Manon é uma ópera comique em cinco actos do
compositor francês Jules Massenet e
foi estreada a 19 de Janeiro de 1884 na Ópera-Comique em Paris. Baseada no
romance L’Histoire du chevalier des
Grieux et de Manon Lescaut de Abbé Prévost escrito em 1731, teve o libretto
a cargo de Henri Meilhac e de Antoine Philippe Gille e é um dos
ícones da belle-époque parisiense.
(algumas fotografias/photos Met Opera)
É a segunda ópera mais representada de Massenet —
só superada por Werther — e foi, entre 2005 e 2010, a 89.º ópera mais
representada internacionalmente (fonte: operabase.com).
A história é um romance de amor que acaba, como
habitualmente na época, na morte trágica da heroína, uma adolescente ávida de
prazer, dinheiro e luxo que se tornam os catalisadores da sua morte prematura
na penúria. Para uma sinopse detalhada, veja-se, por exemplo, o programa de
sala disponibilizado pela Fundação (http://www.musica.gulbenkian.pt/2011_2012/files/00000000/00000120_0015.pdf)
A encenação de Laurent
Pelly que o Metropolitan repôs hoje em cena, é simples, mas eficaz. Como
uma boa direcção de actores, Pelly faz-nos passar pelas diversas cenas e actos
sem nunca nos sujeitar a interpretações rebuscadas.
Apesar de um ou outro
pormenor menos coerente — transporta-nos para o século XIX, mas na segunda cena
do 3.º acto apresenta-nos lâmpadas fluorescentes... —, os cenários foram muito
bem conseguidos, com destaque para a pobreza, profundidade e penumbra do
cenário do 5.º e derradeiro acto, o que é totalmente condizente com o
despojamento a que Manon se vê obrigada pela sua condenação ao exílio, e à
imposição de uma doença que se revelaria letal e que contrasta com a riqueza
material que esta almejava e que chegou a alcançar.
Esta mesma encenação já foi presenciada ao vivo
pelo nosso Fanático_Um que aqui deixou o seu testemunho e do qual,
naturalmente, aconselho nova leitura (http://fanaticosdaopera.blogspot.pt/2010/07/manon-royal-opera-house-londres-julho.html).
De notar que a récita a que assistiu em Julho de 2010 na Royal Opera House em
Londres foi por este considerada a melhor da temporada.
A direcção da Orquestra
do Metropolitan esteve a cargo de Fabio
Luisi, actual director do MET. Apesar de ser a sua estreia em Manon, Luisi
não teve de cerrar os dentes para nos dar uma boa interpretação, plena de
brilho e de energia. Curiosamente, Luisi batia hoje um record: dirigiu 20
récitas num só mês! É obra! Questionado, sobre esse facto, por Deborah Voigt —
hoje no papel de apresentadora —, o maestro mostrou-se humilde e enalteceu a
qualidade dos músicos e a relação de confiança que mantém com os diversos
elementos da orquestra.
O soprano russo Anna Netrebko foi, obviamente, a figura de maior destaque, não só
pelo próprio papel de heroína que desempenhava, como por ser uma das mais
cintilantes divas da ópera actual. Uma vez mais confirmou a sua enormíssima
qualidade: é uma cantora com uma voz muito madura, de uma potência incrível,
com um timbre muito bonito e só seu, capaz de uns agudos perfeitos a que sabe
aliar (como poucas!) uma presença em palco assombrosa e de uma entrega ímpar.
Esteve avassaladora na ária “Adieu, notre
petite table”. Brilhante!
O tenor polaco Piotr
Beczala foi o Chevalier des Grieux, papel que constituiu não só a estreia
na ópera Manon, como a cantar Massenet. Apresentou a sua voz muito cuidada, de
timbre único e muito belo, com uns agudos muito bonitos e equilibrados, e foi,
cenicamente, muito seguro, entregando-se totalmente ao papel e transmitindo a
emoção própria da personagem de um modo extremamente coerente. Foi excepcional
em “Ah, fuyez douce image”.
Creio
ser de destacar a belíssima interacção entre Netrebko e Beczala: foram um par
intenso e que nos proporcionaram belíssimos duetos, com destaque para os do
final do 2.º e 5.º actos. Uma maravilha!
O barítono brasileiro Paulo Szot foi Lescaut. Famoso dos espectáculos da Broadway esteve
em muito bom plano quer vocal, quer cenicamente. O baixo americano David Pittsinger foi um Comte des
Grieux eficaz, intervindo sempre com segurança. O tenor francês Christophe Mortagne foi um Guillot de
Morfontaine cómico, sempre a perseguir todas as damas: cumpriu bem o papel e,
como francês que é, teve uma óptima dicção. O baixo-barítono americano Bradley Garvin foi de Brétigny e também
se apresentou sem reparos. Anne-Carolyn
Byrd (Pousset), Jennifer Black (Javotte)
e Ginger Costa-Jackson (Rosette)
formaram o trio de cortesãs e cumpriram bem com as poucas exigências dos seus
papéis.
