domingo, 4 de abril de 2010

HAMLET – Met Opera, Nova Iorque, Março de 2010

A minha opção há vários meses por esta nova produção, levada à cena pela última vez no Met há 113 anos, Hamlet de Ambroise Thomas, da qual só ouvira a cena da loucura de Ofélia, deveu-se, principalmente, ao elenco anunciado, Simon Keenlyside e, sobretudo, Natalie Dessay, para além da curiosidade em ver uma ópera que não conhecia. Foi com alguma frustração que soube, posteriormente, que Dessay, por doença, tinha sido substituída.
A encenação, de Patrice Caurier e Moshe Leiser (originária do Grand Théâtre de Genève) é pobre, minimalista (apenas duas paredes rodam ao longo de toda a récita) e confusa, pois não se percebe claramente a época retratada nem o guarda roupa é consistente. É habitual ter-se muito mais e melhor no Met! Também a música não é muito excitante pois, para além da cena da loucura de Ofélia (o 4º acto por inteiro) que exige um sopano lírico de coloratura capaz, o dueto de amor entre Hamlet e Ofélia (Doute de la lumière no 1º acto) e o confronto entre Hamlet e a mãe, Gertrude (Pardonne, hélas! ta voix m’accable no 3º acto), são os momentos mais relevantes da ópera.

A cuidada direcção musical foi de Louis Langrée, a orquestra esteve ao seu bom nível habitual e o coro esteve também em grande.
Simon Keenlyside no papel do perturbado príncipe Hamlet não deixou os seus créditos por mãos alheias e, por si só, teria valido a récita. Possuidor de uma belíssima voz de barítono esteve quase sempre em palco, manteve uma superior qualidade vocal do início ao fim e foi capaz de transmitir os diferentes estados de alma ao longo da récita. O timbre é belíssimo, mantém a afinação perfeita em todo os registos, a dicção é excelente e quando a música soa mais forte é sempre audível sobre a orquestra. Em cena, para além de ter uma boa figura, perfeita para o papel, movimenta-se com invulgar agilidade e revela óptima capacidade de representação. Em suma, é mais um actor que canta de forma soberba! Se no dueto de amor com Ofélia no 1º acto foi emotivamente doce e meigo, ao confrontar a mãe, Gertrude, com o seu crime (a morte do pai), no 3º acto, mostrou-se emocionalmente perturbado e de uma frieza de arrepiar. Pelo meio teve a cena do banquete, no 2º acto em que, num aparente acto de loucura, se rega com o vinho e se enrola na toalha da mesa, horrorizando todos os presentes, numa possível metáfora ao sangue derramado pelo seu pai assassinado. Mais uma vez esteve excelente, apesar do mau gosto da cena.

Marlis Petersen, soprano alemã, foi Ofélia, em substituição de Natalie Dessay. Como referi, fora esta cantora uma das grandes razões para a minha escolha por esta récita, pelo que estava, à partida, triste e apreensivo com a substituição. Mas cedo verifiquei que iria assistir a outra interpretação superior. Logo no 1º acto, no dueto de amor com Keenlyside, Petersen ofereceu-nos um soprano agil, de grande qualidade e timbre claro, alcançando as notas mais agudas com aparente facilidade e sem quebra de potência. Transmitiu inocência e fragilidade, os sentimentos dominantes da personagem. A cena da loucura (4º acto), o momento da verdade da personagem, foi notável. Apareceu vestida de noiva, foi muito credível em palco, transbordando vulnerabilidade. Vocalmente esteve em grande, revelando uma coloratura de elevada qualidade e presenteando-nos com diversas notas altas, perfeitamente afinadas.



Jennifer Larmore, mezzo americana, interpretou a rainha Gertrude, mãe de Hamlet e consorte de Claudio. Outra grande interpretação da noite. Vocalmente muito segura mostrou ter uma potência imponente associada a grande agilidade. Esteve sempre bem e a dicção foi perfeita ao longo de toda a récita. Também cenicamente foi irrepreensível, revelando com notável credibilidade as diferentes emoções por que passa a personagem, tendo sido o dueto com o filho no 3º acto o ponto mais alto, onde transbordou culpa e remorço.
James Morris, baixo americano, foi Claudio, o rei assassino do irmão, pai do príncipe Hamlet. Penso que este artista está já na fase de declínio. Embora ainda cante com potência respeitável, tem vibrato excessivo e demonstra alguma dificuldade nas notas mais graves. Em palco, também não esteve ao nível das restantes personagens.

(Algumas das fotografias são de Marty Sohl e de Brent Ness / Metropolitan Opera)
Toby Spence, jovem tenor inglês, foi Laërte, irmão de Ofélia. Tem um timbre algo aspro de que não gosto e a extensão vocal não é grande, apesar de bem audível. Contudo, cumpriu com qualidade o papel (pequeno) que lhe coube, mas penso que ainda irá melhorar as suas apresentações, tanto do ponto de vista cénico como vocal.
Merece ainda uma palavra de apreço o baixo - barítono David Pittsinger que encarnou o fantasma do rei assassinado. O papel é pequeno mas foi desempenhado com grande qualidade vocal e cénica.


Enfim, mais um excelente espectáculo do Met que, desta vez, se deveu “apenas” aos intérpretes.

*****

1 comentário:

  1. É de facto uma pena que se tenha substituído a Natalie... :-(
    Num repertório como este de Ambroise Thomas, lembramo-nos sempre daquelas árias belíssimas e dificílimas que quase deixaram de se ouvir desde os anos 50, completamente pensadas para sopranos de coloratura altamente treinadas, como Tetrazzini, mais tarde e liberal, Kathryn Grayson (com quem conheci estas tais árias), Patrice Munsel, etc. Hoje, essas cantoras são simbolizadas por Nathalie Dessaix, não piores por isso. Confesso que não conheço bem a sua obra, mas vou já vê-la cantar as 'Mad Scenes' (incluindo a Sonnambula - estou cheio de inveja, FanaticoUm) e as árias 'Je suis Titania'!... Até faz lembrar aquele estilo tão descontraído e ainda assim tão cerrado de Bellini, como em 'O luce di quest'anima'! Eu adoro isto. O belcanto é um fenómeno. Já estou feliz.

    ResponderEliminar