Como nota muito negativa apenas o facto de, começado o espectáculo (e mesmo depois do intervalo) ser permitido aos atrasados tomarem os seus lugares.
A produção moderna, de Mariame Clément, deixou-me sentimentos contraditórios. A acção é passada nos dias de hoje, nos subúrbios de um qualquer lugar, num modesto consultório dentário (do Dr. Bartolo) onde, face à rotatividade do palco, são visíveis outras partes da casa. Rosina, na sua primeira aria (una voce poco fà), está na cama a depliar-se e faz coincidir as notas mais agudas com os momentos em que arranca os “adesivos” de depilação. No final, acaba por depilar também parte do seu urso de peluche. Ao longo da récita vêem-se personagens dentro de caixotes de lixo ou a urinar na parede (Fígaro e Almaviva), sentadas na sanita (Rosina) e na cama (Almaviva e Rosina), entre outras situações menos comuns. Mas a coisa até tem alguma graça e o guarda roupa, kitsch, também está bem escolhido para o enquadramento criado.
A orquestra, dirigida por George Pehlivanian, ao contrário do que esperava, esteve aquém das minhas expectativas, limitando-se a cumprir a partitura, sem brilho.
Os cantores, com uma excepção, estiveram muito bem e à altura dos papeis que representaram.
Lionel Peintre, barítono francês, foi o Dr. Bartolo. Esteve bem cenicamente e também vocalmente, embora revelando algumas dificuldades nas partes mais exigentes, sobretudo aquelas que obrigam a grande agilidade vocal. Também Ugo Guagliardo (baixo italiano) teve uma boa prestação como Don Basilio e a aria da calúnia foi particularmente bem cantada. Javier Abreu, americano, encarnou o Conde de Almaviva e foi o único que esteve muito aquém das exigências da personagem. A voz é pequena, revela grandes dificuldades nos agudos e é desastroso na coloratura. Oliver Grand (francês) foi Figaro e mostrou possuir uma voz de barítono de grande extensão, capaz de encher qualquer teatro de ópera e foi também muito bom em cena. Shira Raz, mezzo israelita, cantou e representou bem o papel de Berta, mas a noite foi do soprano israelita Chen Reiss que foi a Rosina. Possuidora de uma excelente voz, bem projectada, bom timbre e segura em toda a extensão do registo vocal, mostrou também ser uma excelente actirz.
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