domingo, 15 de janeiro de 2017

NABUCCO – MetLive in HD. Fundação Gulbenkian, Janeiro / January 2017



Umas breves notas sobre a transmissão da opera Nabucco de G. Verdi que pudemos ver no passado Sábado, numa transmissão em diferido da Metropolitan Opera de Nova Iorque.

A encenação pouco dinâmica de Elijah Moshinsky já tem uns anos. O palco roda entre um cenário rochoso quando mostra os hebreus e outro mais escuro e encimado por um deus dourado para os babilónios. Apesar de grandioso, não é uma abordagem interessante.

(Fotografias / Photos de Marty Sohl, Metropolitan Opera)



Sob a direcção de James Levine a orquestra e coro da Metropolitan Opera foram excelentes. Tivemos direito à repetição do coro de abertura do 4º acto - Va, pensiero

O baixo russo Dmitri Belosselskiy foi um Zaccaria interessante, mas fraco no registo mais grave, quase inexistente. O tenor americano Russell Thomas cantou o pequeno papel de Ismaele com qualidade, mas aparentemente em esforço. Bem melhor foi a mezzo americana Jamie Barton como Fenena, também num papel pequeno mas particularmente bem cantado, nomeadamente no 4º acto. A Abigaille, principal personagem da ópera, foi interpretada pela soprano ucraniana Liudmyla Monastyrska. A cantora é um portento vocal, em força, amplitude e afinação, e os agudos são excelentes. Contudo, falta-lhe dramatismo e alguma doçura na voz. A interpretação é sempre dura, ao estilo antigo das cantoras do leste da Europa.



Deixo para o fim o grande Placido Domingo, a caminho dos 80 anos, um dos maiores nomes da Ópera das últimas décadas. Tenho enorme respeito por ele e, nesta récita, no papel de Nabucco, foi o único dos solistas que representou a personagem, não se limitando ao canto. Mas, em mais uma interpretação de barítono, voltou a não soar como seria desejável porque Domingo é um tenor e, nestas interpretações, sem agudos.



***


NABUCCO – MetLive in HD, January 2017

A few notes on the transmission of G. Verdi's opera Nabucco that we were able to see last Saturday, in a delayed broadcast of the Metropolitan Opera of New York.

Elijah Moshinsky's short-lived direction is a few years old. The stage swirls among a rocky setting when it shows the Hebrews and a darker and topped by a golden god for the Babylonians. Although grandiose, it is not an interesting approach.

Under the direction of James Levine the Orchestra and Choir of the Metropolitan Opera were excellent. We heard twice the opening chorus of the 4th act - Va, pensiero.

Russian bass Dmitri Belosselskiy was an interesting Zaccaria but weak in the lower registrer, almost nonexistent. American tenor Russell Thomas sang the small role of Ismaele with quality, but apparently in effort. Jamie Barton was much better as Fenena, also in a small role but particularly well sung, notably in the 4th act. Abigaille, the main character of the opera, was interpreted by Ukrainian soprano Liudmyla Monastyrska. The singer is a vocal portent, in strength, amplitude and tuning, and the top notes are excellent. However, she lacks theatrical presence and some vocal sweetness. The interpretation is always hard, in the old style of the singers of eastern Europe.

I leave to the end the great Placido Domingo, on his way to his 80s, one of the greatest names of the Opera of the last decades. I have great respect for him and in this performance, in the role of Nabucco, he was the only one of the soloists who interpreted the character, not limited to singing. But in another interpretation of baritone, he did not sound as it would be desirable because Domingo is a tenor, and in these interpretations, without top notes.


***

2 comentários:

  1. Subscrevo genericamente a sua apreciação do espectáculo, caro Fanático_Um, nomeadamente e tanto quanto uma transmissão o permite, o que diz dos cantores.

    Mas parece-me importante neste caso debruçarmo-nos um pouco sobre outros aspectos do que se viu na FCG.

    Trata-se de uma encenação de Elijah Moshinsky, a mesma que este produtor-encenador apresentou em 1998 em Chicago e estreou depois no MET na temporada de 2001.

    Este facto é porém em si mesmo pouco relevante. Existem encenações teatrais que persistem para além da sua génese temporal e se transformam em verdadeiras referências qualitativas.

    Infelizmente tal não acontece com este espectáculo. Se quiséssemos considerá-lo como referência teríamos previamente de o colocar no seu campo, o da encenação tradicional, decorativista e pretensamente respeitadora do contexto histórico, e depois verificar que mesmo aí a obra falha.

    Mas o que nesta produção se torna evidente é o espectáculo deprimente da trajectória do MET na sua alegada tentativa de salvação da ópera, supostamente abrindo-lhe um futuro grandioso através da difusão global dos seus produtos cénicos.

