segunda-feira, 28 de maio de 2012

Orquestra Sinfónica Juvenil de Caracas — FCG, 20 de Maio de 2012


(review in English below)

A FCG trouxe ao seu Anfiteatro a famosa Orquestra Sinfónica Juvenil de Caracas que integra o plano de formação musical venezuelano El Sistema e que teve Gustavo Dudamel como um dos nomes mais sonantes à sua frente. Actualmente, o Director Musical da orquestra é o venuzuelano Dietrich Paredes.

A primeira obra que ouvimos foi a Sinfonia n.º 3 em Dó menor "com órgão", op. 78 de Camille Saint-Saens. Dedicada a Franz Liszt, foi estreada em Londres em Maio de 1896 sob direcção do próprio Saint-Saens, um compositor bastante apreciado em terras britânicas. Uma das suas mais marcantes características é a integração do órgão ao longo da peça, sendo que a última parte do 2.º andamento é de uma enorme beleza.

A segunda obra foi de Dmitri Shostakovich: Sinfonia n.º 10 em Mi menor, op. 93. Foi estreada em Leningrado em 1953 pouco tempo após a morte de Estaline, sob a direcção de Mravinsky. É uma sinfonia que marca o início do processo de reabilitação do compositor perante as autoridades do regime soviético e que exprime todas as capacidades sinfónicas deste enorme compositor. Está cheia de ritmos e tonalidades e destaca-se o carácter bélico do 2.º andamento.

(fotos FCG)

Ouvimos de ambas as obras uma excelente interpretação, com uma orquestra muito equilibrada entre os diversos naipes e em que os diversos interpretes puderam demonstrar a sua qualidade, apesar da sua juventude, sob a batuta de um maestro experiente e que se mostrou muito entrosado com os músicos.


De notar a boa disposição deste conjunto de jovens músicos e a sua enorme qualidade. É difícil ouvir uma orquestra soar com a qualidade a que tivemos oportunidade de ouvir.
Já vestidos com as cores da bandeira da Venezuela, e após a interpretação das duas peças, ainda nos presentearam com diversos encores de autores latino-americanos, terminando em euforia com o Mambo do West Side Story de Bernstein. Demonstraram cabalmente como a música dita erudita pode ser muito divertida e como pode juntar os jovens em torno de uma actividade ao mesmo tempo exigente e lúdica. O projecto El Sistema é magnífico e deixou o público entusiasmadíssimo!

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Youth Symphony Orchestra of Caracas - FCG, May 20, 2012

The FCG brought to us the famous Youth Symphony Orchestra of Caracas plan that integrates the Venezuelan music education system El Sistema that had Gustavo Dudamel as one of the most influent personality. Currently the Music Director of the orchestra is the Venezuelan Dietrich Walls.

The first piece we heard was the Symphony no. 3 in C minor "with organ," op. 78 by Camille Saint-Saens. Dedicated to Franz Liszt, it was premiered in London in May 1896 under the direction of Saint-Saens, a composer greatly appreciated in British lands. One of the most striking features is the integration of the organ along the piece.

The second work was Dmitri Shostakovich: Symphony no. No. 10 in E minor, op. 93. It was premiered in Leningrad in 1953 shortly after Stalin's death, under the direction of Mravinsky. It's a symphony that marks the beginning of the rehabilitation process of the composer over the authorities of the Soviet regime and that expresses the full capabilities of this great symphonic composer. It is full of rhythms and tones.

We heard from both works excellent interpretations, with an orchestra well balanced between the various suits, and that the various interpreters were able to demonstrate their quality, despite their youth, under the baton of an experienced conductor that was very mingling with musicians.

Please note the willingness of this group of young musicians and their outstanding quality. It is difficult to hear an orchestra sound with the quality that we have heard.
Already dressed in the colors of the flag of Venezuela, and after the interpretation of two parts, still present us with several encores of Latin American composers, ending in euphoria with Mambo from West Side Story by Bernstein. Fully demonstrated how classical music can be said a lot of fun and how young people can gather around an activity both demanding and fun. The project El Sistema is magnificent and left the public in high spirits!

sexta-feira, 25 de maio de 2012

MADAMA BUTTERFLY, METropolitan Opera, Nova Iorque / New York, Março de 2012


(text in english below)

Madama Butterfly é uma ópera de Giacomo Puccini com libretto de Guiseppe Giacosa e Luigi Illica. O enredo pode ler-se aqui.


