terça-feira, 24 de maio de 2011

TOSCA – Opéra de Paris, Bastille, Maio de 2011


Hoje inicia-se uma nova etapa no Fanáticos da Ópera: A publicação de textos escritos por leitores do blogue.

Aceitámos o desafio e é com particular satisfação que o iniciamos com a contribuição de um autor do País irmão, o Brasil. O texto, naturalmente, está escrito em português do Brasil, “português com açúcar”, como referiu um dos maiores vultos da literatura nacional.

Em nome dos Fanáticos da Ópera dou as boas vindas ao Eduardo Vieira e agradeço o seu enriquecedor contributo:




"Sendo esta minha primeira contribuição a este fantástico blog, acho que cabe me apresentar.

Meu nome é Eduardo, tenho 38 anos, sou brasileiro e moro no Rio de Janeiro. Gosto de ópera desde os 16 anos quando ouvi um disco do Luciano Pavarotti, adorei, e fui, sózinho, assistir uma récita de Rigolleto do Theatro Municipal do Rio.

Como a quantidade (e a qualidade) das récitas que temos chance de assistir no Brasil varia muito, minha atividade operística se resume praticamente ao que consigo assistir em viagens ao exterior e a as transmissões do MET (aliás, foi após assistir a maravilhosa transmissão de Iphigenie en Tauride que, precisando dividir minhas impressões com alguem, acabei encontrando este blog na internet).

Desde então, planejei relatar as minhas impressões sobre as récitas que assistiria na viagem que fiz durante este último mês a França, Áustria e Alemanha.

Quero deixar claro que sou um melômano sem formação musical, portanto minha cronica não pretende "julgar" os interpretes quanto a suas qualidades ou seu potencial. Apenas vou dar a minha impressão. De maneira nenhuma sou o dono da verdade.

A primeira ópera que assisti nessa viagem foi Tosca, no Opera Bastille, no dia 2 de Maio de 2011. Foi a primeira vez que assisti a essa ópera ao vivo, mas obviamente já a assisti em diversas gravações de DVD e confesso ser uma das minhas óperas favoritas, sendo então muito grande a expectativa que tinha quanto a essa montagem.


Devo dizer que minha expectativa não foi completamente atingida. Achei o tenor (Carlo Ventre) abaixo do que esperava (foi mal em "Recondita Armonia" a ponto de não ter sido aplaudido ao final da ária, foi engolido pela soprano no dueto do primeiro ato. Foi um pouco melhor na "E lucevan le stelle". Em termos não vi nada demais).

O barítono (Franck Ferrari) foi um pouco melhor, principalmente na parte cênica, mas falhou no fim do primeiro ato. Eu espero ouvir "Tosca me faz esquecer de Deus" acima de todo coro e da orquestra ele não conseguiu fazer isso. Pode ser culpa do tamanho do Teatro, que é imenso, mas eu estava na platéia e não era tão longe assim.

A soprano, Iano Tamar, salvou a noite. Fez uma excelente Tosca, na minha opinião. Foi muito aplaudida quando cantou "Vissi d'arte" e ao fim da apresentação.


Os papéis menores (a saber, Carlo Signi - Angelotti; Francisco Almanza - Spoletta; Matteo Peirone - Sacristão) não comprometeram

Quanto a encenação de Werner Schroeter, pro meu gosto, era por demais minimalista. Aquele palco imenso, com pouco cenário e muito profundo provavelmente não ajuda aos cantores. Alem disso, haviam algumas mise-en-scenes (uma estátua viva da madonna no primeiro ato, umas pessoas "assistindo" a tortura de Cavaradossi no segundo ato e um soldado morrendo no início do terceiro ato) que não contruibuiam em nada para o desenvolvimento da narrativa.


O lance da estátua me incomodou demais até porque ela se mexia diversas vezes, provavelmente para ilustrar o que acontecia na cena e tambem para que nós soubéssemos que era uma pessoa. Sendo assim, não deveria ela ser creditada, aparecendo nos créditos e vindo receber os aplausos ao fim da apresentação? Isso não aconteceu.

Ao final, acredito ter sido uma récita mediana. Não foi inesquecível, mas tambem não foi ruim. A soprano salvou a noite!


Como um último comentário, as récitas que assisti esse mês me deixaram com a impressão de que o "Met Live in HD" está nos tornando expectadores mais exigentes do que deveríamos. Alem de ter possibilidade de casting superior a maioria das casas de ópera, a transmissão do cinema consegue um som quase impossível de produzido sem amplificação. A gente se acostuma com aquele som cheio do cinema que, no teatro, dificilmente vai existir. Será que isso será bom para o futuro? Será que isso levará a uma concentração ainda maior do mercado, diminuindo ainda mais a quantidade de praças viáveis para a produção de novas montagens? Mas, ao mesmo tempo, essas transmissões são o melhor veículo que apareceu para o aumento do público de ópera nos últimos 20 anos. E aí? Deixo essas questões para vossos comentários."

