quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

LA CLEMENZA DI TITO – Ópera de Paris (Palácio Garnier), Outubro de 2011

(text in english below)

A penúltima ópera de W.A. Mozart, La Clemenza di Tito, com libretto de Caterino Tommaso Mazzolà, segundo Pietro Metastasio, foi encomendada ao compositor para ser representada em Praga em Setembro de 1791 nas cerimónias da coroação do imperador austríaco Leopoldo II como rei da Boémia. É uma opera seria rica em árias e duetos, embora curtos, onde dominam as vozes femininas.


 A ocasião exigia a representação de um comportamento real exemplar, com valor universal. Passada na Roma clássica, a ópera retrata o comportamento magnânime do imperador Tito.


 Consta que Mozart escreveu a partitura em 18 dias e que teve a colaboração nos recitativos e em algumas árias do seu aluno Franz Süssmayr, que viria a completar o Requiem.  


 O argumento é “sui generis”, dado que o Imperador Tito considera casar-se com três mulheres diferentes no mesmo dia. Tito deveria casar com Vitellia mas apaixona-se por uma princesa judia, Berenice, e decide casar-se com ela. Vitellia pede a Sesto, seu apaixonado, que mate o imperador. Entretanto Tito decide banir a princesa judia e casar com Servilia, irmã de Sesto, mas esta ama Annio. Ao ser informado deste facto por Vitellia, Tito escolhe casar com Vitellia. Esta, na ignorância da escolha, manda Sesto incendiar Roma e matar o imperador. Sesto diz que matou Tito e o povo lamenta a morte do seu imperador. Ao verificar que Tito não morreu, Sesto confessa o crime e, apesar de ser encorajado por Vitellia a fugir, é preso por traição. Tito, depois de assinar a sua sentença de morte, rasga-a quando fica só. Vitellia confessa que também esteve envolvida na conspiração. Tito, magnânime, perdoa todos.


 Ao contrário da Bastilha, o Palácio Garnier, para além da sua grande beleza, própria da época, mas com as maravilhosas pinturas de Marc Chagall adicionadas posteriormente ao tecto, é um teatro grande mas de dimensões “justas” para um teatro de ópera, onde os cantores podem exibir as suas vozes de modo a serem plenamente apreciadas pelo público.




 A Orquestra da Opera de Paris foi dirigida de forma imaculada pelo maestro hungaro Adam Fischer. Um deleite!






 O Coro da Opera Nacional de Paris teve uma óptima prestação, sobretudo no final do primeiro acto, quando canta fora de palco enquanto neste os solistas desesperam por saber da morte de Tito.


 A encenação de Willy Decker é um obra prima! Começa com um enorme bloco de mármore no centro do palco, que virá a ser moldado ao longo da récita até terminar num busto de Tito de grandes dimensões. A ideia é fabulosa e o efeito cénico soberbo. Toda a acção vai decorrendo em volta ou sobre este.



 Nesta versão as personagens masculinas são interpretadas por um baixo, um tenor e dois mezzos, não se tendo recorrido a contra-tenores.

O imperador Tito foi cantado pelo tenor alemão Klaus Florian Vogt. Mais uma vez tive o prazer de desfrutar da sua magnífica voz, clara, límpida e pura. É adequada ao papel que desempenha, embora o italiano soe, por vezes, um pouco estranho. O elevado número de recitativos também expõe mais o cantor.



 O soprano russo Hibla Gerzmava foi uma Vitellia arrasadora e fez jus à música que Mozart escreveu. O timbre é de beleza considerável, os agudos são fáceis e a voz é de potência avassaladora. Conseguiu, como poucas, transmitir malvadez na voz quando necessário, cumplicidade com Sesto e, no final, arrependimento. Foi verdadeiramente fabulosa.





O mezzo-soprano francês Stéphanie D'Oustrac foi um Sesto extraordinário. A voz é belíssima, sempre afinada e perfeita tanto no registo médio como no grave. O papel é muito grande e exigente e a cantora manteve sempre a qualidade interpretativa no seu máximo ao longo de toda a récita. Mais uma interpretação de excepção.


 Amel Brahim-Djelloul, soprano argelino, foi uma Servilia muito agradável, com voz jovem e fresca, sempre bem audível. A presença em palco foi muito credível.


Allyson McHardy, mezzo-soprano canadiano, foi um Annio que também não destoou em relação aos restantes solistas. O papel é mais pequeno mas interpretou-o com classe.


 Publio foi interpretado pelo baixo romeno Balint Szabo. Foi a voz menos forte de entre todas as presentes, mas nem por isso de qualidade deficiente. Cantou bem, apesar de não ter uma potência avassaladora nem uns graves profundos. Mas foi sempre audível e esteve bem no papel que desempenhou.




 No final uma longa e merecida ovação de pé, com aquele hábito tão francês das palmas ritmadas em sinal de apreço.





Uma récita maravilhosa!