A encenação de Anthony Minghella é assombrosa! Foi, de longe, a encenação mais conseguida que vi desta ópera e penso que melhor é impossível. Há um respeito absoluto pelo conteúdo da ópera e pelo que pensamos serem as tradições japonesas. O palco, escuro e com uma escadaria ao fundo, está quase vazio. Mas um jogo de biombos móveis extremamente eficaz, associado às luzes coloridas, assegura uma acção sempre em movimento e de uma eficácia absoluta. Também o vistoso e colorido guarda-roupa contribui para a beleza plástica do espectáculo.


Toda a encenação é de uma beleza indescritível mas há partes inolvidáveis. No final do primeiro acto, no dueto amoroso entre Cio-Cio-San e Pinkerton, a “dança” das lanternas esféricas traz verdadeira magia à cena. A neve é outra mais valia assinalável. Também de efeito cénico marcante é o momento em que Butterfly está com o seu marido americano e, subitamente, ele desaparece, à passagem de um biombo.


O recurso a marionetes japonesas Bunarku é o aspecto mais original e um dos mais marcantes da encenação. O filho de Cio-Cio-San e Pinkerton é uma delas. Têm cerca de metade da dimensão de um ser humano, não são manipuladas por fios mas sim por dois ou três especialistas, quase invisíveis pelo público, cada um responsável por uma parte corporal diferente da marionete. Fabuloso!

(Fotografia da Met Opera / Photography from Met Opera)


A direcção musical esteve a cargo de Placido Domingo. Foi má e quase conseguiu estragar a qualidade superior da produção. Impôs à orquestra uma prestação irregular e, sobretudo, amorfa e monótona ao longo de toda a representação. Nunca conseguiu evidenciar os momentos de exaltação amorosa, nem os de angústia e desespero. Lamentável!
Não percebo por que razão Domingo, um dos maiores nomes do canto lírico dos últimos tempos, insiste em apresentar-se como maestro. Nessa função é medíocre ou mau e, só graças ao seu prestígio como cantor, consegue que os grandes teatros de ópera o tolerem como maestro. Uma pena.


Patrícia Racette, soprano americano,  foi uma Butterfly convincente. A cantora está longe de ter os 15 anos de Cio-Cio-San (nenhuma os tem!) mas desempenha o papel (no qual é especialista) com grande convicção. As notas mais altas já não lhe saem como outrora, mas continua a impressionar pela qualidade interpretativa, cénica e vocal.


B.F. Pinkerton foi interpretado pelo tenor italiano Roberto de Biasio. Esteve muito bem, a voz tem assinalável qualidade e beleza e os agudos surgem sem esforço aparente. Cenicamente esteve também irrepreensível.


 Maria Zifchak, mezzo americano, foi uma Suzuki de alta qualidade. A voz grave impõe-se com facilidade e esteve sempre bem em todas as intervenções.


Merece relevo o cônsul americano Sharpless, a cargo do barítono francês Laurent Naouri. A voz tem um belo timbre e potência assinalável, o que permitiu ao cantor um bom desempenho.


Gostaria ainda de deixar uma referência muito positiva ao barítono Tony Stevenson que fez um Goro notável, vocal como cenicamente.




Em conclusão, assisti, no Met, a mais uma récita deslumbrante que nem a má direcção musical de Placido Domingo conseguiu estragar.
Já tinha visto esta produção na televisão. Mas é um dos casos em que só ao vivo se consegue desfrutar de toda a grandiosidade e beleza do espectáculo.

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Madama Butterfly, Metropolitan Opera, New York, March 2012

Madama Butterfly is an opera by Giacomo Puccini with libretto by Giuseppe Giacosa and Luigi Illica.
The plot can be read here.