Em suma, assistiu-se a mais um óptimo espectáculo
com qualidade acima da média e das quais se destacam Netrebo e Beczala como as
estrelas mais cintilantes. “Et c'est là l'histoire de
Manon Lescaut”.
-----------
(review in English)
Manon is an opera
comique in five acts by the French composer Jules Massenet, premiered at January 19, 1884 at the Opera-Comique
in Paris. Based on the novel L'Histoire
du chevalier des Grieux et de Manon Lescaut by Abbé Prévost and written in 1731, the libretto is by Henri Meilhac and Antoine Philippe Gille, and it is one of the icons of belle-époque.
(Some photos / photos Met
Opera)
It is the second most
represented Massenet opera - only surpassed by Werther - and it was between
2005 and 2010, 89th more internationally represented opera (source:
operabase.com).
The story is a common love
story that ends up, as usual at the time, in the tragic death of the heroine, a
young girl eager for pleasure, money and luxury that finally become the
catalyst for his premature death in penury. For a detailed synopsis, see, for
example, the program available at Gulbenkian Foundation site (http://www.musica.gulbenkian.pt/2011_2012/files/00000000/00000120_0015.pdf).
The staging by Laurent Pelly that the Metropolitan put
back on the scene is simple, but effective. With a good actors direction, Pelly
makes us go through the various scenes and acts without ever subject us to
elaborate interpretations. Although a one or another less coherent detail — he
takes us to the nineteenth century, but in the second scene of the third act he
presents us with fluorescent lamps... — the sets were very good, with emphasis
on the poverty, depth and gloom scenario of fifth and final act, which is fully
consistent with the simplicity Manon is forced into by her conviction to exile,
and by the imposition of a condition that would prove to be lethal for her, and
which contrasts with the wealth that she desired and had achieved.
Fanático_Um witnessed once this
same production that he left here his own testimony (http://fanaticosdaopera.blogspot.pt/2010/07/manon-royal-opera-house-londres
-julho.html). That Manon he attended in July 2010 at the Royal Opera House
in London was considered by him the best opera of the season.
Fabio Luisi, the current
director of the MET, conducted the Metropolitan Orchestra. Although this was his
debut in Manon, Luisi did not have to grit his teeth to give us a good
interpretation, full of brilliance and energy. Interestingly, Luisi hit a
record today: 20 recitations addressed in one month! Asked about that fact, by
Deborah Voigt – today in the role of presenter - the conductor showed up humbly
and praised the quality of the musicians and the trust it has with the various
elements of the orchestra.
The Russian soprano Anna Netrebko was obviously the most
prominent figure, not only by the heroine role she played. She is one of the
most sparkling divas of opera today. Once again confirmed its outstanding
quality: she is a singer with a very mature voice with an incredible power, a
beautiful tone that is only hers, she allies with an amazing stage presence and
unique commitment. She was overwhelming in the aria "Adieu, notre petite table". Brilliant!
The Polish tenor Piotr Beczala was the Chevalier des
Grieux, a role that represented not only his debut singing Manon, but also
singing a Massenet opera role. He presented his very watchful voive, unique and
beautiful tone, sharp and balanced high, and was scenically very safe,
surrendering completely to the role and conveying the emotion of the character in
an extremely coherent manner. He was great in "Ah, fuyez douce image".
I think it is worth noting the
wonderful interaction between Netrebko and Beczala: they were an intense couple
who provided us with beautiful duets, especially that on the end of the second
and fifth acts. A wonder!
The Brazilian baritone Paulo Szot was Lescaut. The famous
Broadway singer was in very good plan either vocal or scenically. The American
bass David Pittsinger was a Comte
des Grieux effective, intervening with secure manner every time. The French
tenor Christophe Mortagne was a
humorous Guillot de Morfontaine, always chasing all the ladies, that, as a
Frenchman, had a great diction. The American bass-baritone Bradley Garvin was Brétigny and he also performed well and with no
repairs. Anne-Carolyn Byrd
(Pousset), Jennifer Black (Javotte)
and Ginger Costa-Jackson (Rosette)
formed the trio of courtesans and complied well with the few demands of their
roles.
In short, there was another
great opera show with above average quality staring Netrebo and Beczala as the brightest
stars of the evening. "Et c'est là
l'histoire de Manon Lescaut".
Rever esta ópera e esta produção foi uma experiência muito gratificante.
ResponderEliminarMas, como dizem sempre as apresentadoras do MetLive (hoje Deborah Voigt), ao vivo é muito melhor. É verdade.
Piotr Beczala e, sobretudo, Anna Netrebko, proporcionaram-nos o melhor que se pode esperar.
Agradeço ao camo_opera a referência que fez ao meu comentário de há anos. Continuo a achar que, aquela récita a que assisti, foi uma das melhores da minha vida.
