sábado, 21 de janeiro de 2012

Così fan Tutte, Teatro de São Carlos, Janeiro de 2012



Apesar de o meu colega wagner_fanatic já ter escrito aqui um texto sobre esta ópera, não quero deixar de também expressar a minha opinião.

Cosi fan tutte é, talvez, a ópera de W A Mozart que mais gosto. Com libretto de Lorenzo da Ponte, o enredo é intemporal e está continuamente a nosso lado. A história pode ler-se aqui.





A encenação de Guy Joosten é moderna mas muito bem conseguida. Tudo se passa na recepção decrépita de um hotel, com vários pormenores muito felizes como a letra E da palavra HotEl que se apaga rapidamente no anúncio luminoso mas, quando há quebras de energia, é a única que permanece acesa. No 2º acto o cenário inverte-se (tal como as personagens principais), o bar e as escadas de acesso aos quartos passam da direita para a esquerda e as portas de acesso ao exterior aparecem no outro lado. Muito bem.



O jovem maestro americano Erik Nielsen fez um trabalho notável. Estive sentado a poucos metros e foi um prazer apreciar também a forma como dirigiu a orquestra. Entregou-se totalmente à direcção, suou em bica, tinha a partitura pejada de “post-its” com anotações mas, na maioria dos casos, nem para elas olhou porque passava as páginas, várias ao mesmo tempo. Foi também o cravista de serviço.







A Orquestra Sinfónica Portuguesa, em versão reduzida, “mozartiana”, teve um desempenho excelente. O Coro também esteve bem, apesar de as suas intervenções serem pequenas.

Nos cantores reinou a harmonia e o equilíbrio. O soprano espanhol Carmen Romeu foi uma Fiordiligi de bela voz e grandes qualidades cénicas.

(Carnem Romeu e Shawn Mathey)


Dorabella foi interpretada de forma sensacional pelo mezzo brasileiro Luísa Francesconi. A voz foi grande, de belo timbre, sempre afinada e, cenicamente, a interpretação foi irrepreensível.




Eduarda Melo, soprano português, foi uma Despina muito engraçada e também bem na interpretação vocal.

(Eduarda Melo e Jorge Vaz de Carvalho)


O tenor americano Shawn  Mathey foi um Ferrando de timbre muito claro que, apesar de a ária Un’aura amorosa não lhe ter saído perfeita, esteve vocalmente bem, sobretudo no 2º acto.

Jorge Vaz de Carvalho é um barítono consagrado de bela voz e excelente presença cénica e, como sempre, ofereceu-nos mais uma magnífica interpretação, desta vez do Don Alfonso.

Deixei para o fim o barítono português João Merino que interpretou o Guglielmo. Foi o melhor cantor em palco. A voz é grande, bem timbrada e sempre afinada. O cantor foi inexcedível na interpretação da personagem, com enorme naturalidade e eficácia. Excelente.



Foi uma bela récita desta ópera tão marcante que pudemos apreciar em Lisboa.






****

O Teatro de São Carlos estava cheio e penso que o período negro “Dammann” está definitivamente ultrapassado. Voltaram as óperas mais populares e o público regressou ao teatro, pois estão-lhe a ser oferecidos novamente bons espectáculos.

Por isso, foi para mim confrangedora a devolução dos bilhetes das restantes óperas da temporada, entretanto canceladas ou adiadas sine die.
É uma tristeza (e uma vergonha) ver como num país da Europa o único teatro nacional de Ópera é, assim, destroçado. Austeridade, sim, mas porquê desta forma tão brutal, arrasando com a ópera em Portugal?
Pobres de nós, portugueses, que nos vão matando culturalmente e que, para vermos ópera encenada, também vamos ter que emigrar!
Como poderemos mostrar aos nossos filhos o que é a ópera, tal como os nossos pais nos mostraram? No YouTube? No Mezzo?
E que dizer dos (e aos) músicos, instrumentistas e cantores, apanhados neste silenciar forçado? Que emigrem também, para poderem mostrar a sua arte?
Será que os responsáveis não vêem (ou não querem ver) o mal que estão a infligir? Um povo que não salvaguarda a cultura está morto e não posso aceitar que isso é o que nos querem fazer!


Così fan tutte, Teatro São Carlos, Lisbon, January 2012

Although my blog colleague wagner_fanatic have already written here a text on this opera, I will also express my opinion.
Cosi fan tutte is perhaps Mozart's opera I like best. With libretto by Lorenzo da Ponte, the plot is timeless and is constantly at our side. The story can be read here.

The staging by Guy Joosten is modern and very interesting. Everything happens at the reception of na old hotel. Various details are interesting such as the E of the word HotEl that goes off quickly in neon, but breaks in energy appear, is the one that stays on. In the second act, the scenario is reversed (as the main characters), the bar and the stairs for access to the rooms go from right to left and the access doors to the outside appear on the other side. Very nice.