    Ilustrando os piores arquétipos do folclore anti-semita o que o teatro nova-iorquino nos vem expondo é uma desesperada tentativa de salvação dos seus cofres, mesmo que, como neste caso acontece, isso deva ser feito à custa da manipulação desonesta de recursos e da utilização de truques rasteiros apelando aos instintos mais básicos do público.

    Plácido e Levine foram um êxito em Março de 2001, na estreia desta produção. A dupla de sucesso foi agora reconvocada, mesmo que isso signifique a obscena exibição da fragilidade motora do maestro e da incapacidade vocal do tenor, a quem se distribuiu por isso o papel de barítono.

    A artimanha funciona aparentemente junto do público presente na sala do MET, que aplaude vigorosamente Domingo pelo simples facto de ele entrar em palco e se deleita com a repetição do Va pensiero seja qual for a qualidade da direcção.

    Mas fora dela, nos cinemas, é virtualmente impossível qualificar a execução da obra: a captação e tratamento do som privilegiam a reprodução das vozes de tal modo que em geral o tecido orquestral e mesmo as linhas harmónicas mais simples são inaudíveis.

    Para nós, espectadores da transmissão, o resultado deste processo é simples: ausência de qualquer dinâmica sonora, independentemente da sua eventual existência na sala. Toda a ópera aparece como uma interminável e monótona sequência de canções, a solo ou em coro, como num musical com alguns interlúdios orquestrais pelo meio.

    Mas a esta qualidade sonora correspondeu a nível visual idêntica indigência. Neste caso, o facto de o trabalho da encenação se limitar a uma sucessiva exposição de quadros fixos ao gosto do melhor folclore bíblico made in Hollywood seria em teoria um elemento facilitador para a realização de uma transmissão com condições mínimas de qualidade.

    Porém essa natureza estática da dramaturgia parece ter constituído uma armadilha fatal para a realizadora Barbara Willis Sweete, e o resultado do trabalho da sua equipa consegue ultrapassar por baixo o pior video de amadores imaginável: movimentos de câmara aleatórios ou erráticos, enquadramentos de horror (faces cortadas a meio), ocultação parcial do campo visual pela intercepção de objectos estranhos, flagrante inépcia operacional técnica com câmaras montadas em gruas atravessando tranquilamente o enquadramento, ausência de montagem.

    É caso para dizer que à medida que o programa da temporada MET Opera Live avança aumenta exponencialmente o risco de novos espectadores, inexperientes e curiosos de conhecer o mundo da ópera, ficarem definitivamente afastados do espectáculo lírico pelo trauma da experiência.

    Dada a dimensão planetária da iniciativa do MET, estamos em vésperas de uma tragédia para a verdadeira ópera. Um desastre iminente.

    JAM 15/01/2017

    ResponderEliminar
  2. No princípio deste ano tivemos oportunidade de estar em NY e, obviamente, não perdemos a ocasião para dar um salto até ao Met para ver este Nabucco (bem como o Romeo e a Magic Flute). A nossa impressão de assistir "ao vivo" difere um pouco das vossas notas sobre a transmissão para cinemas.

    A encenação funciona muito bem no teatro. Utiliza as três dimensões espaciais, não se limitando à profundidade do palco como é mais ou menos habitual, mas funcionando muito bem também na vertical. Com este cenário, o palco do Met transforma-se quase num enorme ecrã 3D o que, tendo em atenção as enormes dimensões da sala, muito maior que o nosso São Carlos, é deveras importante para os espetadores. E é um cenário de grande dinamismo, roda de cena para cena, há frequentemente o cintilar de chamas a arder, a iluminação realça os relevos do cenário e vai enquadrando o canto, com tons por vezes mais quentes, outras vezes mais sombrios e assustadores.

    A orquestra sob a direção de Levine esteve perfeita tal como o coro, ambos em grande sintonia, sem nunca se sobreporem, o que é fundamental no Nabucco, em que o coro está praticamente sempre em palco. A gama e a amplitude sonora do coro e da orquestra foram quase incríveis, com pianissimos prolongados de causar arrepios.

    Monastyrska é, de facto, um portento vocal. A sua Abigaille é realmente dura (como faz sentido que seja), mas em 'Anch'io dischiuso un giorno', Monastyrska foi suave e doce, provando que o seu registo duro não é o único que possui.
    Placido Domingo já não tem a voz de tenor que tinha há uns anos, obviamente, mas encheu o palco e a sala com a sua voz forte e a sua interpretação emocionante. A ovação que recebeu foi bem merecida. E a sua fama e o seu prestígio não lhe subiram à cabeça, como é o caso de certas “divas”. No dia seguinte à performance a que assistimos, teve paciência para se sentar a dar autógrafos a uma fila que se prolongava interminavelmente pelo piso de estacionamento do Met.

    As cerca de três horas de espetáculo passaram num instante! Foi um grande espetáculo de ópera a que assistimos no Met!

    ResponderEliminar