto of
life to pursuit of pleasure, no matter the means he uses to achieve his ends.
The genius of the work is not only in its poetic beauty, but also in its
tremendous psychological dimension, the unique construction of the identities of
the characters in its many interpretive nuances (allowing up many different readings)
and created tension despite the surrounding buffo
apparatus. And Mozart's music is so perfect that there is no description that
will make you eligible.
The Palau de la Música Catalana presented this opera in concert version
(slightly staged) with the renowned conductor René Jacobs directing a very competent Freiburger Barokorchester. Jacobs is one of the leading experts in
historical interpretations of the pieces of this period and, specifically, the
operas of Mozart, often presenting this type of concerts. We have seen in
Lisbon one Die Zauberflöte of sublime quality. His interpretation was
alive and in the perfect Mozartian style he adopted, creating the right
atmosphere that the work requires and in tune with singers. Nevertheless, allow
me a taste of opinion: I thought sometimes he went too fast...
My appreciation of the singers
is very conditioned by the hall itself. It was the first time I heard classical
singing at Palau. For other concerts, as thought the acoustics left something
to be desired (which is not strange because it's all marble, tile and glass),
but for singing is an extremely thankless hall. For that, my location on the
second floor does not help... the sound was lost ground by ground...
Johannes Weisser (Don Giovanni) has a voice with good timbre for the role and was a quick
and secure Don Giovanni, though with a little coquettish prosody. The aria Fin ch'han dal vino went well but
without dazzle, being very well in Canzonetta Deh vieni alla finestra and Finale.
Marcos Fink (Leporello) was the most comic singer of the cast. He has a powerful
voice and a great tone for the role. He was a fantastic Leporello and did very
well in the flagship aria Madamina, il
catalogo è questo.
Jeremy Ovenden (Don Ottavio) had a great phrasing and offered us a good level interpretation
in the aria Dalla sua pace.
Birgitte Christensen (Donna Anna) has a powerful and pleasant voice and had
a secure and expressive interpretation. But she did not reach all the top notes
in the stupendous aria Non mi dir,
bell'idol mio (I still had in my ear Diana Damrau’s recording...).
Alexandrina Pendatchanska (Donna Elvira) was very competent in her role,
presenting in an unblemished shape, but did not gave me a lot of emotion: Dona
Elvira is an ambivalent character and something histrionic, and the second
aspect has not passed. In any case, it was a great presence with her arias Ah chi mi dice mai and Mi tradi quell'alma ingrata.
Sunhae Im (Zerlina) has a melodious and soft voice and was in good plan in all her
interventions, particularly in Batti,
batti, bel Masetto and Vedrai carino.
Tareq Nazmi (Masetto and Commendatore) was a double character. He has a deep,
intense voice and had a good performance especially as Commendatore with his
voice resonating in austere way by Palau.
The Cor Cambra del Palau de la Música Catalana (directed by Josep Vila i Casañas) was superb in all
its interventions.
So it was a very nice and
very well received recital in one of the most beautiful European concert halls.
É interessante que o mesmo cantor interprete, na mesma récita, personagens tão antagónicas como o Masetto e o Commendatore!
ResponderEliminarA sala do Palau é ingrata com a voz ? Então imagine com o piano. Ouvi lá a M.J. Pires e foi uma lástima a ressonância dos vidros e azulejos.
ResponderEliminarE a Freiburger, não é do outro mundo? Não deve haver melhores músicos para tocar Mozart.