Sds,

Eduardo

(Texto de Eduardo Vieira)

15 comentários:

  1. Caro Fanático,
    a idéia foi ótima e começou bem - o Eduardo Vieira escreve com clareza e propriedade.
    Eu que não entendo realmente nada, ouço pouco em teatro e eventualmente algumas obras em vídeo, também já assisti a concertos acanhados em alguns trechos, e na época atribuí ao tamanho do teatro...
    Parabéns pela iniciativa e parabéns ao brasileiro Eduardo!

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  2. Caro FanaticoUm

    Esta é uma óptima ideia que dinamizará o blogue ainda mais.
    Gostei do texto do Eduardo, pena que a récita não tenha sido totalmente do seu agradado.
    Parabéns aos Fanáticos e ao Eduardo.

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  3. Bem vindo ao Blog, Eduardo!

    Obrigado por uma crítica clara e cativante.

    Em resposta a uma das suas questões, acho que o MetLive é um excelente veículo para cativar pessoas que habitualmente pensam que a ópera é uma seca, com a senhora gorda a cantar e a partir copos de cristal com a vibração da sua voz. A Ópera é uma história, uma peça de teatro, só que vai mais além ao juntar música, canto e todas as outras artes que podemos eventualmente incluir no processo de encenação. É claro que, para quem já conhece ópera e vê nos teatros ao vivo, temos de saber filtrar um pouco o que se vê. O mesmo acontece com as gravações em audio. A clareza e qualidade de som e interpretação nem sempre são as mesmas da récita ao vivo. Mas também já assisti a récitas ao vivo que coloca muitas gravações a um canto.

    Conheço esta produção da Tosca em Paris. Via-a em 2009 com James Morris como Scarpia e só por isso. O Cavaradossi era para ser Antonenko mas ficou doente... Também não achei nada de especial no geral e não era o objectivo primordial da minha deslocação (fui ver o Cyrano ao Chatelet com Domingo).

    Acho que, para quem se desloca de longe para ver ópera noutros países, é importante escolher o que, por elencos, nos parece imperdível. E há sempre muita coisa e a possibilidade de fazer como sei que fez, de ir de país para país, e ver produções que se esperam ao mais alto nível. Esta tem sido a minha máxima e ainda mais vai ser para a próxima temporada, em que o fantasma da crise económica assim o obriga.

    Cumprimentos musicais.

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  4. Uma óptima ideia, caros Fanaticos.

    Quanto à questão que o Eduardo deixa, penso que tem toda a razão. O Met Live é um excelente veículo para atrair mais público para a Ópera, além de nos permitir assistir à distância ao que está a passar-se em Nova Iorque, mas a "microfonização" das vozes pode levar os espectadores mais incautos a acreditar que as ouvirão tal e qual ao vivo no teatro. E sabemos que vozes pequenas podem ser de tal modo amplificadas que no Met Live até parecem grandes. Resta esperar que os teatros não condescendam com as expectativas desses novos públicos e comecem a optar pela amplificação das vozes.

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  5. Hi Eduardo,

    Many thanks to you for the wonderful review!
    Your posting reminds me of my first visit at the opera Bastille.
    It was years ago. At that time I still received piano lesson in Paris. Frankly I wasn't interested in opera that much. One day my friend who is a singer asked me to see "Tosca" at the Bastille. Tosca!! I might expect too much. To my great disappointment the staging was extreme minimalist. No glamour at all.
    After that I went there several times, and mostly the mis en scene was minimalist. The staging team at the bastille maybe prefer minimalist;-)

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  6. Tentando responder a todos na mesma mensagem.

    Antonio e Alberto,

    Obrigado pelos elogios! A recepção de vocês me deixa ao feliz e ao mesmo tempo apreensivo para manter ou superar o nível nos próximos artigos!

    Wagner Fanatic,

    Acho que um bom paralelo é o que pode ser feito em relação a assistir futebol na tv ou ao vivo. As duas situações tem vantagens e desvantagens.

    Mas o meu ponto é que, assim como o futebol na TV ao mesmo tempo que aumentou o público total e a abrangência do futebol, criou um certo comodismo em boa parte do público, que não mais se interessa em assistir as partidas ao vivo.