The staging of Anthony Minghella is stunning! It was by far the most successful staging of this opera that I saw and I think best is impossible. There is an absolute respect for the content of the opera and what we think are Japanese traditions. The stage, dark and with a staircase to the bottom, is nearly empty. But a set of highly effective mobile screens, coupled with colored lights, ensured an action always moving and wholly effective. Also the gaudy and colorful costumes contribute to the visual beauty of the show.

The whole scenario is absolutely beautiful but there are unforgettable parts. At the end of the first act, during the love duet between Cio-Cio-San and Pinkerton, the "dance" of spherical lanterns brings real magic to the scene. The
snow is another notable effect.
Also striking is the scenic effect is the moment when Butterfly is with her American husband, and suddenly he disappears, at the passage of a screen.

The use of Japanese Bunarku puppets is the most unique and one of the most striking features of the production. The son of Cio-Cio-San and Pinkerton is one of them. They have about half the size of a human being, are not handled by wires but by two or three persons, barely visible by the public, each responsible for a body part of the puppet. Absolutely fabulous!

The musical direction was by Placido Domingo. He was bad and almost succeeded in ruining the superior quality of the production. The orchestra, under his direction, provided an irregular, amorphous and flat sound throughout the performance. Never managing to show the loving moments of exaltation, nor the anguish and despair parts. Regrettable!
I do not understand why Domingo who is one of the biggest names in opera singing in recent years, insists on presenting himself as a conductor. In this he is mediocre or bad. Only due to his reputation as a singer, can the important opera houses tolerate him as a conductor.
A pity.

Patricia Racette, American soprano, was a convincing Butterfly. The singer is far from the 15-year-Cio-Cio-San (no singer has them!) But she played the role (in which she is a specialist) with great conviction. The higher notes are no longer as good as before, but she still impressed by the quality of her performance, vocal and artistic. 

BF Pinkerton was played by Italian tenor Roberto de Biasio. He was very good, the voice has remarkable quality and beauty, and top notes came without apparent effort. Artistically he was blameless.

Maria Zifchak, American mezzo, was a remarkable Suzuki. The low register was sang with ease and she was always well in all interventions.

The American consul Sharpless was French baritone Laurent Naouri.
The voice has a beautiful tone and remarkable power, which allowed the singer to perform well.

I would also leave a very positive reference to baritone Tony Stevenson who made a high quality Goro, both vocal and artistic.

In conclusion, I saw, at the Met, a most dazzling performance, that even a bad musical direction of Placido Domingo could not spoil.

I had seen this production on television before. But only live one can enjoy all the grandeur and beauty of the show.

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terça-feira, 22 de maio de 2012

La Rondine, Teatro de São Carlos, Lisboa, Maio de 2012



(text in english below)

La Rondine é uma ópera (commedia lirica) de G. Puccini com libretto de A.M. Willner e Heinz Reichert. É mais uma história de um amor que acaba mal mas, neste caso, sem a morte da protagonista.

A obra musical, de grande beleza melódica, insere-se no verismo, os protagonistas são pessoas simples, o amor é mundano. Tem muitas semelhanças com La Bohème: o café Bullier (Momus), o casal principal Magda e Ruggero (Mimí e Rodolfo) “apoiado” no secundário Lisette e Prunier (Musetta e Marcello).


 A acção passa-se em Paris no Século XIX. Magda é uma cortesã amante de Rambaldo, um banqueiro. Prunier, um poeta, compara-a a uma andorinha (La Rondine) em busca do amor. Apaixona-se pela criada Lisette. Chega o jovem Ruggero e todos vão festejar para o café Bullier. Magda, disfarçada de Paulette, vai ao café e apaixona-se por Ruggero. É reconhecida e diz a Rambaldo que encontrou o amor verdadeiro. Este tenta uma reconciliação, mas em vão. Ruggero, apaixonado, diz a Magda que mãe lhe deu permissão para se casar. Magda recusa e afasta-se, com medo de revelar o seu passado e, com ele, arruinar a vida de Ruggero.


