terça-feira, 14 de agosto de 2012

AIDA: Gran Teatre del Liceo, Barcelona - 30 de Julho de 2012



Aida é uma ópera composta em 1871 por Giuseppe Verdi (1813-1901), a partir de um libretto de Antonio Ghislanzoni (1824-1893), por seu turno, fundado num argumento elaborado pelo egiptólogo Auguste Mariette (1821-1881), posteriormente, expandido por Camille Du Locle (1832-1903) com base em fontes tão diversas como Nitteti de Pietro Metastasio (1698-1782) ou Bajazet de Jean Racine (1639-1699).


A encenação de José Antonio Gutiérrez, estreada em 2003, propõe um resgate evocativo de algumas criações cenográficas da autoria do emérito artista plástico catalão Josep Mestres i Cabanes (1898-1990), remontantes a 1945, a cargo de Jordi Castells. Por intermédio da multíplice disposição de diversos telões modelados em função dos elementos cénicos a representar (colunas, templos, vegetação, interiores), Gutiérrez sucede na obtenção de efeitos visuais, apropriadamente, sugestivos da monumentalidade, comummente, associada a encenações de cariz mais tradicional, evitando, contudo, resvalar para a mera ostensão de um fausto, cenicamente, vácuo e, em derradeira instância, condicionador da dramaturgia que a obra encerra.

Em Radames, Marcello Giordani surgiu a um nível, genericamente, recomendável, não obstante um notório défice de emissão no registo mais grave, tendente à inaudibilidade. Dotado de um instrumento robusto com suficiente volume e generosa extensão, o tenor logrou alcançar um plano assinalável nos duetos nucleares dos terceiro e quarto actos, maugrado a evidenciação de alguns óbices no ensejo de apianar no limiar da região aguda. Dramaticamente, lamenta-se a expressão, ainda que esporádica, de trejeitos algo desadequados.


Do mesmo modo, a Amneris de Ildiko Komlossi (substituindo Luciana D’Intino) denotou, num estágio inicial, uma vocalidade algo destimbrada, acrescida de uma laboriosa projecção. Conquanto, transversalmente, comprometida por um insistente vibrato, ameaçando distorcer, amiúde, o fraseado, releva-se, sobremaneira, o palpável engajamento dramático numa performance, parcialmente, congenial, culminando num quarto acto de relevante efeito.


Em récita que assinalou o desfecho da carreira artística, o veterano Juan Pons compôs um Amonasro, dramaticamente, assertivo, numa abordagem convincente. Conservando suficiente robustez vocal, mormente, no registo médio, o barítono catalão sucedeu em defender-se, eficazmente, em ambos os extremos da tessitura, domando, com propriedade, a linha de canto. Um epílogo comovedor, fragorosamente ovacionado pelo público.


Numa caracterização irrepreensível, o Ramfis de Vitalij Kowaljow primou pela nobreza tímbrica, num instrumento assaz homogéneo, não obstante a ausência da expectável ressonância nos graves, designadamente, na cena com Radames no Templo de Vulcano.

Stefano Palatchi patenteou a necessária autoridade na assunção do monarca egípcio, a despeito de uma generalizada debilidade na coluna de som, enquanto Josep Fadó (um mensageiro) e Elena Copons, no papel de uma sacerdotiza, lograram prestações correctíssimas, integrando-se favoravelmente no conjunto.


A princesa etíope da norte-americana Sondra Radvanovsky foi, absolutamente, notável. Possessora de um instrumento de basta amplitude e privilegiando uma emissão, constantemente, sul fiato, assombrou pelo incessante desenho e suspensão de uma insuspeita pureza tímbrica na melhor tradição verdiana, considerando a matriz de laivos, intrinsecamente, metálicos característica do material vocal. O soprano foi, inequivocamente, modelar, na negociação da terrífica cadência em O patria mia, sem qualquer decréscimo de qualidade, concomitantemente, explorando de modo activo a paleta dinâmica, num exercício de controlo admirável, evidenciado pela sucessiva abordagem triunfante dos pianissimi. Destaca-se, de forma análoga, a consistência do jogo cénico, contribuindo para um salutar envolvimento dramático no âmbito das possibilidades ofertadas pela natureza da encenação. Uma estupenda intérprete do papel-titular.