    Quanto a escolha das récitas, permita-me esclarecer: eu não viajei prioritariamente para assistir as montagens que assisti. Eu e minha esposa resolvemos viajar, decidimos o roteiro e a data em que viajaríamos e, feito isso, busquei que eventos poderia tentar assistir.

    Tenho muita vontade de fazer uma viagem para assistir um festival como o de Salzburgo ou, quem sabe um dia, sonhando muito alto, Bayreuth, mas é algo que, alem de recursos financeiros, depende de tempo e logística para ser realizado, pois esses eventos são muito disputados, a venda de ingressos é confusa (para Bayreuth, por exemplo, para concorrer a um ingresso eu que mandar uma carta a moda antiga, até uma data específica... eles não ajudam...). Arrumar isso tudo daqui do Brasil ainda não é tão fácil.

    Paulo,

    Acho que a Opera produzida de forma tradicional sempre terá espaço, mas cada vez mais concentrado em grandes centros como Nova Iorque, Paris, Milão e Vienna.

    Os teatros menores se verão em uma situação cada vez mais complicada, sem condições financeiras de bancar récitas com os melhores cantores e com um público menos disposto a pagar para ver cantores de segunda categoria quando podem ir ao Cinema para ver o Placido Domingo cantar no Met. A tendência é que eles, cada vez mais, optem por montagens alternativas e por músicais.

    Quero deixar claro que não tenho esse ódio todo a amplificação. Ela só não foi usada nos séculos passados simplesmente porque ela não exisitia. Se existisse, talvez nem tivessemos a ópera da forma que ela é hoje.

    Talvez não seja por acaso que, depois da massificação da música amplificada, praticamente não termos nenhuma ópera nova que tenha se consolidado no repertório mundial.

    Lotus-Eater,

    Thanks for your comments. Como não escrevo tão bem em inglês e você aparentemente consegue ler em portugues, vou responder no meu idioma, onde consigo expor melhor meus argumentos.

    De maneira geral, não gosto de montagens minimalistas. Eventualmente, quando é feito por um motivo artístico claro (exemplo: a La Traviatta de Salzburgo, com a Netrebko) funciona muito bem. Mas a maioria dos encenadores não tem esse talento todo e opta pelo minimalismo apenas por questões economicas. Aí pergunto? Se o problema é economizar, para que encenação então? Faz logo em forma de concerto e não gasta dinheiro com diretor de palco!! Se vai montar a ópera, monta direito.

    De maneira geral, obrigado a todos pelos comentários e pela oportunidade de discutir ópera com vocês. Daqui a alguns dias estarei de volta com o artigo sobre Don Giovanni!

    Sds,

    Eduardo

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  7. "Será que isso levará a uma concentração ainda maior do mercado, diminuindo ainda mais a quantidade de praças viáveis para a produção de novas montagens?" uma coisa eu vos garanto: se alguém for para o desemprego por causa disso, garanto que não vão ser os melhores. No máximo, vai facilitar uma separação do trigo do joio, lol

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  8. Plácido,

    Por favor, não me entenda mal, não existe o menor teor "socialista" no meu argumento. Não estou querendo que os governos mundiais façam alguma coisa para salvar as temporadas de ópera, até porque eles já fazem muito quanto a isso (a maior parte das casas sobrevive de subsídios e doações). As coisas são como são, apenas estou comentando o fenomeno.

    Isso que você diz já aconteceu no início do século. Com o advento das gravações e as primeiras estrelas dos discos como Enrico Caruso, muitas casas de show pelo mundo afora acabaram, diminuindo as oportunidades de inúmeros cantores locais (e normalmente medíocres, diga-se de passagem) ao trocar a música ao vivo pela música gravada (muito mais barata e de melhor qualidade).

    Obrigado pelo seu comentário!

    Sds,

    Eduardo

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  9. Translating Portuguese to German works much better than English to German.

    I envy this blog which has got now one more good writer! I, as a woman, have to do all by myself;-)

    @My dear friend FanaticoUm,
    I'm planning to visit the Teatro Real Madrid in Fall. Is the subtitle there also in English or just spanish?

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  10. Caro Eduardo,

    Felicito-o mais uma vez por este seu óptimo texto que tão boa receptividade teve junto dos leitores do blogue. Não é nada habitual que, menos de 24 horas após a sua divulgação, hajam tantos (e tão interessantes) comentários.

    Gostaria de abordar dois dos seus pontos para discussão:

    1- as encenações minimalistas. Não posso estar mais de acordo com a sua opinião. Eu sou dos que acha que a ópera é para ouvir e para ver. E, para ver, ou a encenação é decente, ou defrauda-me. Se é para fazer minimalista e sem jeito, então venha a versão de concerto. E também estou de acordo que, muito raramente (infelizmente) há encenações minimalistas que são rasgos de genialidade, como o belo exemplo da Traviata de Salzburgo que referiu.

