Carmen, de Georges Bizet, é uma das óperas mais populares, repleta de trechos musicais bem conhecidos e uma óptima opção para neófitos, sobretudo quando bem encenada e bem cantada. A acção passa-se em Sevilha, no Séc. XIX.
Carmen é uma cigana rebelde por quem se apaixona um militar, Don José que, por sua vez, é incitado por carta de sua mãe a casar com uma camponesa, Michaëla. Escamillo, um toureiro, também quer conquistar Carmen. Depois de vários encontros e desencontros, Carmen decide afastar-se de Don José e ficar com Escamillo. Fora da praça de touros, onde Escamillo triunfa, Carmen é abordada por Don José que, transtornado, lhe pede insistentemente para voltar para ele. A recusa de Carmen leva-o a apunhalá-la mortalmente, confessando de imediato que a matou, pedindo para o prenderem.
Na produção da Royal Opera House, a encenação de Francesca Zambello é deslumbrante. Logo na primeira cena a Andaluzia está inequivocamente presente. No palco e ao longo do espectáculo, para além dos adereços muito ricos, de bom gosto e variados, aparecem burros, galinhas, cavalos, um elevado número de figurantes e toda a sensualidade das mulheres que trabalham na fábrica de cigarros. A qualidade e riqueza cénicas mantêm-se ao longo de todos os quadros da ópera. Tive oportunidade de assisitr a duas récitas, separadas por dois anos, com elencos diferentes, a de 2007 dirigida por Philippe Augin e a de 2009 por Bertrand de Billy. A orquestra esteve bem em ambas as récitas.
Carmen, em 2007, foi interpretada por Viktoria Vizin, mezzo-soprano húngaro, sensual qb, ma non troppo. Acho que tentou cantar, mas foi decepcionante, pois mal se ouvia, o timbre era feio e, numa sala como esta, a falta de potência vocal é fatal. Em 2009, pelo contrário, Elina Garanca foi notável. Vocalmente soberba ao longo de toda a récita, voz magnífica, belíssima no timbre, forte na colocação e potente na emissão, foi também uma excelente actriz. Mostrou bastante as pernas, mas a figura presta-se e a personagem também.
Don José foi interpretado por Marco Berti em 2007., um tenor italiano típico, possuidor de uma bela voz, potente e bem colocada, mas pouco ágil. O homem, gordo e mau actor, não ajudou a personagem que interpreta. Em 2009, Roberto Alagna assumiu o papel. Apesar de ter um timbre de que não gosto, devo reconhecer que foi soberbo ao longo de toda a récita, sem qualquer falha vocal e, cenicamente, excelente, sobretudo no final.
Escamillo foi Laurent Naouri em 2007, que cumpriu o papel com regularidade mas sem brilho. Surgiu montado no cavalo, como Zambello terá imaginado, mas ou teve medo de montar, ou medo que o cavalo não gostasse de ser montado por ele. Em 2009 foi a vez de Ildebrando D’Arcangelo, que nunca ouvira ao vivo. Apareceu ao lado do cavalo e demonstou que não é cantor para um teatro de ópera como a ROH. Fez-se ouvir em susurro, não brilhou e, de facto, não tem potência nem capacidade interpretativa para um teatro de primeira água. É o exemplo de como as gravações podem enganar.
Micaëla foi, nas duas récitas, o soprano chinês Liping Zhang, uma das mais aplaudidas em ambas as récitas. Uma voz decente e forte mas com tendênca para gritar nos agudos e sem a suavidade, emoção e sentimento que a personagem exige. A interprete, chinesa – sim, o preconceito para mim conta – estaria óptima como Butterfly ou Liu, mas não como esta espanhola.
A Royal Opera House continua a oferecer esta produção. É outra que se recomenda vivamente, sobretudo para quem não tem grande vivência operática, dada a espectacular riqueza cénica que se disfruta. Também existe uma notável versão em DVD, com Anna Caterina Antonacci (Carmen) e Jonas Kaufmann (Don José).
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