Sob a batuta de Renato Palumbo, o Coro e a Orquestra do Gran Teatre del Liceo exibiram-se em plano idiomático, não obstante um relativo pendor para a adopção de tempi algo lestos por parte do maestro italiano.




****


AIDA: Gran Teatre del Liceo, Barcelona - 30 de Julho de 2012

Aida is an opera composed in 1871 by Giuseppe Verdi (1813-1901), after a libretto by Antonio Ghislanzoni (1824-1893), in its turn, based on a story created by the Egyptologist Auguste Mariette (1821-1881), expanded, afterwards, by Camille Du Locle (1832-1903) from such diverse sources as Pietro Metastasio’s Nitteti and Jean Racine’s Bajazet.

Premiered in 2003, José Antonio Gutiérrez’s staging proposes an evocative restoration of some scenographic creations designed by the illustrious Catalan artist Josep Mestres i Cabanes (1898-1990), dated from 1945, adapted by Jordi Castells. Through the manifold disposition of several screens modelled according to the scenic elements to represent (columns, temples, vegetation, interiors), Gutiérrez succeeds in achieving visual effects, appropriately, suggestive of the monumentality, usually, associated to more traditionally-natured stagings, avoiding, however, slipping into the mere ostentation of a scenically hollow pageantry and, ultimately, the conditioning of the work’s dramaturgy.

As Radames, Marcello Giordani emerged at a, generally, commendable, level, notwithstanding, a notorious deficit of emission in the lower register, tending to inaudibility. Gifted with a robust instrument with sufficient volume and generous extension, the tenor succeeded in reaching a remarkable level in the fundamental duets of the third and fourth acts, despite evincing some difficulties when taking a note in pianissimo at the upper part of the voice. Dramatically, one regrets the expression, tough sporadic, of somewhat inappropriate mannerisms.

Likewise, the Amneris of Ildiko Komlosi (subbing for Luciana D’Intino) denoted, at an early stage, a whitish vocalism, accompanied by an elaborate emission. Even though, transversely, compromised by an insistent vibrato, threatening, in several instances, to distort the phrasing, the blatant dramatic involvement stood out in a, partially, congenial performance, culminating in a fourth act of nice effect.

In his farewell performance, veteran Juan Pons drew a, dramatically, assertive Amonasro, in a convincing portrayal. Preserving sufficient vocal strength, especially, in the middle voice, the Catalan baritone managed to defend himself, effectively, at both ends of the range, taking hold of the vocal line, with property. A moving epilogue, soundly cheered by the public.

In a faultless depiction, Vitalij Kowaljow’s Ramfis distinguished himself through the nobility of the tone, in a markedly even instrument, despite the lack of the required resonance in the lowest notes, namely, in the scene with Radames at the Vulcano Temple.

Stefano Palatchi exhibited the expected authority, in spite of a generalized fragility in the sound column, while Josep Fadó (a messenger) and Elena Copons, in the role of a priestess, turned in extremely correct performances, blending themselves, positively, in the ensemble.

The Ethiopian princess of the American Sondra Radvanovsky was, absolutely, remarkable. Possessing an instrument of great amplitude and favouring an emission, constantly, sul fiato, she astounded by the incessant spinning and sustaining of an unsuspected purity of tone in the best Verdian tradition, considering the intrinsically metallic nature of the voice. The soprano was, unequivocally, exemplary in the negotiation of the terrific cadenza in O patria mia, without any loss of quality, at the same time, exploring, actively, the dynamic range, in an admirable exercise of control display, evinced by the triumphant way in which she, successively, approached pianissimi. One should also highlight the consistency of the stage deportment, contributing to a wholesome dramatic involvement, within the possibilities offered by the character of the staging. An outstanding interpreter of the title-role.

Under the baton of Renato Palumbo, the Gran Teatre del Liceo Chorus and Orchestra presented themselves in an idiomatic level, notwithstanding the Italian maestro’s penchant for the adoption of rather fleet tempi.

****

1 comentário:

  1. @ Hugo,

    Obrigado por este magnífico texto. Já tive oportunidade de assistir a esta produção da Aida mais de uma vez (mas não com um elenco deste calibre) e fiquei deveras impressionado, sobretudo com a notável obra cenográfica.
    E que bonita homenagem a Juan Pons!

    ResponderEliminar