A encenação de Nicola Raab é vistosa e curiosa. A acção foi transportada para o início do Século XX. Recorre-se à evocação do passado, Magda escreve as suas memórias e revive cenas passadas ao longo da acção. O primeiro acto passa-se num salão na sua casa. Há inúmeras caras pintadas em panos suspensos, que permanecerão ao longo de toda a récita. Possivelmente evocam personagens da vida de Magda. O segundo acto, no café Bullier, é muito semelhante ao 2º acto de La Bohéme, no café Momus. A encenação é muito bem conseguida e a intervenção do coro é, aqui, notável. No último acto, na Côte d’Azur, o palco aparece despido, apenas com uma cadeira de praia e um gurada-sol e, suspensos, vários objectos (mesa, cadeiras, piano, bicicleta, janelas). De novo as memórias do passado.


 O maestro argentino José Miguel Esandi dirigiu superiormente a Orquestra Sinfónica Portuguesa que teve uma das suas melhores actuações nesta temporada. Também o Coro do Teatro Nacional de São Carlos esteve muito bem.


 Em relação aos solistas, tivemos uma interpretação integralmente assegurada por cantores portugueses, facto que merece apreço. Tenho tido o privilégio de ouvir ao vivo os maiores cantores da actualidade e, de facto, há uma diferença considerável. Mas o espectáculo foi agradável e digno.

O soprano Dora Rodrigues interpretou Magda com sobriedade e boa presença cénica. O papel é extenso e a cantora manteve a qualidade de interpretação ao longo da récita. Contudo, não conseguiu transmitir a leveza e doçura necessárias em certas partes e, nomeadamente, não brilhou na belíssima aria Chi il bel sogno di Doretta.


 A Lisette de Carla Caramujo (soprano) foi mais irregular, alternando intervenções interessantes com outras em que mal se ouvia. Em cena esteve também credível.


 Luís Rodrigues (barítono) foi um Rambaldo de qualidade. O papel é pequeno mas a voz é bem timbrada e esteve sempre bem colocada.


 Ruggero foi interpretado pelo tenor Mário João Alves. Foi o cantor mais frágil da noite. Teve grandes problemas em projectar a voz que, frequentemente, não se ouvia. Quando subia a notas mais elevadas, perdia qualidade. A interpretação cénica foi estática.


 O tenor Marco Alves dos Santos, como Prunier, foi o melhor da noite. Mostrou uma potência vocal assinalável, timbre agradável e boa presença em palco.


 Outros cantores em palco tiveram interpretações curtas mas dignas: Cristiana Oliveira, Sofia de Castro, Ana Ferro, Bruno Almeida, Hugo Oliveira, Nuno Dias, Daniel Paixão, Filipa Lopes, Nuno Cardoso e Costa Campos.






Recomendo também a leitura do texto do Plácido Zacarias no blogue Opera Lisboa.


Em tempos de crise, um espectáculo como este é digno, repito, e satisfaz as necessidades do público (que não compareceu em peso) e dos músicos envolvidos. Tudo se deveria fazer para, pelo menos, manter produções como esta no nosso único teatro nacional de ópera. A opção pela não programação (ou corte acentuado) de uma temporada lírica seria uma morte cultural anunciada, indígna de um País como o nosso.

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La Rondine, Teatro de São Carlos, Lisbon, May 2012

La Rondine is an opera (commedia lirica) by G. Puccini with libretto by A.M. Willner e Heinz Reichert. It's a story of a love that ends badly, but in this case without the death of the protagonist. The musical work is of great melodic beauty and belongs to the verismo. The characters are simple people, love is mundane. It has many similarities with La Bohème: café Bullier (Momus), the main couple Magda and Ruggero (Mimi and Rodolfo) "backed" on the secondary couple Lisette and Prunier (Musetta and Marcello).

The action is set in Paris in the nineteenth century. Magda is a courtly lover of Rambaldo, a banker. Prunier, a poet, compares her to a swallow (La Rondine) in search of love. He falls in love with her maid Lisette. A young man, Ruggero, arrives and everyone will celebrate in café Bullier. Magda, disguised as Paulette, goes to the café and falls in love with Ruggero. She is recognized by all and tells Rambaldo she found true love. He attempts reconciliation, but in vain. Ruggero, passionate, says Magda that his mother gave him permission to marry. Magda refuses and walks away, afraid to reveal her past and with it, ruining the live of Ruggero.