*****



LA CLEMENZA DI TITO - Paris Opera (Palais Garnier), October 2011

La Clemenza di Tito, Mozart's opera before the last one, with libretto by Caterino Tommaso Mazzolà
, after Pietro Metastasio, was commissioned to the composer to be represented in Prague in September 1791 in the coronation ceremonies of the Austrian Emperor Leopold II as king of Bohemia. It is an opera seria  with many arias and duets, though short, where female's voices dominate.
The occasion demanded a representation of an exemplary royal behavior of universal value. Set in classical Rome, the opera portrays the behavior of the magnanimous Emperor Titus.
It is said that Mozart wrote the score in 18 days, and that had the collaboration in the recitatives and arias of his pupil Franz Süssmayr, who would complete his Requiem.

The plot is "sui generis", as Titus, the Emperor, considers marrying three different women on the same day. Tito should marry Vitellia but falls in love with a Jewish princess, Berenice, and decides to marry her. Vitellia asks Sesto, her lover, to kill the emperor. However Tito decides to ban the Jewish princess and marry Servilia, Sesto's sister, but she loves Annio. On being informed of this by Vitellia, Titus chooses to marry her. Vitellia, ignoring this choice, orders Sesto to set fire to Rome and to kill the emperor. Sesto informs her that he killed Titus and the people mourn the death of their emperor. When they realize that the emperor was not killed, Sesto confesses his crime and, despite being encouraged by Vitellia to escape, is arrested for treason. Titus, after signing his death sentence, forgives him. Vitellia confesses that she was involved in the conspiracy. Titus, magnanimous, forgives them all.

Unlike the Bastille, the Palais Garnier, in addition to its great beauty,  with wonderful paintings of Marc Chagall added later to the ceiling, is a large theater but "fair" for an opera house, where singers can display their voices in order to be fully appreciated by the public.

The National Orchestra of the Opera of Paris was superbly directed by Hungarian conductor Adam Fischer. A delight! The Choir of the Opera National de Paris had a great performance, especially at the end of the first act, when singing behind stage as soloists mourn the death of Tito.

The staging by Willy Decker is a masterpiece! It starts with a huge block of marble in the center of the stage, which will be shaped over the performance to end in a large bust of Tito. The idea is fabulous and of splendid scenic effect. All the action happens around this statue.

In this version, male figures were played by a bass, a tenor and two mezzos. There were no counter-tenors.

Emperor Titus was sung by German tenor Klaus Florian Vogt. Again I had the pleasure of enjoying his magnificent, clear and pure voice. It is suited to the role he plays, although his italian sounded sometimes a little strange. The high number of recitatives turned it more evident.

Russian soprano Hibla Gerzmava was an overwhelming Vitellia and she did justice to the music that Mozart wrote. The timbre is of considerable beauty, the top notes were easy and the power of the voice is overwhelming. She was able to transmit evel in her voice whenever necessary, complicity in Sesto and, ultimately, regret. She was truly fabulous.

French mezzo-soprano Stéphanie D'Oustrac was an extraordinary Sesto. The voice is beautiful, always in tune both in medium and low registers. The role is very large and demanding and the singer has always maintained the quality of interpretation at their peak throughout the performance.
It was another unique performance.

Amel Brahim-Djelloul, Algerian soprano was a very pleasant Servilia, with a fresh young voice, always well heard. Artistically she was very credible.

Allyson McHardy, Canadian mezzo-soprano, was an Annio with a quality similar to the remaining soloists. Therpart is smaller, but she interpreted it with class.

Publio was played by Romanian bass Balint Szabo. He was the less strong voice among all, but by no means of poor quality. He sang well, though without an overwhelming power or a very strong bottom register. But he was always audible and was well on the role.

At the end there was a long and well-deserved standing ovation, with that French habit of the rhythmic clapping of hands as a sign of appreciation.

An absolutely wonderful performance!

*****

4 comentários:

  1. Caro FanaticoUm

    Mais uma vez parabéns por partilhar connosco um excelente espectáculo. Gostei do final, quando escreveu "uma récita maravilhosa".

    Cumprimentos musicais

    ResponderEliminar
  2. Dear FanaticoUm, I really love this opera, it's one of my favourites of Mozart. Just an annotation: the legend said that this opera was written in 18 days, not 12 (by the way, it's just crazy to believe it)
    I can't say anything about the performance 'cause I haven't listened to it.
    Thank's for this post

    ResponderEliminar
  3. Thanks to Alberto Velez Grilo and Megacle for the corrections. I have made them.
    Regards

    ResponderEliminar
  4. Excelente crítica, FanaticoUm. Esta é uma das minhas recentes descobertas mozartianas e, sem dúvida, uma das grandes suas grandes criações. Pode não estar ao nível da trilogia DaPonte nem da Flauta Mágica mas encerra música lindíssima.

    Tive muita pena de não ter podido ir a esta produção mas vivi em parte pelo seu relato. Tenho só uma questão: A Clemenza di Tito, ao contrário do que se pensa, não foi a última, depois da Flauta e não a penúltima ópera de Mozart?

    Cumprimentos musicais.

    ResponderEliminar