    2- A amplificação da voz. Nas transmissões do MetLive, ficamos com a ideia, por vezes errada, que os cantores têm todos grandes vozes. Como o Paulo comentou, não é assim e as vozes pequenas saiem muito beneficiadas. Tive a sorte este ano (o primeiro que tivemos o MetLive em Portugal) de assistir duas vezes às mesmas óperas ao vivo no Met e depois no Met Live em HD e há casos em que as diferenças são muito grandes. De facto, nas transmissões em HD, a sonoridade é maior.
    Não sei o que se passa com o blogger hoje que não me reconhece!
    FanaticoUm
    Mas não há nada melhor que ver ópera ao vivo no teatro. Aí é que a coisa é verdadeira. E, pessoalmente, consideraria uma heresia que houvesse amplificação vocal. Acho que deixaria de ir à ópera aos teatros. Há cantores que se ouvem mal, mas outros enchem completamente o teatro, tal o tamanho da voz ou a técnica que têm para a projectar bem. A verdade da ópera´só é conseguida plenamente ao vivo, no teatro, mas as transmissões em HD têm, de facto, vantagens muito interessantes.

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  11. @ Eduardo,

    Não sei o que se passa com o blogger hoje, mas não me está a reconhecer.
    O Anónimo que escreveu o comentário anterior sou eu, o FanaticoUm!

    @ lotus-eater

    You are always welcome to this blog!.
    I confess I have never been to Teatro Real in Madrid but my friend wagner-fanatic has and I am sure when he will read your comment he will inform you.
    Blogger is not recognizing me today!
    Mit freundlischen Grüssen,
    FanaticoUm

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  12. Já agora, que isto está animado, eu não faria como o FanaticoUm, no caso de hoje para amanhã os cantores de ópera passarem a ter amplificação vocal: simplesmente passaria a portar-me como este público, cada vez que daí viesse fífia, motivo risível ou falta de talento
    http://www.youtube.com/watch?v=uYmaXRfNKbM
    o raciocínio é este: se mesmo amplificados, e a coisa não sai bem, façamos igualmente do auditório um circo!! x) Também estou pouco bem disposto para escrever disto...

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  13. Fanático Um,

    Sobre a amplificação: a heresia já é realizada, anualmente, nas apresentações de verão da Arena di Verona, nas Termas de Caracala, etc. Pode-se gostar ou não destas montagens, mas o fato é que elas são extremamente populares, lotando ano após ano.

    No teatro o microfone é, em tese, desnecessário, porque a Opera foi criada e desenvolvida sem ele. Para nós, iniciados, pega mal um cantor treinado para cantar a vera se valer de uma amplificação para esconder pouca potência vocal.

    Mas, convenhamos, potência não é tudo numa voz. Existem cantores afinadíssimos, de muita técnica, mas com pouca voz. Microfone ajuda na potência, mas não corrige tom, não aumenta a musicalidade e nem dá técnica a quem não tem.

    Nos redutos mais tradicionais, acredito que a amplificação nunca será utilizada, e nem acho que deva ser mesmo. Quem vai cantar no Met, no Scala, não pode usar muleta.

    Mas, sinceramente, não abomino o uso de amplificação em situações menos "formais". Precisamos formar público e, se numa situação mais aberta o microfone for melhorar a experiência da platéia, porque não utiliza-lo?

    Sds,

    Eduardo

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  14. Caros

    Eu sou totalmente contra a que se faça amplificação sonora nos teatros de ópera. É o facto de não haver amplificação que diferencia a a ópera de outras formas de arte vocal (agarradas ao microfone). É também assim que se distinguem os cantores a nível vocal.
    É evidente que eventos como os que se realizam na arena de Verona têm que usar amplificação e são muito válidos, no entanto, para mim não há nada que mais me preencha que assistir a uma boa récita num teatro de ópera. Sem amplificação!

    Cumprimentos

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  15. Caros amigo, interessante alguém que não pertença aos fanáticos escrever no Blog.

    Caro Eduardo, quando se faz uma crítica não se responde o que os leitores questionam. Amanhã vc faz a crítica de um artista , se começar a responder os questionamentos, a discussão não termina nunca. Eu, no início de meu blog fazia isso, aprendi com os erros, ninguém gosta de ser criticado. Nunca vi um grande crítico de jornais e revistas respondendo aos leitores, ele escreve e pronto.

    Óperas no cinema ou em DVD são uma ferramenta para divulgar a grande arte, mas ópera se faz ao vivo, no teatro e sem microfones.

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