The staging by Nicola Raab is showy and curious
. The action was taken to the early twentieth century. Drawing on evocation of the past, Magda writes her memories and relives past episodes along the performance. The first act is set in a room in her home. There are numerous faces painted on suspended panels, which will remain throughout the performance. Possibly they reflect past people in the life of Magda. The second act, in café Bullier, is similar to the 2nd act of La Bohème, in café Momus. The staging is very efficient and the intervention of the chorus is remarkable here. In the last act, in the Côte d'Azur, the stage appears empty, only with a beach chair and an umbrella, and suspended several objects (table, chairs, piano, bike, windows). Past memories again.

Argentine maestro José Miguel Esandi directed superiorly the Orquestra Sinfónica Portuguesa which had one of its best performances this season. Also the Chorus of the Teatro Nacional de São Carlos was very good.

In relation to the soloists, we had a full interpretation by Portuguese singers, a fact which deserves appreciation. I have had the privilege of hearing live the greatest singers of our time and in fact there is a considerable difference. But the performance was nice and decent.

Soprano Dora Rodrigues played Magda with sobriety and good stage presence. The singing demand is big and the artist has kept the quality of interpretation throughout the performance. However, she did not manage to convey the lightness and sweetness required in certain parts, and in particular, she was not brilliant in the beautiful aria Chi il bel sogno di Doretta.

Soprano Carla Caramujo’s Lisette was more irregular, alternating interesting interventions with others where she could barely be heard. On stage she was also credible.

Baritone Luís Rodrigues was a good quality Rambaldo. The role is small but the voice has a nice timbre and was always well audible.

Ruggero was played by tenor Mario João Alves. He was the weakest performer of the night. He had great problems in projecting the voice, which often was not audible. When he sung top notes, he lost quality. Artistically he was very static.

Tenor Marco Alves dos Santos, as Prunier, was the best singer of the night. He sowed a remarkable vocal power, nice tone and good stage presence.

Other singers on stage had short but dignified interpretations: Cristiana Oliveira, Sofia de Castro, Ana Ferro, Bruno Almeida, Hugo Oliveira, Nuno Dias, Daniel Paixão, Filipa Lopes, Nuno Cardoso and Costa Campos.

In times of crisis, a performance like this is worthy, I repeat, and meets the needs of the public and of the musicians. Everything should be done to, at least, keep productions like this one in our only national opera theater. The option of not programming (or sharp cutting) of an opera season would be an announced cultural death, unworthy of a country like ours.
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domingo, 20 de maio de 2012

I Capuleti e i Montecchi, Bayerische Staatsoper, Maio de 2012


(imagens da transmissão da Bayerische Staatsoper / Images from the broadcast by Bayerische Staatsoper)

A Bayerische Staatsoper ofereceu-nos no dia 19 de Maio a possibilidade de assistir em directo,  no seu site, à récita de I Capuleti e i Montecchi, de V. Bellini. Tive oportunidade de assistir ao vivo a esta produção em Munique, como referi aqui. A ópera, de fazer chorar as pedras da calçada, é um pitéu para os apreciadores do belcanto, entre os quais me incluo. Para desfrutar plenamente da música, devemos esquecer tudo o resto (Romeu cantado por uma mulher, encenações bizarras, etc.).




Como já referi, não gosto desta produção. É excessivamente austera e o marketing à sua volta, nomeadamente na entrega do guarda-roupa a um costureiro da moda (Christian Lacroix), não traz nenhuma mais valia. Mas o que mais condeno é a opção por colocar os cantores em posições extremamente incómodas e desajustadas, nomeadamente Giulietta que tem que cantar empoleirada num lavatório ou em equilíbrio instável numa estrutura arredondada no palco.




Yves Abel dirigiu a orquestra da Bayerische Staatsoper numa interpretação que não foi perfeita.


 Paul Gay, baixo-barítono francês, cantou bem o papel de Lorenzo. Não tem nenhuma característica que o distinga da generalidade dos bons barítonos actuais.