The young American conductor Erik Nielsen has done a remarkable job. I was sitting very near and I was glad also to appreciate the way he directed the orchestra. He sweated profusely, the score was littered with "post-its" with notes, but in most cases, he even did not look at them because he moved the pages, several at a time. He was also the harpsichordist of the performance.

The Orquestra Sinfónica Portuguesa, in short "Mozartian" version, had an excellent performance. The Choir was also good, though the parts were small.

Among the singers, harmony and equilibrium were the rule. Spanish soprano Carmen Romeo played Fiordiligi. She had a beautiful voice and great artistic qualities.

Dorabella has been interpreted by sensational Brazilian mezzo Luisa Francesconi. The voice was big, with beautiful timbre, always in tune, and artistically her interpretation was flawless.

Eduarda Melo, Portuguese soprano, was a very funny Despina and also with a good vocal performance.

American tenor Shawn Mathey was a Ferrando with a very clear tone that, despite the aria Un'aura amorosa failed to come out perfect, he was vocally well, especially in the 2nd act.

Jorge Vaz de Carvalho has a beautiful baritone voice and an excellent stage presence and, as always, he has given us an excellent performance this time from Don Alfonso.

I left for the end Portuguese baritone John Merino who played Guglielmo. He was the best singer on stage. His voice is big, with a very nice timbre and always in tune.
The singer was unsurpassed in the interpretation of the character with great ease and efficiency. Excellent.

It was a beautiful performnce of this so striking opera that we enjoyed in Lisbon.

****

The Theatre of São Carlos was full and I think the horrible "Dammann" period is definitely over. The most popular operas returned, and so did  the public, because good performances are being offered again.

Therefore, it was heartbreaking for me to return the tickets of the other operas of the season, that were canceled or postponed indefinitely.
It's  sad (and a shame) to see how in an European country the only National Opera is destroyed this way. Financial cuts, yes, but why so brutal, devastating to the opera in Portugal?
Poor us, Portuguese, that are being culturally killed. To see an opera live, we will also have to emigrate!
How can we show our children what opera is, as our parents showed us? On YouTube? On Mezzo?
And what about the musicians, players and singers, caught up in this forced silence? Need they also emigrate, in order to show their art?
Do the responsible people not see (or do not want to see) the harm they are inflicting? A people that fails to safeguard the culture is dead and I can not accept that this is what they want to do to us!

6 comentários:

  1. Caro FanaticoUm

    Obrigado por mais este relato. Do cantores deste récita apenas conheço o João Merino precisamente na interpretação de Guglielmo (em Portalegre no passado verão). Considero-o um excelente barítono.

    Quanto ao seu comentário sobre a "austeridade" no S. Carlos, considero que a situação é de tal forma triste, que não me atrevo a acrescentar mais nada!

    ResponderEliminar
  2. Dei ja a minha opiniao no post do Wagner_Fanatic e no meu proprio blog, mas novamente vou me unir a geral opiniao de que trata se sem dúvida uma producçao muito recomendavel.

    ResponderEliminar
  3. Mais um testemunho da excelência desta produção. Obrigado, FanaticoUm.

    ResponderEliminar
  4. obrigado "fanatics" pelas vossas críticas.
    são elas que,no fundo, nos dão alento e confiança para continuarmos(corpos artísticos) a trabalhar no meio de grandes dificuldades.
    bem hajam

    ResponderEliminar
  5. de facto é triste,muito triste,ver ao estado a que chegou o nosso país.
    como muitos,decidi sair e aqui na suiça,onde me encontro a pouco tempo,percebo como é fácil o acesso á cultura,seja no vasto programa das grandes cidades,seja mesmo nos preços dos bilhetes,que para o nível de salários daqui considero muito acessível.
    aproveito para dar os parabéns pelo excelente blogue,pelo tempo que imagino deve dispensar e pelo carinho com que escreve,tiro o meu chapéu.

    ResponderEliminar
  6. @ Alberto,
    De facto, João Merino foi (é) excelente neste papel. Um gosto apreciá-lo (junta qualidade vocal e cénica).
    Quanto à austeridade, não há mais nada a acrescentar. Que tristeza de governantes temos, nomeadamente no que à cultura respeita.

    @ AdMiles,
    Concordamos também com a sua apreciação. Infelizmente, aqui em Portugal tudo está muito mais negro que em Espanha. Aproveite e obrigado pelos comentários.

    @ us3davidairada,
    Com este Cosi fan tutte mostraram que, em clima de hostilidade e insegurança máximos, é possível responder ao mais alto nível. Uma lição para os que não querem perceber a importância da cultura e do mal que estão a infligir aos portugueses com as decisões que tomam. Obrigado pela vossa lição.

    @ portas...
    Seja bem vindo de volta aos comentários no nosso espaço. Obrigado pelas suas palavras em relação ao nosso blogue mas, como refere também, encontramo-nos numa situação lamentável e tristíssima, indigna de um país europeu.
    Aproveite as oportunidades na Suiça e vá dando notícias operáticas para nos animar. Cumprimentos.

    ResponderEliminar