Cumprimentos.
Exceptuando um agudo algo "calante", salvo erro, na "gavotte" do terceiro acto, Netrebko exibiu uma fulgurância vocal assinalável.
ResponderEliminarDo mesmo modo, a fruição de um tenor como Beczala, capaz de evocar a elegância e ardor de destacados estilistas como Alfredo Kraus ou Alain Vanzo, neste reportório específico, constitui-se assaz prazenteira, qual irresistível refrigério auditivo.
Piotr Beczala canta frequentemente a opera Werther de Massenet
ResponderEliminarTambém eu tive a oportunidade de ouvir a estreia desta produção em Londres, aliás no mesmo dia que o FanaticoUm, e num dia especial para mim: no meu dia de aniversário :)
ResponderEliminarTive pena de não poder ter assistido a esta projecção do MetLive mas revivi um pouco alguns momentos daquela tarde-noite em Londres ao ler a sua fantástica crítica.
Pelly é brilhante em praticamente tudo o que tem feito. E Netrebko continua, Beczala continua, num nível que se espera durar mais uns anos. Parabéns pela crítica!
Parabéns pela crônica, sou fã do blog!
ResponderEliminarUm abraço
Também estive na Gulbenkian, e basicamente concordo com a opinião do camo_opera: encenação fácil de perceber, orquestra de enorme qualidade, dois belíssimos cantores nos protagonistas. Achei a Netrebko extraordinária, e não dei pela tal falha a que se refere o Hugo Santos.
ResponderEliminarUm problema que senti com quase todos os cantores foi o sotaque - ou antes, os sotaques.
Manon estava programada para ser apresentada no Brasil, a empresa que fazia a transmissão (MovieMobz) fez o favor de cancelar todas as transmissões desse ano. Vi Paulo Szot diversas vezes ao vivo no Brasil, inclusive em uma Manon em 2002. Um grande barítono. Depois da fama nos musicais e do prêmio Tony ele nunca mais apareceu por aqui.Tentei contato com ele algumas vezes para uma entrevista no blog , mas nunca obtive resposta.
ResponderEliminarAli Hassan Ayache
Caros,
ResponderEliminarFanático_um: foi, efectivamente, um enorme prazer assistir à Manon do MetLive HD. E é evidente que ao vivo é sempre uma experiência mais marcante, desde logo pela não-digitalização da voz! Ainda assim, em havendo ninguém perde! Eu também já tive o privilégio de ouvir Netrebko ao vivo e a memória da sua voz a fazer vibrar-me as membranas dos tímpanos naquela sala do Scala ficará, para sempre, a ressoar!
Hugo Santos: concordo inteiramente consigo quanto à qualidade da Netrebko e do Beczala. São artistas de mão cheia. Relativamente ao agudo "algo calante" de que fala, não me dei conta desse. Pareceu-me ouvir uma pequena falha no primeiro acto, mas, dada a qualidade do soprano, a ter havido foram insignificantes e largamente ultrapassados pela sua qualidade absoluta. E cenicamente ela é perfeita: no 4.º acto reparou quando lhe saltou um dos brincos? Não perdeu tempo em tornar um percalço num momento cénico: pegou no outro brinco e atirou-o fora, num momento muito adequado ao texto que cantava.
Wagner_fanatic: muito obrigado! Pelly é muito bom, de facto. Espero que possa continuar a presentear-se com boas récitas no seu dia de anos. Nada melhor do que a música para assinalar a passagem dos tempos sobre nós: revigora!
Antonio Machado: é sempre muito amável. Obrigado!
Cara Gi :) (desta vez não me engano!) Concordo consigo quanto aos sotaques: tirando Mortagne (francês de gema), os sotaques não foram os melhores. Para um francês perfeito talvez possamos juntar Alagna e Dessay! Fica uma sugestão.
Opera/Ballet: que pena não ter podido assistir. Aqui em Portugal o que nos vai valendo é a FCG que, felizmente, não tem por hábito (de jeito nenhum!, como se diz pelas terras de Vera Cruz) cancelar espectáculos. Desejo-lhe boa sorte com o Paulo Szot: também gostei de o ouvir.
Saudações a todos!
Caro Camo
ResponderEliminarÉ sempre um prazer ler os seus "operativos" comentários: pela organização e clareza, pelo conteúdo e pela forma literária do texto. Ao lê-los fica sempre o desejo de ver ou rever a ópera.
André de Fronteira
Caro André,
ResponderEliminarObrigado pelo elogioso comentário.
Ainda bem que o blogue lhe desperta esse desejo. A sua existência é uma forma de não só reflectirmos sobre os diversos elementos que constituem este espectáculo único e fazermos perdurar a memória do que assistimos, como também suscitar interesse nos outros, quer para discussão, quer para incentivar o culto da arte e, no caso concreto, da ópera!
Saudações