Capello foi interpretado pelo baixo croata Ante Jerkunica. Apesar de o papel ser curto, o cantor teve oportunidade de nos mostrar que possui uma das mais belas vozes de baixo actualmente no activo dos teatros de ópera.


O tenor greco-americano Dimitri Pittas foi um Tebaldo de grande qualidade. A voz tem um timbre agradável e o cantor projecta-a bem.


Vesselina Kasarova, mezzo búlgaro, cantou o Romeu. Foi uma das grandes da noite. A voz é bonita, o timbre escuro, mas com agudos fáceis, fortes e sem perda de qualidade.


Guilietta foi interpretada pelo soprano russo Anna Netrebko, que já tive o privilégio de ver interpretar este papel ao vivo, em Londres. Era a grande atracção da noite e não deixou os seus créditos por mãos alheias. Foi mais uma fabulosa interpretação da artista que está a cantar melhor que nunca. O poderio vocal é absoluto, a potência avassaladora, a beleza tímbrica única e a interpretação insuperável. A Netrebko não tem rival na actualidade e sempre que temos possibilidade de a ouvir, o canto assume uma grandiosidade só proporcionada por muito poucos.





Obrigado Bayerische Staatsoper!

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I Capuleti e i Montecchi, Bayerische Staatsoper, May 2012

The Bayerische Staatsoper offered us the opportunity (on May 19th) to watch live the performance of I Capuleti e i Mintecchi, by V. Bellini. Previously, I watched live this production in Munich, as I mentioned here. This opera, of profound sadness,, is a delicacy for belcanto lovers, among whom I include myself.  
To fully enjoy the music, one must forget everything else (Romeo sung by a woman, bizarre productions, etc.).

As I mentioned, I do not like this production. It is too austere and the marketing around it, including the clothes by a fashion stylist (Christian Lacroix), bring no added value. But what I most condemn is the option to put the singers in positions extremely uncomfortable and inadequate, particularly Giulietta who has to sing perched in a sink or on a rounded structure on stage.

Yves Abel conducted the orchestra of the Bayerische Staatsoper in an interpretation that was not perfect.

Paul Gay, French bass-baritone, played well the role of Lorenzo. He has no feature that distinguishes his interpretation from the generality of the current good baritones.

Capello was played by Croatian bass Ante Jerkunica. Although the interpretation was short, the singer had the opportunity to show us that he has one of the most beautiful bass voices currently singing in opera houses.

Greek-American tenor Dimitri Pittas was a high quality Tebaldo. The voice has a pleasant timbre and the singer uses it well.

Vesselina Kasarova, Bulgarian mezzo, played Romeo. She was one of the great singers of night. The voice is beautiful, dark, but top notes are easy, highly audible without loss of quality.

Guilietta was sung by Russian soprano Anna Netrebko. I’ve had the privilege of seeing her live in this role in London. She was the great attraction of the night and she confirmed everybody’s high expectations. It was another fabulous interpretation of the artist who is singing better than ever. Her vocal overwhelming power is absolute, the beauty of the timbre is unique, and the interpretation is unsurpassed. Netrebko has no rival at her level in present days and whenever we have the chance to hear her, singing takes on a grandeur only offered by very few artists.

Thank you Bayerische Staatsoper!

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sexta-feira, 18 de maio de 2012

Dietrich Fischer-Dieskau – o seu "Canto do Cisne"



Aos 86 anos, um dos cantores mais emblemáticos do canto lírico do século XX terminou hoje a sua “Viagem de Inverno” deixando para sempre viva a sua voz, através das inúmeras gravações de Lieder e de Ópera.

A nossa mais sentida homenagem a Dietrich Fischer-Dieskau! Obrigado por tudo!



Gute Nacht do ciclo Winterreise - Franz Schubert



Dietrich Fischer Dieskau – His Swan Song


At the age of 86, one of the most iconic lyric singers of the twentieth century completed today his "Winterreise" leaving his voice forever alive through the numerous recordings of Lieder and Opera.

Our most heartfelt tribute to Dietrich Fischer-Dieskau! Thank you for everything!


Gute Nacht from Winterreise - Franz Schubert

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Brahms, Bruckner e o Coro e Orquestra Gulbenkian — 17 de Maio de 2012

(review in English below)

A FCG apresentou-nos hoje (e amanhã repetir-se-á) um concerto dedicado a Brahms e a Bruckner.

(fotos FCG)

A primeira parte foi inteiramente dedicada a Johannes Brahms. Começámos por ouvir Begrabnisgesang, op. 13 (Canção fúnebre), em Dó menor, obra composta em 1958 e estreada em Hamburgo no ano seguinte baseada num poema de Michael Weisse. Surge na sequência do interesse pela música coral, nomeadamente da música renascentista, à qual dedicava boa parte do seu estudo. Seguiu-se Schicksalslied, op. 54 (Canção do Destino), obra composta entre 1868 e 1871, ano em que foi estreada em Karlsruhe e tem por base um poema de Friedrich Hoderlin, texto esse que o próprio Brahms modificou "dizendo algo que o poeta não diz".


A segunda parte foi dedicada a uma obra de música sacra do compositor checo Anton Bruckner — Missa n.º 3, em Fá menor, A Grande. Composta entre 1867 e 1868, foi estreada apenas em 1872 em Viena, a obra sofreu diversas alterações ao longo das décadas seguintes, espelhado o carácter obsessivo e perfeccionista do compositor, sempre muito auto-crítico e permeável a sugestões de terceiros.


O maestro belga Philippe Herreweghe, psiquiatra de formação e músico por paixão, tentou compreender o discurso musical de ambos os compositores, e fez com que a Orquestra Gulbenkian soasse com muita qualidade, acompanhando bem um Coro Gulbenkian que, uma vez mais, esteve a um nível de excelência.


A participação dos solistas aconteceu apenas para a Missa n.º 3 de Bruckner, sendo que o soprano português Sandra Medeiros esteve a um bom nível, com uma voz clara e bem projectada; o meio-soprano português Cátia Moreso teve poucas intervenções, mas pareceu-nos ter uma voz equilibrada, entrando sempre bem; o tenor alemão Hans Jorg Mammel foi o elemento dotado da voz mais interessante do ponto de vista do timbre, muito embora, apesar do ser gigante, não tenha projectado a voz com a energia esperada; o barítono português foi Diogo Oliveira e esteve em bom nível, com uma boa projecção da voz, um bonito timbre, apesar de alguma dificuldade no registo mais grave.



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(review in English)

The FCG has presented us with today (and tomorrow will be repeated) a concert dedicated to Brahms and Bruckner.

The first half was entirely dedicated to Johannes Brahms. We began to hear Begrabnisgesang, op. 13 (Funeral Song), in C minor, a work composed in 1958 and premiered in Hamburg the following year based on a poem by Michael Weisse. Follows the interest in choral music, particularly the music of the Renaissance, which devoted much of his study. It was followed by Schicksalslied, op. 54 (Song of Destiny), a work composed between 1868 and 1871, the year that was premiered in Karlsruhe and it is based on a poem by Friedrich Hoderlin, text which Brahms himself modified "saying something that the poet doesn’t said."

The second part was devoted to a work of sacred music of Czech composer Anton Bruckner - Mass No. 3 in F minor, The Great. Composed between 1867 and 1868, it was released only in 1872 in Vienna, the work has undergone several changes over the decades that followed, which is a signal of Bruckner’s obsessive and perfectionist character, always very self-critical and open to suggestions of others.

The Belgian conductor Philippe Herreweghe, psychiatrist and musician by passion, tried to understand the musical discourse of both composers, and made with the Gulbenkian Orchestra sounded with a great quality and accompanying Gulbenkian Choir, once more, at a level of excellence.

The participation of soloists just happened to Mass no. 3 by Bruckner, and the Portuguese soprano Sandra Medeiros was a good level, with a clear voice, the Portuguese mezzo-soprano Cátia Moreso had a few interventions, but she seemed to have a well-balanced voice, always going well, the German tenor Hans Jörg Mammel was the element that has the most interesting voice in terms of tone, though, in spite of being giant, he has not projected the voice with the expected energy; the Portuguese baritone Diogo Oliveira was in good level, with a good projection of voice, a beautiful tone.